Acórdão nº 1149/19.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução16 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório C..., S. A., intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa os seguintes processos de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, ao abrigo do disposto no artigo 104º e seguintes do CPTA e do artigo 16º, nº 6, da Lei nº 26/2016, de 22/08: (i) o processo nº 1149/19.1BELSB, contra a INSPEÇÃO GERAL DAS FINANÇAS (IGF); e (ii) o processo nº 1151/19.3BELSB, contra a UNIDADE TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO DE PROJETOS (UTAP).

No processo n.º 1149/19.1BELSB foi considerado, ao abrigo do disposto no artigo 10º, nºs 4 e 5, do CPTA, que a intimação foi regularmente proposta contra o Ministério das Finanças.

No processo n.º 1151/19.3BELSB foi considerado, ao abrigo do disposto no artigo 10º, nºs 4 e 5, do CPTA, que a intimação foi regularmente proposta contra o Ministério das Finanças, de quem depende diretamente a UTAP e que apenas tem autonomia administrativa.

Por sentença de 11.10.2019 foi decidido julgar: “procedentes as intimações requeridas e, em consequência, devem as Entidades Demandadas ser intimadas a fornecer, no prazo de dez dias, todos os documentos e informações requeridas pela Intimante, através da reprodução da documentação identificada nos respetivos pedidos, datados de 30/11/2018.

Caso recusem, em concreto, o acesso a determinado documento administrativo, devem fundamentar devidamente a razão dessa recusa e caso não tenham a posse ou detenção de algum dos documentos solicitados, devem emitir certidão a atestar esse facto.

” O MINISTÉRIO DAS FINANÇAS não se conformando com a sentença proferida nos autos, interpôs da mesma recurso para este TCAS, terminando a sua alegação recursória com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso é motivado por um erro de julgamento vertido na sentença proferida pelo Tribunal a quo, resultante da errada interpretação e aplicação de normas jurídicas aos factos vertidos nos autos, que se revela manifestamente ostensivo e ablativo do princípio da separação de poderes.

  1. O ora Recorrente não tem quaisquer dúvidas que a decisão recorrida padece de nulidade, por se alicerçar em fundamentação manifestamente errada e por conhecer de questões que não podia tomar conhecimento, nos termos do disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por força da remissão operada pela redação do artigo 1.º do CPTA.

  2. Contrariamente ao referido pelo douto Tribunal a quo, o ora Recorrente identificou em concreto os riscos associados à divulgação da informação em causa, nomeadamente com a indicação do sacrifício para os interesses do País, associados ao conhecimento da estratégia das entidades responsáveis pelas negociações; da gestão do processo negocial; aos dados confidenciais das entidades públicas e a demais limitações e fragilidades identificadas e suscetíveis de aproveitamento indevido.

  3. Para além da escassa fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo, levada ao limite, a interpretação vertida na Douta Sentença recorrida traduz-se na impossibilidade de serem classificados documentos que não digam respeito a segurança interna do Estado e mesmo neste caso, a que apenas podem ser classificados por entidades que prossigam a atividade de “segurança interna”, ou seja, apenas as que sejam reguladas pelas leis indicadas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto, apesar da norma, como já se viu, não contem um elenco taxativo.

  4. Ignorando por completo, a possibilidade das entidades demandadas, pese embora não prossigam diretamente atividades de segurança interna, poderem deter documentos que a coloquem em causa, no cumprimento das suas competências e atribuições legalmente previstas, o que é manifestamente errado e desconsidera por completo o regime jurídico aqui aplicável.

  5. Também conclui o Tribunal a quo que a RCM nº 50/88 não seria aplicável ao caso vertente, em virtude da sua natureza não-legislativa, mais referindo que o regime consignado na mesma não é apto a obstar ao acesso à informação pretendido pela Intimante.

  6. Da transcrição do segmento decisório efetuado pelo Recorrente no corpo das presentes alegações, evidencia-se a errada apreciação das normas em causa o que, associada à escassa e errada fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo, levam a um resultado ostensivamente errado e com o qual o Recorrente não pode concordar.

