Acórdão nº 3328/17.7T8STR.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA intentou a presente ação declarativa comum contra Banco BIC Português, S.A., pedindo que se declare que a aquisição da Obrigação SLN Rendimento Mais 2006 foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a cem por cento, que se declare que é da responsabilidade do R. o reembolso do capital no valor de € 50.000,00, a quem se transmitiu a totalidade das obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o R. tenha estabelecido com o Estado Português que só lhe concede o direito de regresso; e a condenação do R. pagar-lhe a quantia de € 50.000,00, acrescidos dos juros vencidos desde 12 de Outubro de 2015, até integral reembolso do capital, condenando ainda o R. Banco BIC, S.A., a pagar-lhe uma quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a € 10.000,00, por danos morais sofridos.

Subsidiariamente pede que seja declarado nulo o contrato de intermediação financeira e a condenação do R. a restituir-lhe a quantia de € 50.000,00, acrescidos dos juros vencidos desde 12 de outubro de 2015, até integral pagamento.

O R. contestou.

Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou o R. a pagar ao A. a quantia de € 50.000,00, acrescidos de juros, à taxa legal, contados desde 06.12.2016, até integral pagamento.

O R. apelou e a Relação confirmou a sentença.

O R. veio interpor recurso de revista excecional o qual foi admitido, concluindo que : “1. O douto acórdão da Relação de Coimbra violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Diretiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verif‌icado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação f‌inanceira era um produto sem risco e com capital garantido, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, conf‌igura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não conf‌igura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado ao Autor, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verif‌icado incumprimento do reembolso… 5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exatamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO! 7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento f‌inanceiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos! 8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à exceção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! 9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco! 12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente! 14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de conf‌iança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objetivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação… 17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos f‌inanceiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exatamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densif‌icação ou explicação aos clientes, a f‌im de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá af‌irmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a af‌irmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscetível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário f‌inanceiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição! 24. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

25. Também por isso não faz qualquer sentido af‌irmar, ou querer retirar dessa af‌irmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma f‌iança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.

26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais f‌iáveis possível pelo banco.

27. O grau de exatidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

28. No caso dos presentes autos, f‌icou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

29. Apesar do autor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área f‌inanceira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dif‌iculdade futura do emitente.

30. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

31. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

32. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários f‌inanceiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da ef‌iciência do mercado, devendo conformar a sua atividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

33. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário f‌inanceiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

34. Tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação f‌inanceira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

35. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento f‌inanceiro em si! 36. A informação quanto ao risco dos instrumentos f‌inanceiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários f‌inanceiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário f‌inanceiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento f‌inanceiro em causa.

37. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, af‌irmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento f‌inanceiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

38. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento f‌inanceiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na atual redação do CdVM.

39. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está af‌irmada em função das características do investimento.

40. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e...

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