Acórdão nº 19/16.0IDBJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução08 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No processo comum nº 19/16.0IDBJA, que corre termos no Juízo Local Criminal de Beja do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, em que é arguido JL, pelo Exº Juiz titular dos autos foi proferido, em 4/7/2018, um despacho do seguinte teor: «Por sentença proferida em 21/06/2017 transitada em julgado 06/09/2017, foi a sociedade "CS. Lda." condenada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.°, n.º1, do RGIT, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €7,50, num total de € 1.125,00 (mil e cento e vinte e cinco euros).

Pela mesma sentença foi o arguido JL condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.°, n.º 1 do RGIT, na pena de 200 dias de multa, à razão diária de €6,00, num total de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).

O Ministério Público pede o pagamento da multa aplicada à sociedade arguida ao arguido pessoa singular e por cujo pagamento é o arguido solidariamente responsável ao abrigo do disposto no art.º 8.° RGIT.

O arguido opôs-se à pretensão do Ministério Público, com os fundamentos exarados a fls. 588, sustentando designadamente que o artigo 8.° do RGIT aplica-se às dívidas e coimas tributárias aplicadas à pessoa coletiva, susceptíveis de um processo de execução fiscal, que na falta de bens penhoráveis, seriam revertidas para a gerência, mas não às penas aplicados no âmbito de um processo penal, não existindo qualquer norma legal que suporte tal reversão; a permitir-se a reversão da pena de multa da Arguida sociedade para o Arguido estar-se-á a violar o princípio constitucional da intransmissibilidade das penas, previsto no n.º 3 do artigo 30.° da Constituição da República Portuguesa.

O arguido conclui que não deve ser transmitido ao Arguido JL a multa penal em que foi condenada a sociedade Arguida.

Para além da condenação à ordem destes autos, em sede de execução da pena, resultam provados os seguintes factos: • A sociedade arguida encontra-se registada com o NIPC ---, com sede na Rua …, concelho de Beja, tendo como gerente o arguido JL.

• A fls. 516v e em 10/11/2017 foram emitidas guias para o pagamento da pena de multa, após deferimento do pedido de pagamento em prestações, sem que tivesse sido liquidada qualquer prestação.

• Não se encontram registados quaisquer imóveis ou móveis, de acordo com as informações prestadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Cumpre decidir.

O artigo 8.° n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) - sob a epígrafe "Responsabilidade civil pelas multas e coimas" - estabelece a responsabilidade civil subsidiária dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por sua culpa que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento.

À luz dos Acs. do Tribunal Constitucional n.ºs 1/2013 e 297/2013, e do comentário de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, no Regime Geral de Infracções Tributárias Anotado, 4.a Edição, 2010, p. 96, é de concluir que não é um dano, nem sequer a compensação de receita que a Fazenda Nacional poderia obter e não obteve, que se exige ao responsável subsidiário, no n° 1 do art.° 8 do RGIT, mas que se pretende antes, como diz claramente o seu texto, impor-lhe o pagamento da multa ou coima em substituição do devedor originário, com todas as consequências que esse pagamento tem a nível da extinção da relação de crédito criada com a imposição de multa ou coima.

São assim pressupostos da responsabilidade subsidiária para o pagamento de multas: Para efeitos da alínea a) do citado normativo: (i) a existência de multa aplicada por factos praticados no período de exercício; ou (ii) a existência de multa aplicada por factos anteriores; e (iii) o património da pessoa colectiva é insuficiente para o pagamento.

Para efeitos da alínea b) do citado normativo: (i) a existência de uma decisão definitiva que aplique uma multa; (ii) a notificação para pagamento durante o período de exercício do cargo; e, (iii) a falta de pagamento imputável ao administrador, gerente ou pessoas que exerçam de factos funções de administração.

A responsabilidade é meramente subsidiária e respeita a crimes praticados por terceiro (a sociedade), suscitando-se a sua aplicação quando o património da sociedade seja insuficiente para o pagamento da multa que lhe foi aplicada e estiverem reunidos os demais pressupostos para desencadear a responsabilização subsidiária.

