Acórdão nº 233/20 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução22 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 233/2020

Ata

Aos 22 dias do mês de abril de 2020, os quatro juízes integrantes do pleno da 1.ª Secção, presidida pelo Conselheiro Presidente, Manuel da Costa Andrade, e composta pelos Conselheiros Vice-Presidente, João Pedro Caupers, José António Teles Pereira (relator) e Maria de Fátima Mata-Mouros, reuniram-se por via telemática para discussão do projeto de acórdão relativo ao Processo n.º 832/2019, previamente distribuído pelo relator, decidindo o recurso apresentado nos presentes autos pelos recorrentes A. e B. [artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redação constante da Lei n.º 1/2018, de 19 de abril].

Tendo os intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado por unanimidade, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado na presente ata, assinada pelo Conselheiro Presidente.

A aprovação do acórdão foi feita ao abrigo do artigo 7.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

ACÓRDÃO N.º 233/2020

Processo n.º 832/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. e B. (os ora Recorrentes) intentaram, no Juízo Central Cível de Viana do Castelo, uma ação declarativa comum contra Companhia de Seguros Ocidental, pedindo a condenação da Ré no pagamento: (a) ao C. do valor correspondente à dívida restante de crédito à habitação identificado no articulado; e (b) aos Autores de outros valores relacionados com o mesmo contrato de crédito.

Os Autores juntaram à petição inicial comprovativo da concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxas de justiça e demais encargos com o processo.

O processo correu os seus termos naquele tribunal com o número 4196/18.7T8VCT.

1.1. A Ré contestou, após o que os Autores apresentaram requerimento de desistência do pedido.

1.1.1. A desistência do pedido foi homologada por sentença de 27/03/2019, fixando-se as custas “pelos Autores”.

1.1.2. Após a homologação da desistência do pedido, a Ré reclamou dos Autores o pagamento de custas de parte.

1.1.3. Os Autores apresentaram, então, reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, invocando o seguinte:

“[…]

1.º

A quantia reclamada pela R. a título de custas de parte não é devida pelos AA., nem da responsabilidade destes.

2.º

Isto porque os AA. beneficiam da concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxas de justiça e demais encargos com o processo – cf. documento comprovativo de fls. … .

3.º

Assim, atento o apoio judiciário de que beneficiam, os AA. não são responsáveis pelo pagamento das custas de parte reclamadas pela R., pelo que nada lhe devem.

4.º

Devendo a R. pedir o reembolso das custas de parte ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, nos termos do artigo 26.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais.

5.º

Face ainda ao exposto, a quantia reclamada pela R. a título de custas de parte não é devida pelos AA., nem da responsabilidade destes.

[…]”.

1.1.4. Sobre este requerimento recaiu despacho, datado de 09/05/2019, com o seguinte teor:

“[…]

Uma vez que os AA. beneficiam do apoio judiciário, proceda-se ao reembolso à Ré das taxas de justiça pagas nos termos e pelos montantes consentidos pelo artigo 26.º, n.º 6, do RCP.

Quanto ao restante reclamado é da responsabilidade dos AA. a título de custas de parte.

A dispensa dos AA. do pagamento da taxa de justiça e demais encargos, na qualidade de parte vencida/desistente, não os afasta, em momento posterior, da responsabilidade de pagamento de custas de parte – artigos 533.º do CPC e 26.º RCP (n.º 6, “a contrario”).

[…]”.

1.1.5. Os Autores pediram a reforma do despacho, invocando, inter alia, a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 533.º do Código de Processo Civil (CPC) e 26.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais (RCP) segundo a qual a dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos, na qualidade de parte vencida/desistente, não afasta, em momento posterior, a responsabilidade da parte a quem foi concedido o benefício do apoio judiciário pelo pagamento de custas de parte.

