Acórdão nº 413/20.1T8ABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.º Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. R…, com os demais sinais dos autos, impugnou judicialmente a decisão administrativa da DRAPLVT – Direção Regional de Agricultura de Lisboa e Vale do Tejo, que lhe aplicou coima de 1 200€ , (1) por prática com dolo eventual da contraordenação prevista e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 15.º do Decreto-Lei n.º 81/2013, de 14 de junho e 18.º do Regime Geral das Contraordenações

Sequentemente foram os autos enviados ao Ministério Público junto do Juízo Local Criminal de Abrantes e estes depois remetidos à distribuição ao Juízo Local Criminal de Abrantes, do Tribunal da comarca de Santarém, sendo-lhes atribuído o n.º 413/20.1T8ABT.E1

No controlo liminar do processo a M.ma Juíza, por considerar que a decisão recorrida poderia conter nulidade, ordenou se apresentassem os autos ao acusador (ao Ministério Público) para sobre tal se pronunciar! Nessas circunstâncias considerou o consulente inexistir a potencial nulidade uma vez que no segmento da decisão recorrida epigrafada «Culpa» consta a menção ao elemento subjetivo, sendo a mesma suficiente para a sua regularidade formal

Seguiu-se a prolação do despacho recorrido, com o seguinte teor: «(…) Cumpre apreciar e decidir: Com efeito, nos termos do disposto no art. 62°, 1, in fine, do Decreto-Lei n° 433/82, de 22/10 (RGCO), em caso de recurso contencioso, a remessa a juízo do processo vale como acusação

Ora, de harmonia com o estabelecido no art. 283°, 3, b), do C.P.P., aplicável «ex vi» do art. 41º, 1, do RGCO, a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração dos factos que fundamentam a aplicação a arguida de uma sanção (noutra vertente, de acordo com o estatuído no art. 58º, 1, b) do RGCO, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter a descrição dos factos imputados, com a indicação das provas obtidas, sendo que a falta daquelas constitui nulidade, nos termos dos arts. 374º, 2 e 3, e 379º, 1, a), do C.P.P.). Compulsada a matéria de facto dada como provada de fls 79 a 81, no ponto IV – Factos Provados, constante da decisão sob recurso, verifico que a mesma é totalmente omissa no que tange à factualidade que integra o elemento subjetivo da infração. A “acusação” em apreço não contém, pois, em bom rigor, factos que se imputem à arguida e de cuja prova, por qualquer meio, possa resultar a conclusão (em operação de aplicação do direito aos factos - os quais não podem, evidentemente, numa decisão acusatória, ser omitidos do elenco da factualidade provada, para serem referidos em sede de fundamentação de facto de um facto que não está elencado nos factos provados ou para serem referidos, em jeito de conclusão, em sede de aplicação do direito, de que a arguida praticou a contraordenação que lhe é assacada. Donde, não contém, pois, como se impunha, todos os factos quanto ao elemento subjetivo tendentes à aplicação à arguida de uma sanção. Note-se que o MP não deixa de sublinhar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no proc. n.º 344/19.8T9MFR.L1-9, datado de 31.10.2019: “I- A decisão administrativa, deve obedecer a um limite apropriado no que concerne quer à descrição, que há-de ser concreta e precisa, dos factos praticados que objetivamente integrem a contraordenação em causa na sua vertente objetiva ou material, quer à natureza dolosa ou negligente da atuação a que aqueles factos se reconduzem na sua vertente subjetiva ou culposa; II-Ou seja, a imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem comportamento contra-ordenacional, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar, e deve, além disso, conter os elementos do tipo subjectivo do ilícito contraordenacional e tendo de conter os elementos mínimos exigíveis a uma acusação”. Importa pois, concluir pela nulidade da decisão recorrida, e nulidade do ato de acusação, por insuficiência dos factos provados para fundamentar a decisão proferida ou por insuficiência dos factos acusados para aplicação à arguida de uma sanção. Está em causa uma nulidade de conhecimento oficioso, que importa a anulação da decisão da decisão recorrida e dos termos posteriores do processo. Pelo exposto, declaro nula a decisão recorrida, constante de fls. 79 a 81 dos autos e os termos subsequentes do processo e, em consequência, determino a respetiva devolução à autoridade administrativa, a fim de ali ser proferida nova decisão em que se mostre suprida a apontada nulidade.» 2. Inconformado com tal decisão o Ministério Público interpôs o presente recurso, extraindo-se da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida nos presentes autos, no dia 08.07.2020, na qual o Tribunal a quo declarou nula a decisão administrativa condenatória, pela prática da contraordenação p. e p. no art. 5.º, n.º 3 do Decreto-Lei 81/2013 de 14 de Junho, na sua redação mais recente que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 20/2019, de 30 de Janeiro (e que não alterou qualquer das normas de cuja apreciação depende a decisão a proferir nos autos), proferida pela Direção da Cultura e Pescas de Lisboa e Vale do Tejo e impugnada judicialmente pela arguida R…, “por insuficiência dos factos acusados para aplicação à arguida de uma sanção” e, consequentemente, ordenou que os autos fossem devolvidos à autoridade administrativa a fim de proferir nova decisão, suprindo a referida nulidade