Admite, ainda, o legislador a responsabilização subsidiária quando a decisão que aplique a multa seja notificada ao administrador ou gerente no período de exercício de funções e não se proceda ao respectivo pagamento.

No caso dos autos está em causa a aplicação da norma estatuída no n.º 1 do artigo 8.º do RGIT, ou seja, a responsabilização subsidiária e não solidária.

Conforme já se referiu, estamos perante uma responsabilidade subsidiária, e não perante uma responsabilidade solidária por parte de quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária, ou seja, perante uma responsabilidade fundada na "colaboração dolosa" na prática da infracção.

Contudo, a responsabilidade subsidiária supõe a existência de um facto ilícito culposo do gerente que seja causa adequada do dano que para a Administração Fiscal constitui a não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa. Ou seja, terá de ser por culpa do gerente que o património da sociedade se tornou insuficiente para o pagamento da multa (para efeitos da alínea a) ou que não se pagou a multa (para efeitos da alínea b), responsabilidade essa que não se confunde com a responsabilidade pela prática do crime a que se apelava para a aplicação do regime de solidariedade que foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral.

Sumariza-se no Ac. Tribunal da Relação de Évora de 11-10-2011, in www.dgsi.pt. que: «Assente que no regime do artigo 8° do RGIT está o exercício de um direito indemnizatório civilista, cujo valor a própria lei fixa, não pode essa mesma norma ser sindicada à luz de princípios constitucionais próprios do direito penal substantivo, pelo que, em consequência, não enferma tal norma de inconstitucionalidades daí decorrentes, e, designadamente, das imputadas na motivação do presente recurso.».

Como também se pode ler no Ac. TRC de 16-10-2013: «Em contrário da previsão do artigo 8.°, n. ° 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias - contemplando situações em que o gerente ou outra das pessoas concretizadas no corpo do n.º1 do mesmo artigo está sujeito a responsabílídade solidária pela multa aplicada ao ente colectivo, decorrente de actuação ilícita determinante da sua própria condenação a título pessoal, em co-autoria material com a pessoa colectiva, pela prática de infracção tributária -, as alíneas a) e b) do n.º1 prescrevem a responsabílídade subsidiária de uma das referidas pessoas singulares, traduzida em responsabílídade civil (extracontratual) por facto próprio, autónomo e culposo - não confundível com a conduta material que originou a condenação da pessoa colectiva no âmbito do processo penal -, gerador do dano que resulta, para a administração fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima devida.».

Por sua vez, no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 249/2012, entendeu-se que: «julgando não inconstitucional o artigo 8°, n.º 1 do RGIT, convocando o entendimento firmado no acórdão n.º 150/2009, de 25 Março, segundo o qual, 'a responsabilidade subsidiária tem natureza civilística, ou seja, trata-se de efectivar uma responsabilidade de cariz ressarcitório, fundada numa conduta própria, posterior e autónoma relativamente àquela que motivou a aplicação da sanção à pessoa colectiva. O chamamento do terceiro a responder pela quantia que não foi possível obter mediante execução do património do primitivo devedor resulta de ser imputada a uma sua conduta culposa a não satisfação das "relações de crédito emergentes da aplicação de multas ou coimas" às pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados a que a sanção foi aplicada.

Não é a sanção aplicada pelo ilícito contra-ordenacional que se transmite, mas a responsabilidade culposa pela frustração da satisfação do crédito correspondente que se efectiva contra o gerente ou administrador que, incumprindo deveres funcionais, não providenciou no sentido de que a sociedade efectuasse o pagamento da coima em que estava definitivamente condenada e deixou criar uma situação em que o património desta se tornou insuficiente para assegurar a cobrança coerciva'».

Com efeito, no que se refere ao n.º 1 do art.° 8.° do RGIT, não estamos perante a consagração da transmissibilidade das penas constitucionalmente proibida, conforme a jurisprudência constante dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 437/2011,561/2011 e 249/2012, nem perante um...

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