Acórdão nº 4971/17.0T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução17 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

  1. JJ (…) e M (…) instauraram contra BANCO (…) S.A., ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.

    Pediram: A condenação da ré no pagamento da quantia de €50.000,00 a título de capital, acrescida de juros vencidos reportados a 09 de abril de 2015, à taxa de Euribor a 6 meses reportada aos dois semestres em falta, acrescida de 1,50% até à data de vencimento da obrigação em 10 de maio de 2016, conforme contratada, acrescido dos juros de mora vencidos à taxa de 4% a contar desde essa data, até efetivo e integral pagamento.

    Alegaram, em síntese: - A ré é um Banco que atua no mercado financeiro, que anteriormente era designada por B (…) S.A. e, atualmente, por Banco (…), S.A., sendo que os autores são seus clientes, com a conta aberta número (...) , na agência de x (...) , onde movimentam dinheiro, efetuam pagamentos e aforram poupanças da sua vida.

    - No mês de abril de 2006, através da então gerente de balcão Dr. (…), o aqui autor marido recebeu um telefonema a informar que a agência tinha um produto de boa rentabilidade, com capital garantido e nas seguintes condições: a aplicação seria de 10 anos, com data de liquidação em 08 de maio de 2006 e término em 09 de maio de 2016, com juros semestrais a colocar na conta à ordem, com remuneração no 1º semestre de 4,5%; cupões seguintes da Euribor a 6 meses + 1,15% e nos restantes semestres da Euribor a 6 meses + 1,50%. Mais foi informado de que, não obstante a aplicação ser a 10 anos, o capital poderia ser resgatado a todo o tempo, apenas implicando perda de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral, e que o B (…) lhe colocaria na conta a quantia aplicada, assim que os autores o solicitassem.

    - Convencido da sua veracidade e no pressuposto da confiança que tinha com o gerente de balcão, decorrente da relação existente de longa data, o autor marido, em 27 de abril de 2006, subscreveu uma obrigação de €50.000,00, SLNRM – SLN 2006.

    - Os autores sempre receberam os juros semestrais conforme prometidos pela ré, à exceção dos dois últimos semestres, tendo sido o último período de juros recebidos em 08 de abril de 2015; após a data de vencimento da aplicação, o autor marido deslocou-se à agência bancária, no sentido de resgatar o capital e juros em dívida, o que, até ao presente, não conseguiu fazer.

    - Os autores, conforme lhes foi comunicado no momento da aplicação, foram convencidos de que se tratava de um aplicação B(…) segura, de boa rentabilidade e garantida, conforme transmitido pelo gerente do balcão no momento das negociações; nunca lhes foi transmitido que, ao subscreverem a aquisição das obrigações 2006, perdiam o controlo sobre o seu capital investido ou que corriam qualquer risco de perder o que quer que fosse.

    - Foi, pelo contrário, transmitido ao autor que, após a aquisição, poderia movimentar, levantar a qualquer momento, desde que avisasse previamente o Banco com 2 a 3 dias de antecedência e que a aplicação era segura e de boa rentabilidade, tudo “conforme assente na base da confiança com a gerência do balcão, sendo certo que a mesma sabia e tinha conhecimento que os autores não têm qualificação, conhecimentos ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos.” “A não ser que lhe fossem devidamente explicados, o que, não foi o caso, nem tão pouco lhes foi entregue documentação.” - “Os autores estavam convictos da aplicação das suas poupanças, com as características de um depósito a prazo, com boa rentabilidade e garantido pelo B (…) – Banco soubessem que o mesmo não era garantido e que corria riscos, nunca os autores subscreveriam tal produto.” Em sede de fundamentação de direito, chamaram à colação o estabelecido no artigo no artigo 236º do Código Civil e, ainda, nos artigos 762º, 798º, 799º e 817º todos do mesmo Código.

    A ré contestou.

    Excecionar a incompetência em razão do território do tribunal a quo.

    Mais arguiu a exceção perentória da prescrição, por terem decorrido mais de dois anos a contar do conhecimento, pelos autores, da subscrição do produto em apreço.

    Por impugnação motivada, alegou, em síntese: - As obrigações SLN 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela S (…), S.A., sociedade titular de 100% do capital social do Banco réu, participação esta que manteve até novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada. Qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente; no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património, do que concluiu que “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro com a subscrição daquelas obrigações” e que o risco de um depósito a prazo seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco, isto sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data, garantindo o valor máximo de €25.000,00 por conta bancária.

    - À data, mesmo uma situação de insolvência da SLN implicaria, necessariamente, uma prévia insolvência do próprio Banco, por ser um seu ativo, sendo, por isso, o risco da aplicação efetivamente semelhante ao de um depósito a prazo no próprio banco.

    - Foi explicado aos autores que se tratava da sociedade-mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto seguro e foram apresentadas as respetivas condições, nomeadamente, a sua remuneração (vantajosa relativamente aos depósitos a prazo), o seu prazo (de 10 anos) e as condições de reembolso, sendo que a obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos apenas seria possível por via de endosso, o que era, à data, extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

    - Nunca a ré disse aos autores que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da SLN.

    Pugnou, pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

    Os autores responderam, pugnando pela improcedência de todas as exceções invocadas pela ré.

  2. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «JULGA-SE A PRESENTE AÇÃO IMPROCEDENTE, ABSOLVENDO-SE A …RÉ DO PEDIDO…».

  3. Inconformados recorreram os autores.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra alegou o recorrido pugnando pela manutenção do decidido.

  4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. - Procedência da acção.

  5. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    Finalmente, e como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

    A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

    Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

    Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

    Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

    A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode...

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