Acórdão nº 519/14.6TBEVR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. O Fundo de Garantia Automóvel instaurou uma acção contra AA e BB pedindo a sua condenação solidária no pagamento de € 169.954,19 (€ 167.210,00 de indemnização e € 2.744,19 de despesas), com juros de mora vencidos e vincendos, no montante de € 11.690,65 à data da propositura da acção, acrescidos das despesas de liquidação e cobrança.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter pago essa quantia a CC e a seu filho menor DD, como indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de um acidente de viação provocado pelo segundo réu, condutor de um motociclo da propriedade do primeiro, do qual resultou a morte de EE, mãe de DD e unida de facto a CC, por não existir contrato de seguro que cobrisse o sinistro; e disse ainda que o montante tinha resultado de um transacção efectuada com CC e DD no âmbito do pedido de indemnização que deduziram no processo crime subsequente ao acidente.
Os réus contestaram. Por entre o mais, alegaram caso julgado e afirmaram que a absolvição de BB no processo crime faz presumir que não praticou os factos que lhe são imputados, nos termos do artigo 624º do Código de Processo Civil; que AA tinha guardado o motociclo na garagem de BB, para que “apenas circulasse quando tivesse o respectivo seguro obrigatório”; e que o acidente não tinha decorrido como o autor o descreveu, concluindo pela improcedência da acção.
Foi indeferida a alegação de caso julgado (despacho de fls. 149).
A acção foi julgada improcedente pela sentença de fls. 190. Em síntese, o tribunal entendeu que a prova não permitia concluir que o acidente tivesse sido provocado por culpa do segundo réu; e que o primeiro, proprietário do veículo, não tinha a respectiva direcção efectiva quando o acidente ocorreu, tendo sido abusiva a sua utilização.
A sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora de fls. 229, que condenou os réus, solidariamente, no pagamento ao autor da quantia de € 169.954,19, acrescida de juros de mora, à taxa do art. 559.º n.º 1 do Código Civil, contados desde 27.06.2012 e até integral pagamento.
Contrariamente à 1ª Instância, a Relação considerou provada a culpa do condutor – “por violação das regras estradais contidas nos arts. 24º, nº 1 e 25, nº 1, al. c) do Código da Estrada, o que implica um juízo de culpa do 2º R. na produção do acidente” – e não provada “qualquer culpa do peão na produção do embate” e entendeu que o seguro era obrigatório para o 1º réu, proprietário do motociclo nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto), mesmo que o veículo não estivesse em circulação; e que as circunstâncias da sua guarda na garagem e da sua utilização abusiva, não vindo sequer provado que o 1º réu tenha adoptado qualquer providência adequada a impedir que o 2º réu o conduzisse, não retiravam ao proprietário, nem a correspondente direcção efectiva, nem a utilização “no seu próprio interesse”, mantendo-se responsável pelos riscos próprios do motociclo.
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Os réus recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.
Nas alegações de recurso, formularam as seguintes conclusões: 1. Com o respeito devido – que é muito – afigura-se-nos que aquele douto acórdão traduz uma crassa violação da lei substantiva, padecendo de erro de interpretação e aplicação das normas aplicáveis (cfr. art. 674.°, n.° 1, do Cód. Proc. Civil), nomeadamente, no que tange ao art. 487.° e 503.°, ambos do Cód. Civil.
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Em decisão de Instância Central, a l.
a instância decidiu julgar a acção interposta pela aqui recorrida, improcedente; Não se conformando, a recorrida recorreu, requerendo, em suma, a revogação daquela decisão e a prolação de outra que determinasse a condenação dos RR nos termos peticionados; 3. Nesta última sede, o Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora acordaram dar provimento ao recurso e revogando a decisão recorrida, substituíram-na por outra, onde se condena os ora recorrentes, a pagar à A., a quantia por esta inicialmente peticionada.
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Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, ao decidir da forma como decidiram, os Ex.mos Senhores Juízes Desembargadores, acometeram a decisão tomada de erro na interpretação de normas e na aplicação de outras, senão sejamos: 5. Quanto ao 1.° Réu, proprietário do veículo motorizado interveniente no acidente, cuidou a Relação de não atender ao facto provado de que: 6. Ponto 30, dos factos provados: Antes do dia do embate, o 1.° Réu havia guardado o motociclo na garagem do 2.° R, para que apenas circulasse quando tivesse o respectivo seguro de responsabilidade civil.
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Tal facto provado, afasta, desde logo a aplicação do disposto no art. 503.°, n.° 1, do Cód. Civil, pois que, o Réu provou que o veículo não era para circular antes de obter o respectivo seguro de responsabilidade civil.
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O disposto no art. 503.°, n.° 1, do Cód. Civil, na nossa modesta opinião, só teria aplicação no caso em apreço e no que ao Réu proprietário diz respeito acaso este não tivesse feito prova daquele facto dado como provado no ponto 30, supra transcrito.
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Assim, somos em crer que ao decidir como o fez o Tribunal da Relação não efectuou uma correcta interpretação do artigo acima identificado, a qual impunha que se mantivesse a sentença recorrida, nos seus exactos termos, nomeadamente, concluindo pela improcedência da acção.
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No que 2.° Réu diz respeito, o mesmo que possuía a condução efectiva do veículo que causou a morte do peão, cumpre alegar que, também quanto a este, existiu, aquando da aplicação pelo Tribunal recorrido do disposto no art. 487.°, n.° 2, do Cód. Civil, para o condenar no pedido, uma errónea aplicação deste preceito, pois que, 11. Novamente, o Venerando Tribunal da Relação não cuidou de atentar para os factos provados, nomeadamente, para os dados como provados nos pontos 6 e 15, dos factos provados.
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Pois que, ficou provado que se desconhece a velocidade com que o veículo conduzido pelo 2.° Réu circulava; Bem como que a via não tinha qualquer iluminação, a par da vítima ter saído por trás de um veículo pronto socorro; 13. Logo, circunstâncias há por provar que permitam presumir, como o fez o douto Acórdão recorrido, que o 2.° Réu deveria ter diligenciado as providências adequadas e, como tal, o dano ocorrido não lhe pode, na nossa modesta opinião, ser imputável a título de culpa.
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Acresce que, a presunção legal de culpa não é de admitir na responsabilidade por facto ilícito, pelo que o ónus da prova deverá seguir o regime regra do art. 342° do Código Civil.
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Não funcionando a presunção de culpa prevista no n° 1 do art. 493° do Código Civil, não pode exigir-se que seja o Réu a demonstrar que nenhuma culpa houve da sua parte.
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Termos em que, pela violação das normas sobreditas, nomeadamente, a sua errónea aplicação e interpretação, deve o acórdão da Relação de Évora ser revogado, mantendo-se na integra a decisão da l.
a instância.
Não houve contra-alegações.
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A fls. 317 foi proferido despacho suspendendo a instância, do qual se transcreve parte: “2. Os réus recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.
No recurso de revista estão em causa as seguintes questões: – quanto ao 1º réu, o proprietário do motociclo, saber se tinha a condução efectiva do veículo, nos termos do previsto no nº 1 do artigo 503º do Código Civil; – quanto ao 2º réu, o condutor, saber se o acidente se ficou a dever a culpa sua, tendo em conta a noção legal de culpa (nº 2 do artigo 487º do Código Civil).
Os recorrentes não discutem, neste recurso, se o 1º réu estava ou não obrigado a ter celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil, mesmo mantendo o motociclo arrumado na garagem do segundo réu, ‘para que apenas circulasse quando tivesse o respectivo seguro de responsabilidade civil obrigatório’; quanto a esse 1º réu discutem apenas se, tendo o motociclo sido utilizado pelo 2º réu quando ainda não havia seguro, ele mantém a respectiva condução efectiva, pressuposto da obrigação de indemnizar, à luz do nº 1 do artigo 503º do Código Civil.
Encontra-se pendente no Tribunal de Justiça da União Europeia o proc. C-80/17, respeitante a um reenvio prejudicial efectuado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no qual se coloca a seguinte questão: ‘Deve o artigo 1º, nº 4, da Directiva do Conselho 84/5/CEE2, de 30 de Dezembro de 1983 (em vigor na data do acidente) ser interpretada no sentido de que o Fundo de Garantia Automóvel que, por falta de contrato de seguro de responsabilidade civil, efectuou o pagamento da indemnização aos terceiros lesados por acidente de viação causado por veículo automóvel que, sem conhecimento e autorização do proprietário, foi retirado do terreno particular onde se encontrava imobilizado, tem o direito de...
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