Acórdão nº 1418/14.7TBEVR.E1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, por maioria, em conferência: 1.

No sobredito processo, em que são recorrentes AA e BB, o Senhor Conselheiro relator proferiu o seguinte despacho: «Inconformados com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, vieram os AA., interpor recurso de revista para o STJ.

O requerimento de interposição do recurso e bem assim as alegações foram remetidos para o Tribunal da Relação por correio electrónico um dia depois do termo do prazo legal, tendo os recorrentes liquidado a respectiva multa.

O recurso foi admitido e posteriormente, na sequência de informação prestada pela secretaria de que os recorrentes não tinham remetido o original do requerimento enviado por mail nem a prova da notificação à parte contrária, foi ordenada a notificação dos recorrentes para juntarem tais documentos no prazo de 10 dias. Decorrido o prazo, nada foi junto pelos recorrentes.

Nem o mail, nem os anexos enviados designadamente o que contém o requerimento de interposição da revista e as respectivas alegações se mostram assinados seja electronicamente seja por outra qualquer forma.

Pelo Sr. Desembargador Relator foi então proferido despacho a ordenar a subida dos autos, porquanto (apesar da falta dos recorrentes) já havia admitido o recurso.

Recebidos os autos neste Tribunal, foi ordenada a baixa dos mesmos para garantir o contraditório da parte contrária e para ser aplicado ao faltoso a sanção legal. Na Relação foi ordenada a notificação das alegações à parte contrária, que não respondeu e foi aplicado aos recorrentes a multa de 2 ucs.

Regressados os autos a este Tribunal, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a eventualidade da não admissão do recurso por não ter sido interposto na forma legal, ou seja nos termos do disposto no art.º 144º do CPC.

Responderam os recorrentes alegando o seguinte: «1. No dia 11 de Maio de 2018, data de entrada do requerimento de interposição de recurso, era impossível enviar peças processuais para os Tribunais da Relação por transmissão electrónica de dados, através da Plataforma CITIUS, a qual só era utilizada nos Tribunais de 1.ª Instância.

  1. Quando concluiu as suas alegações, a mandatária dos autores tentou remetê-las através de telecópia, para o Tribunal da Relação de Évora, o que não foi possível, por problema no aparelho de telecópia do Tribunal da Relação.

  2. Sem saber o que fazer e sem alternativa, a mandatária do autor optou por praticar o acto através de correio electrónico.

  3. Conforme se pode verificar, desse correio electrónico, a mandatária dos autores deu conhecimento ao mandatário dos recorridos.

  4. Sendo que os restantes réus não eram recorridos, pelo que não eram contraparte no recurso que interpunha, não sendo pelo mesmo afectados. Assim, por falta de interesse em agir, não podiam no mesmo participar, pelo que não tinham que do mesmo ser notificados.

  5. No dia seguinte - sexta-feira, 11 de Maio de 2018, pela manhã, a mandatária dos autores, ora recorrentes, telefonou para o Tribunal da Relação de Évora e a funcionária que a atendeu confirmou que existia um problema no aparelho de telecópia e que quando as peças eram muito grandes o aparelho acusava erro e não as recebia, ou não as recebia na íntegra.

  6. Afirmou que era habitual as partes enviarem as peças processuais por correio electrónico, estando dispensadas de qualquer outra formalidade.

  7. A pedido da mandatária dos autores, a referida funcionária confirmou a recepção do correio electrónico com todos os seus anexos e voltou a afirmar que a parte estava dispensada de praticar o acto por qualquer outro meio, pelo que nesse mesmo dia, o mail da autora com todos os seus anexos iria ser introduzido no sistema, o que aconteceu, conforme se pode verificar ao consultar o processo.

  8. No dia útil seguinte - 14 de Maio de 2018, o recurso foi admitido por despacho, de que foi dado conhecimento à mandatária do recorrente e aos demais mandatários.

  9. Até ao despacho do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro do STJ nenhuma parte se havia manifestado pela inadmissibilidade do recurso.

  10. A isto acresce que, caso a funcionária tivesse comunicado à mandatária que tinha que praticar o acto por outro meio, no dia 11 de Maio de 2018, os autores, ora recorrentes, estavam a tempo de o fazer, mesmo que para o efeito tivessem que efectuar o pagamento de multa pela prática do acto no 2.º dia posterior ao termo do prazo.

  11. Nos termos do artigo 157.º 6 do CPC, os erros e omissões praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

  12. Muito menos, os actos do Tribunal da Relação, que admitiu o recurso.

  13. Neste recurso está em causa a perda de uma vida humana.

  14. Não podem os pais da vítima ver o seu recurso não ser admitido quando: (i) o aparelho de telecópia do Tribunal da Relação de Évora não recebeu o seu recurso; (ii) a secretaria considerou o acto devidamente praticado, dispensando a parte de qualquer outro acto, introduzindo o requerimento e os seus anexos no sistema; (iii) o Tribunal a quo admitiu o recurso, sem exigir a prática de outras formalidades; (iv) as partes, devidamente notificadas, nada disseram, a não ser quando a isso foram convidadas.

