Acórdão nº 21/16.1GRMRA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução27 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 21/16.1GBMRA do Juízo de Competência Genérica de (...) da Comarca de Beja, o Ministério Público acusou (…), pela prática, em autoria material, sob a forma consumada e em concurso real, - de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, e - de um crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punível pelo artigo 148.º, n.ºs 1 e 3, com referência ao artigo 144.º, alíneas b) e c), e 69.º, n.º 1, alínea b), todos do Código Penal.

A Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, E.P.E., deduziu pedido de indemnização civil (fls. 211 a 226), peticionando a condenação solidária do arguido, do Fundo de Garantia Automóvel e de (...) no pagamento da quantia de € 1 888,49, acrescida de juros de mora á taxa legal, desde a notificação até integral pagamento, alegando ter sido prestada assistência a (...), pelos ferimentos apresentados em consequência de agressões levadas a cabo pelo arguido, nos termos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público, assim como responsabilizando o Fundo de Garantia Automóvel e (...), efetivo proprietário do veículo que era desprovido de qualquer seguro.

- transcrição da sentença.

(...), devidamente identificado nos autos e neles constituída Assistente «deduziu pedido de indemnização civil (fls. 229 a 240 verso) peticionando a condenação solidária do arguido, (...), do Fundo de Garantia Automóvel e de (...) no pagamento da quantia global de 80 262,94 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais, de perda de rendimento, de despesas suportadas e de dano biológico.

- transcrição da sentença.

O Demandado Fundo de Garantia Automóvel apresentou a sua contestação (cf. fls. 226 e 267) aos pedidos de indemnização civil, excecionando a sua legitimidade para a presente ação e impugnando os valores peticionados.

O Demandado (...) apresentou a sua contestação (cf. fls. 379 e 381) aos pedidos de indemnização civil, alegando, sucintamente, o seu total desconhecimento de que o motociclo sua propriedade tenha sido levado da herdade, e se o foi, aquele não deu autorização nesse sentido uma vez que o veículo não se destinava à via pública.

- transcrição da sentença.

O Arguido não apresentou contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada a 8 de outubro de 2020 foi, entre o mais, decidido: «Da parte criminal Nestes termos, e pelo exposto, julga-se a acusação procedente e por provada, nos termos demonstrados e, em consequência, decide-se:

a) Condenar o arguido (...), pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem a necessária habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º, n. º 1, do Decreto-Lei n. º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos).

b) Condenar o arguido (...), pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente p. e p. pelo artigo 148.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, com referência ao artigo 144º, alíneas b) e c) também do Código Penal, e pelo artigo 69.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos).

c) Condenar o arguido (...), em cúmulo jurídico nos termos do artigo 77.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), que perfez a quantia de 825,00€ (oitocentos e vinte cinco euros).

d) Condenar o arguido em 3 (três) U.C. de taxa de justiça, sendo este responsável pelo pagamento das custas do processo e no pagamento dos honorários do seu Ilustre Defensor nomeado sem prejuízo da existência de apoio judiciário, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 513. °, 514.º e 374. °, n.º 4, do C. P. Penal e artigo 8°, n.º 9, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Da parte civil Nestes termos, e pelo exposto, decide-se:

a) Absolver o Demandado (...) da instância por verificação da exceção de ineptidão da petição inicial.

b) Julgar-se o pedido de indemnização civil deduzido pelo Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, E.P.E, procedente por provado e, em consequência, condena-se solidariamente o arguido, (...) e o Fundo de Garantia Automóvel a pagar-lhe, a quantia de 1.888, 77€ (mil oitocentos e oitenta e oito euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal calculados desde a notificação até integral pagamento.

c) Julgar-se o pedido de indemnização civil deduzido pela Assistente, parcialmente procedente e, em consequência, condena-se solidariamente os Demandados arguido, (...) e o Fundo de Garantia Automóvel a pagar-lhe, a quantia global de 45.179, 77€ (quarenta e cinco mil cento e setenta e nove euros e setenta e sete euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal calculados desde a notificação até integral pagamento., que se divide: i. Quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros) atribuída a título de danos não patrimoniais.

ii. Quantia de 179.77€ (cento e setenta e nove euros e setenta e sete cêntimos) a título de despesas medicamentosas.

iii. Quantia de 25.000,00€ (vinte cinco mil euros) a título de dano biológico.

d) Absolve-se os Demandos do restante peticionado.

e) Custas conforme o decaimento das partes.

