Acórdão nº 367/14.3GBGMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução11 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum Singular nº 367/14.3GBGMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 2, na sequência de requerimento apresentado, a 24.09.2019, pelo Ministério Público, promovendo o cumprimento do art. 8º/1 da Lei 5/2008, através da correção da sentença proferida nos autos, nos termos do art. 380º do Código de Processo Penal, no dia 04.10.2019, pela Exma. Juiz foi proferido despacho com o seguinte teor (referência 165027518): “--- Dispõe o art.º 380.º n.º 1 do CPP que: “O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:

  1. Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º; b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.”. --- --- Por seu turno, reza o art.º 374.º do CPP que: “1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.

    2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

    3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:

  2. As disposições legais aplicáveis; b) A decisão condenatória ou absolutória; c) A indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas; d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal; e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.

    4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.”. --- --- Assim, tendo em atenção tais preceitos legais, entendemos que o cumprimento do disposto no art.º 8.º n.º 1 da Lei 5/2008, não cabe naqueles. Isto é, a ordem de recolha de amostra com vista a obtenção do seu perfil de ADN não compreende um caso de aplicação do art.º 380.º do Código de Processo Penal. --- --- Ora, dispõe o art.º 8.º n.º 2 da Lei 5/2008 de 12 de Fevereiro que “A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença.”. --- --- Deste modo, de acordo com tal dispositivo legal, o momento em que é ordenada a recolha de amostra é na sentença. Nos autos a sentença foi proferida em 03.03.2016 e transitou em julgado em 04.04.2016, pelo que, nesta fase, cremos que o promovido é intempestivo. --- --- Pelo exposto, indefere-se o promovido por ser intempestivo. --- --- Notifique. ---” ▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório: “1.

    Nos presentes autos, o arguido foi condenado na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, não se tendo determinado, em sede de sentença, a recolha de amostra ao arguido e a inserção do perfil de ADN na respectiva base de dados.

    1. Através do despacho recorrido, o Tribunal a quo recusou ordenar aquela recolha e inserção do perfil de ADN, com fundamento na circunstância do art.º 8º/2 da Lei 5/2008 determinar que tal decisão seja tomada na sentença.

    2. O art.º 8º/2 da Lei 5/2008 só passou a exigir que a recolha de amostra e a inserção do perfil de ADN seja ordenada na sentença, após as alterações introduzidas pela Lei 90/2017.

    3. À data da prolacção da sentença (03/03/2016), vigorava a redacção original do 8º/2 da Lei 5/2008, que exigia que essa recolha e inserção fosse ordenada após o trânsito em julgado da sentença.

    4. Ao recusar a recolha e a inserção do perfil com fundamento na redacção introduzida pela Lei 90/2017, o despacho recorrido faz uma aplicação retroactiva das disposições deste diploma, em violação do disposto no art.º 12º/1 do Código Civil.

    5. O art.º 12º/1 do Código Civil impõe a aplicação da redacção original do art.º 8º/2 da Lei 5/2008, devendo-se ordenar, portanto, a recolha da amostra e a inserção de perfil de ADN peticionada pelo Ministério Público.

    6. Mesmo que assim não se entenda, a alteração introduzida pela Lei 90/2017 pretendeu resolver as dúvidas que se tinham suscitado na jurisprudência sobre o carácter obrigatório e automático de tal decisão, determinando que a recolha e a inserção “é sempre ordenada”, de forma a instituir e manter uma efectiva base de dados de perfis de ADN para efeitos, entre outros, de investigação criminal (art.º 1º/1 da Lei 5/2008).

    7. Neste contexto histórico e teleológico, a circunstância do despacho cumpridor do art.º 8º/2 da Lei 5/2008 (redacção actual) estar ou não inserido uma sentença é secundário, uma vez que o crucial é cumprir a obrigação legal de recolha e inserção do perfil de ADN, não o momento em que esse cumprimento é satisfeito.

    8. Assim, a exigência legal de prolacção da decisão em sede de sentença tem um valor meramente ordenador, não preclusivo da possibilidade de tomada posterior da decisão que é legalmente obrigatória e automática.

    9. Mesmo que assim não se entenda, sempre será de corrigir a sentença, de modo a fazê-la incluir a decisão obrigatória/automática, nos termos do art.º 380º do Código de Processo Penal, tal como se decidiu no Ac. do TRC de 02/20/2019, proferido no proc. 269/16.9GAACB-A.C1.

      Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que defira o promovido, assim se fazendo Justiça.

      ” ▪ Na primeira instância, o arguido, notificado do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, não apresentou resposta.

      ▪ Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer sustentando a procedência do recurso.

      Entende que, com os atuais contornos legais, a exigência em questão da prolação da decisão sobre a matéria na sentença não tem um valor meramente ordenador; contudo, a fundamentação do douto despacho recorrido, motivada, apenas e só, pela circunstância de não ter sido a decisão tomada na sentença (e não por qualquer ordem de razão conexionada com o automatismo, a obrigatoriedade, ou falta dela, da tomada de decisão a tal propósito, ou com eventual necessidade de fundamentação para o efeito), carece de sustentação válida, uma vez que, efetivamente, à data da sentença, o que vigorava era a ordem de recolha e inserção do ADN após o trânsito em julgado da sentença, nada impedindo, pois, a nível legal, que se satisfizesse o promovido.

      ▪ Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.

      * II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (Thema decidendum): É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT