Acórdão nº 373/16.3T9BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | F |
Data da Resolução | 13 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção penal) Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Maria José Matos.
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RELATÓRIO No processo comum singular nº 373/16.3T9BCL, do juízo local criminal de Barcelos, Juiz 2, da comarca de Braga, em que é arguido M. C., sendo demandados civis este último e a sociedade X – Acabamentos Têxteis, S. A., ambos com os demais sinais dos autos, foi realizada audiência de julgamento e, depois de neste Tribunal da Relação ter sido decretada a nulidade da sentença proferida a 19 de novembro de 2018, devolvidos os autos à 1ªinstância.
Aí foi de imediato designado o dia 24 de junho de 2019 para a leitura da sentença, diligência que foi iniciada com despacho do senhor Juiz a quo que indeferiu o requerimento do arguido M. C., nos seguintes termos: «Veio o arguido M. C., através do requerimento que consta de fls. 942 a 944 dos autos, sustentar que a sentença a proferir não pode deixar de considerar o parecer por si junto aos autos, elaborado pelo Exmo. Senhor Eng. V. M..
Alega, para o efeito, que com a anulação da sentença, o parecer enquadra-se no disposto no artigo 165.º, do Código de Processo Civil, pois a audiência foi reaberta, nomeadamente para eventual produção de prova, como foi julgado pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
Apreciando e decidindo.
O “parecer” a que se refere o arguido M. C. foi por si junto aos autos quando o processo já se encontrava em fase de recurso, mais concretamente a fls. 903 e seguintes, tendo recaído sobre o mesmo o despacho de fls. 917, que o considerou manifestamente extemporâneo, face ao disposto no artigo 165.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, desconsiderando-o para efeitos da decisão a proferir.
De acordo com o disposto no artigo 165.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, os pareceres podem ser juntos até ao encerramento da discussão.
O momento em que a discussão se considerada encerrada encontra-se expressamente previsto no artigo 361.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sendo certo que, no caso concreto ocorreu em 9 de Novembro de 2018, conforme se pode constatar do teor da acta de audiência de julgamento de fls. 716/717, da qual consta despacho a declarar, de forma expressa, o encerramento da discussão.
Por outro lado, a reabertura da audiência de julgamento encontra-se referenciada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nos autos apenas a título eventual, como uma possibilidade, caso se entendesse necessário, e sempre para a repetição da prova já produzida.
Ora, ao designar data para a leitura da nova sentença, o Tribunal, ainda que de forma implícita, pronunciou-se no sentido da desnecessidade da repetição da prova já produzida, não se verificando, nessa conformidade, qualquer reabertura da audiência, mantendo-se assim encerrada a discussão da causa.
A isto acresce que, como se depreende do teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, ainda que se julgasse necessária produção de prova para proferir a nova decisão, apenas haveria lugar à repetição daquela que já tinha sido anteriormente produzida, e nunca a valoração de qualquer outra não considerada no julgamento realizado nos autos.
Face ao exposto, indeferindo-se o requerido, decide-se não considerar, na nova decisão a proferir, o aludido parecer.» *Após, procedeu o senhor juiz à leitura da nova sentença, datada de 24 de junho de 2019 e depositada no mesmo dia, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, decide-se: Parte Crime Julgar totalmente procedente o despacho de pronúncia e, em consequência condenar o arguido M. C. como autor material de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1, 204, n.º 2, alínea a) e 202.º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Mais se condena ainda o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
-Parte Cível Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido condenando-se os demandados M. C. e X – Acabamentos Têxteis, S. A., a pagar solidariamente à demandante Distribuição – Energia, S. A. a quantia de €78.046,34 €, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo de demandante e demandados na proporção de 1/100 para a primeira e 99/100 para os segundos – art.º 523.º do Código de Processo Penal e artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Boletins à Direcção dos Serviços de Identificação Criminal.
Notifique e deposite.»*Inconformados, o arguido e a demandante civil X – Acabamentos Têxteis, S. A. interpuseram RECURSOS: A. do DESPACHO INTERLOCUTÓRIO, já supra transcrito, proferido no início da diligência marcada para a leitura da sentença; B.
da SENTENÇA proferida a 24 de junho de 2019 e depositada no mesmo dia.
Para o que apresentam a competente motivação que rematam com as seguintes conclusões: «Do recurso do despacho proferido em 24-06-2019 1.ªPor requerimento de 24-4-2019, o arguido M. C. juntou aos autos um parecer técnico da autoria do Eng, Electrotécnico V. M., quando o processo se encontrava em fase de recurso, e inscrito em tabela, não tendo sido levado em conta no acórdão que decretou a nulidade da sentença proferida em 19-11-2018.
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Como o acórdão que revogou aquela sentença declarou que devia “o processo regressar à primeira instância, para ser elaborada nova decisão final que, se necessário com recurso a repetição da prova, colmate as lacunas apontadas ao nível da omissão de factos alegados na acusação e na contestação”, através de requerimento de 17-06-2019, o arguido M. C., expondo as razões de facto e de direito que considerou pertinentes, declarou, e assim requereu, que “o parecer técnico que foi junto, que a Assistente não contraditou (nem o M.P), não (podia) deixar de ser considerado na sentença a proferir”.
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Na sessão da audiência de julgamento, que fora marcada para as 9 horas e 30 minutos do dia 24-6-2019, o Tribunal, em despacho adrede proferido, após exposição dos fundamentos que julgou acertados, disse: “Face ao exposto, indeferindo-se o requerido, decide-se não considerar, na nova decisão a proferir- mas que até já estava deliberada como, implicitamente, a acta o comprova-, o aludido parecer”.
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Contudo o Exmo. Senhor Juiz não leu correctamente as normas que invocou, para sustentar a decisão.
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Na verdade, quando na sentença foi escrito que, “De acordo com o disposto no artigo 165.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, os pareceres podem ser juntos até ao encerramento da discussão, a verdade é que, tal norma, tem mais uma palavra, o advérbio de tempo “sempre” e não tem a palavra “discussão” mas a palavra “audiência”.
Está lá escrito: “O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres (…) de técnicos, os quais podem sempre ser juntos até ao encerramento de audiência”.
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E, por seu lado, o n.º 2 do art.º 361.º do CPP, na sua primeira parte diz: “Em seguida - após alegações e últimas declarações do arguido – o presidente declarada encerrada a discussão (…), não declara encerrada a audiência.
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Ora, após o encerramento da discussão, seguem-se as fases da deliberação – na qual até se pode decidir pela reabertura da fase da discussão – e da leitura e publicação da sentença. Na verdade a audiência de julgamento compreende, segundo o CPP as fases: dos actos introdutórios (art.ºs 329.º a 339.º); a fase da discussão (art.ºs 340.º a 364.º); a fase da deliberação (art.ºs 365.º a 372.º); e fase da leitura e publicação da sentença (art.ºs 373.º a 380.º).
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É assim evidente que o parecer foi junto antes da leitura e publicação da sentença, posto até que esta tem a data do dia em que foi lida, e, formalmente, foi dada como proferida após a prolação do despacho sob recurso, como decorre da acta da sessão em que o despacho foi proferido e a sentença foi lida e publicada.
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Porém as coisas não ocorreram assim, sendo certo que o indeferimento é posterior a deliberação da decisão (sentença) proferida.
E por isso o despacho é nulo por força do disposto no art.º 379.º, 1, c), 2.ª parte , do CPP, e art.º 613, 1 e 3 do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP.
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Mas sempre é uma decisão ilegal porque os pareceres podem ser juntos, sempre, até à leitura da sentença (como o demonstram, Maia Gonçalves, CPP anotado, 5.ª Ed., pág. 289 e Paulo Pinto de Albuquerque, ob. ref., pág. 461).
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A decisão recorrida fez leitura errada nas normas em que se louvou, invocando-as: art.ºs 165.º, 3 e 361.º, 2 do CPP. Mas mesmo que a letra ou sentido dessas normas acolhessem a interpretação dada na decisão recorrida, sempre essa interpretação era inconstitucional, pois acolhia normas que “viviam” por si e para si, e não para regular justos e fundamentais direitos da pessoa humana, que mais já não valeria que nem qualquer objecto transaccionável.
Essa interpretação é inconstitucional, como se procurou demonstrar nos parágrafos 29 a 33 da Fundamentação, pois, desconforme o disposto nos art.ºs 202.º, 1 e 2, 1.º, 2.º, 20.º, 1 e 4 e 18.º, 1 da Constituição.
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O despacho em causa deve ser revogado, assim como a sentença que desconsiderou as matérias em causa neste recurso.
B Da sentença proferida e lida e publicada em 24-06-2019 12.ªPor força de acórdão do TRG que decretou a nulidade da sentença proferida, nestes autos, em 19-11-2018, “para ser elaborada nova decisão final que, se necessário com recurso a repetição de prova, colmate as lacunas apontadas ao nível da omissão de factos alegados na acusação e na contestação, delas retirando as necessárias consequências jurídico-penais e decidindo em conformidade”.
Apesar de tudo inculcar que se justificava a repetição da prova, como até resulta do que atrás foi alegado a respeito do despacho aí referido, o Tribunal dispensou-se de repetição de prova, acrescentou mais uma particularidade aos factos julgados provados, declarou 4 factos como não provados, e...
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