  1. Contrariamente ao decidido, entende o Ministério Público, nos termos do art. 412.º, nº. 2, do Código de Processo Penal, desnecessária a sistematização da decisão administrativa como se de uma acusação/sentença penal se tratasse quando todos os elementos necessários a conhecer da responsabilidade contraordenacional da arguida ali constam, pelo que considera que a decisão proferida violou os arts. 32.º, 62.º e 58.º do Regime Geral das Contra-ordenações que se mostram revestidos de especificidade face aos arts. 283°, 3, b), 374º, 2 e 3, e 379º, 1, a) todos do Código de Processo Penal, os quais, na leitura que lhes foi dada pela decisão recorrida, não são aplicáveis

  2. O Tribunal a quo entendeu que, por força do art. 41.º do Regime Geral das Contra-ordenações, é de aplicar, sem mais, o disposto no art. 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal quanto aos elementos que devem constar em acusação proferida em processo penal, ignorando que tal se aplica a uma acusação penal (e não a uma decisão administrativa) e, ainda, que caso pretendesse o legislador aproximar, em sentido estrito, a decisão administrativa quando impugnada judicialmente a uma acusação, certamente teria previsto uma solução que permitisse ao Ministério Público, recebidos aos autos após impugnação judicial pelo arguido, articular os factos como se de uma acusação se tratasse em detrimento de meramente apresentar todo o processo administrativo em juízo para que sirva de acusação

  3. Com efeito, da decisão administrativa constam todos os factos necessários a conhecer do elemento subjectivo do tipo contraordenacional, relembrando que, nos termos do art. 15.º do Decreto-Lei 81/2013 de 14 de Junho, na sua redação mais recente que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 20/2019, de 30 de Janeiro, sob a epigrafe “controlo prévio”, lê-se “2 - As atividades pecuárias de classe 2 estão sujeitas ao regime de declaração prévia e só podem ter início após o requerente ter em seu poder título de exploração.”, sendo que, quanto ao dolo, vale a definição que se retira do art. 14.º do Código Penal

  4. Na decisão administrativa, especificamente quanto aos factos que a própria arguida trouxe aos autos, lê-se “(…) [c]ontinuando, a arguida assumiu os factos, tentando desculpar a sua inércia com a exigência e intransigência do tribunal, em primeiro lugar, e, de seguida, com a atuação da veterinária que a própria contratou para fazer o saneamento dos animais. Ora, face à leitura do documento a fls. 37 os autos, emanado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo de Competência Genérica de Fronteira, somos levados a crer que a arguida há muito conhecia da obrigação de retirada dos animais, tendo tempo, pelo menos, de dar início ao processo de licenciamento da exploração numa nova localização

    Quanto à atuação da veterinária, esta atuou no âmbito do saneamento dos animais, atuação em nada relacionada com o licenciamento da exploração agropecuária. De facto, os animais têm de ser sujeitos a todos os procedimentos sanitários e têm os mesmos de ser custeados pelos proprietários, mas não pode a arguida, em sede de defesa, e através do seu mandatário legal, querer confundir as suas realidades pois saneamento e licenciamento REAP não se confundem. E a...

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