Acórdão nº 2632/16.6T8LRA.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução30 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e mulher, BB, instauraram no tribunal da Comarca de ... (Instância Central, Secção Cível) uma acção contra o Banco CC, SA (anteriormente, Banco DD, SA – EE), pedindo: – que se declarasse “que o R. não cumpriu deveres de informação completa, verdadeira, actual, clara e objectiva que regulam a sua actividade, enquanto banco e intermediário financeiro” e, consequentemente, que o réu fosse condenado a indemnizá-los “pelos prejuízos sofridos, patrimoniais e não patrimoniais, no montante de 68.704,00 € e juros legais sobre o montante de 50.000,00€, desde 01/09/2016 até integral pagamento”; – subsidiariamente, que se declarasse “nulo, por falta de forma, qualquer invocado contrato de intermediação financeira ou adesão que o R. invoque para ter aplicado os 50.000,00€ dos A.A. em obrigações subordinadas SLN 2004 e, em consequência”, que o réu fosse condenado “a restituir tal montante de 50.000,00€”; – que fosse declarada “ineficaz, em relação aos A.A., a aplicação que o R. tenha feito do montante de 50.000,00€”; – que o réu fosse condenado “a restituir aos A.A. a quantia de 50.000,00€ e juros vencidos até 31/8/2016 no montante de 3.704,11€, o que tudo perfaz 53.704,10€ e juros vincendos, à taxa legal sobre 50.000,00€, desde 01/09/2016 até integral pagamento”; – que, “em qualquer caso”, o réu fosse condenado no pagamento aos autores de uma indemnização de “15.000,00€ a título de danos morais”.

Em síntese, alegam que, por sugestão de um funcionário da EE, FF, em 25 de Outubro de 2004 a autora, empregada de limpeza, assinou um impresso, convencida de se tratar de um depósito a prazo, “com um juro melhor, de 4,5% a vencer de 6 em 6 meses e que poderiam levantá-lo quando quisessem”, “mas que veio depois a verificar que continha manuscrita a expressão «Subscrição de 1 obrigação subordinada SLN rendimento mais 2004»”; que nenhum dos autores, que foram emigrantes em França, sabia, nem o que era a SLN, nem o que eram obrigações subordinadas, nem, portanto, que corriam algum risco relativamente à perda do capital; que nunca o autor marido, pedreiro da construção civil, assinou qualquer impresso, que nunca autorizaram qualquer débito na conta de que eram titulares, que eram conservadores quanto “a investir o seu dinheiro”; que só se aperceberam de que não tinham realizado um depósito a prazo com “a derrocada do EE”, pois até então “foram sendo pagos os juros”; que reclamaram o seu crédito, quer no processo de revitalização, quer no processo de insolvência da sociedade GG, SGPS, na qual se transformara a SLN.

Segundo afirmam, o réu violou o dever de diligência previsto no artigo 75º do RGIC (Regime Geral das Instituições de Crédito), as “regras específicas das cláusulas contratuais gerais”, o “dever de neutralidade e informação” (artigos 74º, 75º, 77º e 77º-B RGIC), estando obrigado a indemnizar, enquanto intermediário financeiro; além disso, o contrato de intermediação financeira é nulo por falta de forma, pois deveria ter sido celebrado por escrito (artigo 321º CVM), e nunca lhes foi explicado, o que conduz à nulidade de todo o negócio (Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro).

O réu contestou, por impugnação e por excepção. Interessa em especial recordar que invocou a incompetência territorial do tribunal, por ter sede em Lisboa, e a prescrição da obrigação de indemnizar, a existir (“2 anos a contar do conhecimento da conclusão da operação”); referiu o “histórico de aplicações” dos autores, “que não se limitavam aos vulgares depósitos a prazo”, afirmou não ter violado nenhum dever de informação, que “qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente”, que a obrigação subscrita era um produto seguro e “efectivamente semelhante ao de um DP do próprio banco”, uma vez que o Banco era detido pela SLN, que “a autora foi total e exaustivamente esclarecida sobre as condições do produto, aliás de forma acompanhada com a respectiva nota técnica”, tendo o Banco “apresentado as características do produto e depois cumprido as instruções dadas pelos autores”.

Pelo despacho de fls. 56, a excepção de incompetência relativa foi julgada procedente e o processo foi remetido para o Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa.