    Termos em que o recurso deve ser admitido e devidamente apreciado, com o que se fará Justiça aos pais de uma vítima mortal.

    Caso entenda necessário, pede-se a audição das seguintes testemunhas, a apresentar: CC, advogado, e DD, secretária».

    * Os recorridos Federação Portuguesa de … e EE, FF, GG, HH e II, Lda, pronunciaram-se no sentido da não admissão da Revista.

    * Cumpre apreciar e decidir.

    Os factos relevantes para a apreciação da legalidade do meio usado pelos recorrentes para a interposição do recurso de revista, são os descritos supra e todos eles decorrem do que consta dos autos.

    Antes do mais importa fazer uma resenha da evolução da legislação no tocante ao modo como os actos processuais escritos, praticados pelos sujeitos processuais, podem ser remetidos a juízo. No AUJ nº 3/2014 de 6 de março de 2014 e publicado no Diário da República n.º 74/2014, Série I de 2014-04-15, foi feito esse esquiço, até à reforma do novo CPC. A evolução foi assim descrita: «O primeiro passo no sentido da desburocratização dos serviços judiciais através do uso das novas tecnologias foi dado pelo Decreto-Lei 28/92, de 27 de Fevereiro. Nesse diploma avulso, introduziu-se a possibilidade do uso da telecópia para transmissão de mensagens entre os serviços judiciais e entre estes e os serviços públicos e facultou-se "às partes e aos intervenientes em processos judiciais de qualquer natureza o uso de telecópia para a prática de actos judiciais, evitando os custos e demoras resultantes de deslocações às secretarias judicias», conforme se fez constar do preâmbulo do diploma. O uso de telecópia em processo penal era possível sempre que se harmonizasse com os princípios do processo penal e compatível com o segredo de justiça.

    Até então a entrega das peças processuais na secretaria judicial era a única forma prevista no Código de Processo Civil para a prática de actos processuais escritos, exigindo-se dos interessados que subscrevessem requerimentos e não fossem conhecidos no tribunal a exibição do bilhete de identidade ou o reconhecimento da assinatura por notário.

    Foi, no entanto, na reforma do processo civil de 1995 que passou a fazer parte do Código de Processo Civil uma norma respeitante ao modo de remessa a juízo de peças processuais, tendo para tanto sido profundamente alterada a norma do artigo 150.º, que passou a ter a seguinte redacção: 1 - Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser entregues na secretaria judicial ou a esta remetidos pelo correio, sob registo, acompanhados dos documentos e duplicados necessários, valendo, neste caso, como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal.

    2 - Nos casos previstos na lei, podem as partes entregar nas secretarias dos tribunais de comarca que funcionem como extensão dos respectivos tribunais de círculo quaisquer peças ou documentos referentes a processos que nestes pendam.

    3 - Podem ainda as partes praticar actos processuais através de telecópia, nos termos previstos no respectivo diploma regulamentar.

    4 - Quando os elementos a que alude o n.º 1 sejam entregues nas secretarias judiciais, será exigida prova da identidade dos apresentantes não conhecidos em tribunal e, a solicitação destes, passado recibo de entrega.

    Embora destinado a proceder a pontuais aperfeiçoamentos de certos regimes e formulações acolhidos no Decreto-Lei 329-A/95, o Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, visou também a alteração de algumas das soluções consagradas pela lei nova. Assim, e conforme consta do respectivo preâmbulo, "reconhecendo a relevância que crescentemente deve ser atribuída às modernas tecnologias, prevê-se de forma expressa a prática de actos processuais através de meios telemáticos, bem como o acesso ao processo, pelos mandatários judiciais, através de consulta de ficheiros informáticos existentes nas secretarias.» Todavia, só com a reforma operada pelo Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto, que teve por finalidade principal simplificar procedimentos com vista a evitar a morosidade processual, o legislador autorizou o uso do correio electrónico como forma de as partes enviarem actos processuais escritos. "Relativamente à prática dos actos processuais pelas partes - diz-se no preâmbulo do diploma -, prevê-se a apresentação dos articulados e alegações ou contra-alegações escritas em suporte digital, acompanhados de um exemplar em suporte de papel, que valerá como cópia de segurança e certificação contra adulterações introduzidas no texto digitalizado e dos documentos que não estejam digitalizados. As partes poderão ainda praticar os referidos actos através de telecópia ou por correio electrónico, valendo como data da prática do mesmo a da sua expedição, que será possível mesmo fora do horário de...

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