  7. Na verdade, exercer atividades de segurança interna, para utilizar a expressão do Tribunal a quo, também consiste em fixar as regras de classificação e controlo de circulação dos documentos oficiais e de credenciação das pessoas que devem ter acesso aos documentos classificados, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 8.º da Lei nº 53/2008, de 29 de agosto (Competência essa, por referência à disposição aqui aludida, dirigida ao Governo, através do Conselho de Ministros).

  8. Aqui chegados, parece ser óbvio que a Lei de Segurança Interna não regula, per se, a classificação de documentos, mas antes remete para disposições sob a alçada do Conselho de Ministros, ao qual está expressamente dirigida a competência para o fazer, ao abrigo das funções constitucionalmente previstas, em particular, v.g. alíneas c), d) e g) do artigo 199º e alínea g) do n.º 1 do artigo 200.º da Constituição da República Portuguesa.

  9. Com o todo o respeito, sempre devido, se se olvidar a RCM n.º 50/88, qual é o espaço normativo a tomar em consideração - visto que, como já se referiu a Lei de Segurança Interna não contém nenhuma norma que regule a classificação de documentos -, sem ser precisamente, a confirmação de plena eficácia daquelas disposições, já pré-existente e emanada ao abrigo da anterior Lei de Segurança InternaLei n.º 20/87, de 12 de junho, entretanto revogada? 11. Cumpre também referir que a Lei de Segurança Interna não é a única a confirmar a plena validade e eficácia do RCM n.º 50/88.

  10. Com efeito, refere o n.º 5 do artigo 1.º do Anexo à Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto(Regime do Segredo de Estado) que: “[a] classificação como segredo de Estado não prejudica a aplicação do quadro normativo respeitante à segurança das matérias classificadas, abreviadamente designado por SEGNAC, que comporta os graus de classificação «Muito secreto», «Secreto», «Confidencial» e «Reservado»”; e ainda a alínea h) do n.º 4 do artigo 2.º do mesmo diploma que: “[p]odem, especialmente, ser submetidas ao regime de segredo de Estado, verificado o condicionalismo previsto nos números anteriores, documentos e informações que respeitem às seguintes matérias: h) [a]s classificadas com o grau «Muito secreto», no quadro normativo das SEGNAC, desde que integrem os pressupostos materiais e respeitem os procedimentos de forma e orgânicos estabelecidos na presente lei para efeitos de classificação como segredo de Estado.” Ora, precisamente, uma das SEGNAC, a SEGNAC 1 está contida na RCM n.º 50/88.

  11. É cristalino que a RCM nº 50/88 conhece um espaço de regulação próprio, autónomo, sendo expressamente reconhecida a sua validade e plena eficácia até por normativos com valor hierarquicamente superior à lei ordinária – cfr. n.º 3 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa –, o que significa que está vedada qualquer interpretação que lhe pretenda retirar este espaço que lhe é reconhecido, a não ser através do instrumento da revogação legislativa.

  12. Permitir-se que uma decisão judicial se venha sobrepor ao decisor administrativo no preenchimento do espaço, ainda que vinculado, caracterizado por uma natural margem de livre discricionariedade quanto ao preenchimento dos conceitos flexíveis dados por referência à norma em causa, é ostensivamente errado e intolerável, precisamente pelo facto de o decisor judicial não conhecer o teor dos referidos documentos.

  13. No caso vertente, entende ainda o Recorrente que as considerações que o Tribunal a quo fez acerca da insusceptibilidade de o Estado, através das Entidades Demandadas, ter segredos comerciais próprios, porque não são uma empresa (à semelhança do que considerou a CADA no Parecer n.º 143/2019, junto aos presentes autos como Documento n.º 3 da Resposta da IGF à Intimação), são manifestamente erradas e têm imbricada uma conceção do Estado que não corresponde à realidade atual.

  14. Não tutelando esse interesse legítimo, esse feixe de informações...

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