A fls. 68 os autores vieram responder à excepção de prescrição, afirmando não valer o prazo de 2 anos fixado no nº 2 do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários (CMV), mas antes o prazo geral de 20 anos, porque o réu actuou com culpa grave na omissão de informações e na prestação de informações falsas à autora (mesmo nº 2).

A acção foi julgada improcedente pela sentença de fls. 140. O tribunal entendeu “que a actuação da ré não foi violadora dos deveres de informação por forma a induzir a autora em erro sobre as características do investimento feito”.

A sentença veio todavia a ser revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 247, que alterou a decisão de facto proferida em 1ª instância e “condenou a ré a pagar ao autor o capital de 50.000,00 €, acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos a partir de 25/10/14 e vincendos até efectivo e integral pagamento”.

Perante a matéria de facto que teve como provada, a Relação concluiu que tinha sido celebrado entre as partes um contrato de intermediação financeira e que “no exercício dos deveres impostos pelo RGCICSF e Código dos Valores Mobiliários, impunha-se que os funcionários bancários prestassem informação aos seus clientes, sobre o emitente das obrigações e sua relação com o banco que procedia à intermediação da venda, sobre o significado de obrigações, prazos, taxas de juro, endosso, etc., previamente à subscrição destas obrigações e com a antecedência necessária para assegurar a cabal compreensão das mesmas. Impunha-se ainda que fosse entregue a ficha técnica do produto ao cliente e a respectiva nota informativa. Mas nada disto foi feito.” Considerou ainda, nomeadamente, “que a A. só subscreveu as obrigações porque estava e tinha sido convencida de que a aplicação não comportava qualquer risco”; que o Banco prestou “informação falsa ao seu cliente e omitiu-lhe informação relevante”; “violou o então EE os seus deveres quer nos preliminares do contrato (artº 227º do C. C.) quer aquando da sua formalização (artº 772º do C. C.), respondendo pelos prejuízos causados aos AA. que, atento o não pagamento pela sociedade emitente de papel comercial na data do vencimento e a sua insolvência, corresponde ao valor investido pelos AA.”; que o Banco actuou com “culpa grave” e portanto não se verificou a prescrição do direito invocado pelos autores; que “a violação dos deveres de informação e boa fé ”causou o dano emergente de € 50.000,00, quantia de que os autores “se viram desapossados”; que são devidos juros de mora desde que tal quantia lhes devia ter sido restituída, 25/10/2014; que os danos não patrimoniais alegados não são suficientemente graves para serem indemnizados.

  1. Inconformado, o Banco réu recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Nas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões: «I. A decisão a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C.

    1. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto de o Tribunal considerar que, a circunstância de o funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma aplicação SEGURA semelhante a um depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.

    2. Porém, tal afirmação do funcionário do Banco Réu não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

    3. De facto, o uso de uma tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.

    4. É utópico pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento. Até porque essa garantia não existe! VI. O investimento efectuado era um investimento seguro e não um investimento em qualquer "produto de risco".

    5. Temos para nós por evidente que, à data da subscrição das Obrigações, o Intermediário Financeiro não tinha obrigação legal de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro subscrito (Obrigações) e que, mesmo actualmente (depois de entrar em vigor o D.L. 357-A/2007 de 31/10), o intermediário financeiro não está obrigado a informar o investidor acerca dos efeitos do risco de insolvência dos emitentes ou do mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento, ou sequer de analisar a robustez financeira do emitente...

    6. Em lado algum do CdVM se levou tão longe a obrigação do intermediário financeiro e se lhe impôs a obrigação de se assegurar que o investidor compreendeu a informação que lhe foi prestada! IX. O art. 312º-A nº 1 alínea c) obriga que a informação seja apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio! E este é um critério objectivo de prestar a informação.

    7. O destinatário médio é um destinatário com o cuidado, zelo, e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste.

    8. O A., estando como está na posse do prospecto da emissão das obrigações e da nota interna (que até juntou aos autos com a P.I.), entendeu necessariamente que se tratava de uma emissão obrigacionista e que tinha subscrito obrigações.

    9. Não houve da parte do Banco Réu a prestação de qualquer informação falsa, ou a utilização de qualquer artifício falacioso ou subterfúgio ardiloso que fosse...

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