1.1.6. Por despacho de 14/06/2019, foi a pretensão dos Autores indeferida, com os fundamentos seguintes:

“[…]

Indefere-se à requerida reforma do despacho que determinou o reembolso à Ré das taxas de justiça pagas ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 6, do RCP, declarando que o restante reclamado é da responsabilidade dos AA. a título de custas de parte.

Os AA beneficiam do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo – artigo 16.º, n.º 1, al. a), da LAJ (Lei 34/2004).

O apoio judiciário não abarca a dispensa global de pagamento das custas processuais, mas sim como refere a lei: da taxa de justiça e encargos com o processo.

Nos termos do artigo 529.º, n.º 1, do CPC: as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.

Assim, estão os AA. dispensados do pagamento da taxa de justiça e dos encargos como forma de poderem fazer valer os seus direitos, mas não das custas de parte.

Sendo que quanto a estas, sempre que a parte vencida tenha apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxas de justiça, dispõe o artigo 26.º, n.º 6, do RCP que incumbe ao Estado o seu reembolso.

Quanto às restantes custas de parte, não abrangidas pelo apoio judiciário, serão da responsabilidade da parte vencida na respetiva proporção.

Pelo exposto, por se entender que esta interpretação é a que se coaduna com a letra e espírito das leis em causa, mantém-se o despacho reclamado nos seus precisos termos.

[…]” (sublinhado acrescentado).

1.2. Os Autores interpuseram, então, recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 31.º, n.º 6, do RCP), ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, tendo em vista um juízo de inconstitucionalidade da norma supra referida (item 1.1.5.).

1.2.1. No Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, pelo relator, determinando a notificação das partes para alegarem e delimitado o objeto do recurso por referência à norma constante do artigo 533.º, n.º 1, do CPC, em conjugação com o artigo 26.º, n.º 6, do RCP, na interpretação segundo a qual a parte vencida que litiga com benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo apenas se encontra dispensada do reembolso à contraparte do valor da taxa de justiça e de encargos suportados por esta, devendo reembolsar o valor das demais custas de parte.

1.2.2. Os Recorrentes apresentaram as suas alegações, das quais consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

A parte que litiga com apoio judiciário não tem meios que lhe permitam suportar quaisquer custas e por esse motivo, ainda que saia vencida da Ação, não tem que pagar/reembolsar custas de parte.

Cabendo à parte vencedora reclamar o valor referente às taxas de justiça, o qual lhe é reembolsado através do IGFEJ, nos termos do artigo 26.º, n.º 6, do RCP.

Não tendo a parte vencedora direito a reclamar mais qualquer valor a título de custas de parte.

Tal também decorre do artigo 4.º, n.º 7, do RCP, em que o legislador para as situações de insuficiência económica nos termos da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, criou regime especial relativamente ao reembolso de custas de parte, nos seguintes termos: ‘com exceção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará’. Verificando-se que o Despacho recorrido contraria a ressalva expressa contida no n.º 7 do artigo 4.º do RCP.

Subjacente ao espírito da Lei está o direito constitucional de acesso ao Direito e à Justiça, consagrado no artigo 20.º da CRP.

Sendo que nos termos do artigo 20.º, n.º 1, da C.R.P.: ‘A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos’.

O instituto do apoio Judiciário visa obstar a que por insuficiência económica seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos Tribunais, decorrendo, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

O sistema do apoio judiciário visa concretizar o direito fundamentai de acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, garantindo a todos o acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesse legalmente protegidos, e estabelecendo que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos.

O apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo somente é concedido a quem está em situação comprovada de manifesta insuficiência económica, como sucede com os ora Recorrentes, e com o escopo de estes poderem reclamar/defender os seus interesses e direitos em Tribunal, sem suportar quaisquer custas, nem custas de parte, porquanto de outra forma os mesmos nem sequer podiam vir a juízo, por não terem meios para o efeito, ficando impedidos de reclamar os seus direitos, vendo frustrado o seu direito à justiça e aos Tribunais, por insuficiência de meios económicos, consubstanciando denegação de justiça.

Se a...

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