Acórdão nº 14561/16.9T8SNT-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelBERNARDO DOMINGOS
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL * Relatório[1] Na presente acção declarativa, que Banco AA, S.A. instaurou contra BB e CC, estes deduziram reconvenção, relativamente à qual, no saneador, com data de 02-03-2017, se decidiu o seguinte: «Pedido reconvencional Na contestação apresentada, os réus deduziram reconvenção contra o autor e contra a insolvente DD - Urbanização e Construções, S.A. (representada pelo administrador da insolvência) - cuja intervenção principal provocada requerem -, formulando os pedidos seguintes: a) o reconhecimento do direito de retenção dos reconvintes sobre a fração autónoma reivindicada; b) a declaração de ineficácia do negócio celebrado entre o autor e a insolvente sobre a fração autónoma em causa, em resultado da procedência de impugnação pauliana; c) a prolação de sentença que produza os efeitos de transmissão da aludida fração autónoma a favor dos reconvintes; d) independentemente do decidido quanto à impugnação pauliana, mas subsidiariamente relativamente à execução específica, serem os reconvindos condenados, solidariamente, a indemnizar os reconvintes no montante de €147 000, acrescido de juros de mora.

Sob a epígrafe Admissibilidade da reconvenção, indica o artigo 266.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 2, os casos em que reconvenção é admissível, a saber: a) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) quando o réu se propõe tomar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

Analisando os pedidos formulados, verifica-se não preenchem qualquer dos requisitos de admissibilidade da reconvenção previstos no indicado preceito, nem os reconvintes indicam o fundamento legal para a formulação de tais pedidos no âmbito dos presentes autos.

Acresce que, tendo a fração autónoma sido vendida no âmbito do processo de insolvência, as questões relativas à validade e à eficácia desse negócio aí deverão ser colocadas, não podendo a impugnação da venda ser apreciada nos presentes autos. Também a questão do cumprimento ou recusa de cumprimento, pelo Administrador da Insolvência, nos termos do artigo 102.º, n.° 1, do CIRE, do contrato-promessa anteriormente celebrado entre os réus e a ora insolvente, tratando-se de questão relativa a bens da massa insolvente, não poderá ser apreciada nos presentes autos. Quanto ao crédito invocado pelos reconvintes e ao respetivo direito de retenção, emergentes do incumprimento do contrato-promessa, terão de ser apreciados em sede de reclamação de créditos a apresentar por dependência do processo de insolvência, no âmbito do qual será o crédito graduado tendo em conta a garantia de que eventualmente beneficie.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 266.º, 2, do CPC, rejeito a reconvenção deduzida pelos réus.» Em 14-12-2017, foi proferida decisão a julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Em 17-01-2018, os RR. interpuseram recurso do despacho datado de 02-03-2017, na parte em que rejeitou a reconvenção que haviam deduzido, pugnando pela revogação desse despacho e a substituição por outro que admita o pedido reconvencional.

Foi, relativamente a esta interposição de recurso, proferido o seguinte despacho: «Através de requerimento apresentado a 17 de janeiro de 2018 (requerimento com a ref.ª 27…6), vieram os réus recorrer do despacho datado de 02 de março de 2017 (ref.ª 10...6) na parte em que rejeitou a reconvenção por si deduzida, sustentando, em suma, que, dos pedidos deduzidos em sede de reconvenção apenas deverá subsistir o constante da alínea d) da reconvenção, já que os remanescentes pedidos, indissociavelmente ligados à titularidade da fração, deixaram de fazer sentido com a aquisição do imóvel por parte dos apelantes.

Decorrido o prazo previsto no artigo 638.°, n.° 5 do Código de Processo Civil, cumpre agora aferir da admissibilidade do recurso, nos termos previstos no artigo 641.°do Código de Processo Civil.

No caso vertente, há que atender ao disposto no artigo 644.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil, que enuncia quais as decisões que admitem apelação autónoma.

Analisando o despacho recorrido, verifica-se que o mesmo admite apelação autónoma, nos termos previstos no artigo 644.°, n.° 1, al. b), do Código de Processo Civil, posto que se trata de despacho saneador que rejeitou o pedido reconvencional formulado pelos réus.

Ora, prevê o n.° 1 do artigo 266.° do Código de Processo Civil, que o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. Neste domínio, a propósito do regime da recorribilidade imediata do despacho saneador, sublinha António Santos Abrantes Geraldes, «Recursos no Novo Código de Processo Civil». 2013, Almedina, a pgs. 153 "Conquanto a lei aluda apenas à absolvição da instância, cremos que semelhante regime deve ser aplicado à decisão inserida no despacho saneador que, por qualquer motivo, determine a extinção parcial da instância o que pode ser decorrência, por exemplo, da verificação da inutilidade ou da impossibilidade parcial da lide.