Inconformado com tal decisão, (...) dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «I – Considerando o ora Recorrente pessoalmente responsável pelos danos e, consequentemente condenando-o solidariamente no pagamento dos Pedidos de Indemnização Civil, o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e aplicação, consequentemente violando, o disposto nos artigos 4.º, 6.º e 15.º, n.º 2 do decreto-Lei 291/2007, assim como da Diretiva 72/166/CEE, de 24/04/1972.

II – O veículo em questão não se encontrava matriculado uma vez que o mesmo se destinava apenas, a circular no interior da propriedade, pelo que não impende sobre o recorrente a obrigação de contratar seguro.

III – Quando o veículo seja posto a circular sem o conhecimento ou autorização do proprietário, como é o caso dos autos, o proprietário não tem a sua direção efetiva, não sendo por isso responsável pelas consequências do acidente.

IV – Por outro lado, ainda que o veículo em questão estivesse segurado, conforme entendimento do Tribunal a quo, e a responsabilidade pelos danos causados fosse suportada pela Seguradora, a constituição da obrigação de reparar os danos decorre diretamente da lei, nomeadamente do n.º 2 do art. 15.º do decreto-Lei 291/2007, de 21 de agosto e não por via da transferência da propriedade da responsabilidade primária que se tenha constituído na esfera do tomador do seguro ou do proprietário do veículo.

V – Considera-se, ainda, no referido acórdão, que “Não pode ser responsabilizado pelos danos emergentes da circulação da sua viatura o proprietário que, embora não beneficiando de seguro, não tinha na altura do acidente, a direção efetiva dessa viatura, a qual foi posta a circular sem o seu conhecimento e contra a sua vontade por desconhecidos que a furtaram no interior da garagem onde estava recolhida”. Ac. de 02/03/2004, 03ª3499, em www.dgsi.pt.

VI – O Supremo Tribunal de Justiça no Processo 770/12.3 TBSXL.L1.S1, solicitou ao Tribunal de Justiça da União Europeia a resolução do reenvio prejudicial inquirindo o seguinte: “Em face do art. 3.º da Diretiva do Conselho 72/166/CEE, de 24-4-72 (em vigor na data do acidente), a obrigatoriedade de contratação de seguro de responsabilidade civil automóvel abarca mesmo as situações em que o veículo estava fora de circulação, designadamente quando, por opção do proprietário, se encontrava imobilizado num quintal particular, fora da via pública?” Ou “Independentemente da responsabilidade que viesse a ser assumida pelo Fundo de garantia Automóvel, nessas circunstâncias não recaía sobre o proprietário do veículo a obrigação de segurar?” Aplicando e interpretando o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, considera o Supremo Tribunal de Justiça que “(…) em casos de apropriação ilegítima do veículo não é possível assacar ao proprietário (ainda que incumpridor da obrigação de seguro) qualquer responsabilidade pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros, considerando que, por aquela via, deixou de ter a direção efetiva do veículo, nos termos e para os efeitos do art. 503.º, n.º 1, do CC.” VII – Neste sentido, e porque existiu uma apropriação ilegítima do veículo, mesmo que se considere que o proprietário não cumpriu com a obrigação de contratar um seguro, não pode o mesmo ser responsabilizado pelos danos causados a terceiros, na medida em que a constituição de obrigação de reparar os danos, pela seguradora, não decorre da transferência de responsabilidade primária que se tenha constituído na esfera do tomador do seguro ou do proprietário, mas sim do n.º 2 do art. 15.º do Decreto-Lei 291/2007.

VIII – Face ao exposto, fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação das referidas normas.

Pelo exposto, e pelo que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores entendem por bem suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, absolvendo-se o recorrente (...) do pedido.

Assim se julgando, se fará a boa e costumada JUSTIÇA!

O recurso foi admitido.

Na resposta que, sem conclusões, apresentou ao recurso interposto, a Assistente conclui pela sua improcedência.

O Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, deu a conhecer que não respondia ao recurso interposto, por nele estar em causa, apenas, matéria civil.

û Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto apôs visto.

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