As razões que justificam a interposição de recurso nuns casos igualmente se verificam quanto a outros.

Por outro lado, o mesmo regime deve ser aplicado ao despacho saneador que absolva o autor ou autores de algum pedido reconvencional. Afinal, na lógica da reconvenção, o autor assume em tal situação a posição de réu (sujeito passivo da pretensão reconvencional)." Nestes termos, resta concluir que o recurso apresentado, com referência ao despacho datado de 02 de março de 2017 (ref.ª 10…6) na parte em que rejeitou a reconvenção por deduzida nos autos, é extemporâneo, porquanto aquele despacho admite apelação autónoma – cf. artigos 627.°, 637.°, 638.º, 641.°, n.° 2, al. a), e 644,°, n.° 1, a1. b), do Código de Processo Civil.

Pelo exposto, por inadmissível nesta fase, não admito o recurso apresentado pelos réus/reconvintes do despacho datado de 02 de março de 2017 (ref.ª 10…6).» Inconformados com este despacho, dele vieram reclamar os Apelantes, concluindo o seguinte: «1. O Tribunal a quo, por Despacho de 02 de Março de 2017 (Ref.ª 10…6), rejeitou a Reconvenção deduzida pelos RR., nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 266º do Cód. Proc. Civil.

  1. Inconformados com essa Decisão, vieram os RR. interpor recurso de Apelação, após a decisão que colocou termo à causa, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 644º do Cód. Proc. Civil.

  2. O Tribunal a quo, pelo Despacho Reclamado, rejeitou esse Recurso invocando que a Decisão Recorrida admitia apelação autónoma, nos termos da al. b) do n.º 1 do Cód. Proc. Civil, já que da mesma havia resultado uma absolvição do A. da instância.

  3. No entanto, o Despacho Recorrido nada refere sobre o destino dos pedidos reconvencionais que não foram admitidos – não absolve o A./Reconvindo da instância reconvencional relativamente a tais pedidos.

  4. Do Despacho Recorrido não resultou qualquer juízo sobre o mérito da Reconvenção nem tão pouco a identificação de qualquer uma das irregularidades taxativamente elencadas nos artigos 277º e 278º do Cód. Proc. Civil, conducentes, respectivamente, à extinção ou à absolvição da instância.

  5. Nem resultou pronúncia expressa acerca de qualquer absolvição da instância, pois que apenas se pronunciou quanto à rejeição do pedido reconvencional.

  6. Assim, não estaríamos já no âmbito de aplicação do artigo 644º, n.º 1, al. b) do Cód. Proc. Civil, que obriga à dedução de recurso de apelação autónomo.

  7. Veja-se, a este propósito, a Decisão Singular proferida em 26 de Novembro de 2015, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos autos que com o n.º 469/14.6TVLSB correm termos pelo Juízo Local Cível- Juiz … (Relator, Rui da Ponte Gomes), numa situação em tudo idêntica à ora em apreço.

  8. Essa Decisão Singular concluiu que, se o Recurso interposto do Despacho que rejeitou a reconvenção não era admissível ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do artigo 644º do Cód. Proc. Civil (independentemente da norma que os RR. viessem indicar), então apenas o poderia ser ao abrigo do n.º 3 da mesma disposição legal.

  9. Também o Tribunal a quo, no mencionado Processo n.º 469/14.6TVLSB concluiu, logo ab initio, que ao caso concreto não seria de aplicar qualquer uma das alíneas do n.º 1 do artigo 644º do Cód. Proc. Civil, não configurando o Despacho de rejeição da reconvenção, portanto, qualquer absolvição da instância dos AA. ao abrigo da respectiva alínea b).

  10. Assim, também aqui estamos perante uma situação que, tal como a já debatida no tocante ao Processo n.º 469/14.6TVLSB, não se encontra no âmbito de aplicação dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 644º do Cód. Proc. Civil.

  11. O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão proferido em 16 de Outubro de 2009 no Proc. n.º 224298/08.4YIPRT-BLl-8 (in www.dgsi.pt), também entendeu que o Recurso sobre decisão que rejeitasse pedido reconvencional deveria ser interposto a final e não autonomamente ao abrigo do n.º 2 da citada disposição legal.

  12. Tal como decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão proferido em 27 de Fevereiro de 2012, no processo n.2 3476/ll.7TBBRG.G1 (in www.dgsi.pt).”a não admissão da reconvenção não é uma decisão que produza um resultado irreversível quanto ao recurso e, como tal, só pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final”(sublinhado nosso).

  13. Portanto, a Decisão que rejeitou a reconvenção – por não consubstanciar qualquer absolvição do A. da instância – não seria passível de Apelação autónoma, como pretende o Tribunal a quo, mas sim de Recurso interposto nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 644º do Cód. Proc. Civil, tal como fizeram os ora...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT