Acórdão nº 95/12.4JAAVR-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO Por apenso aos autos de execução intentados por AA contra BB, CC, Lda deduziu embargos de terceiro, pedindo que os embargos sejam procedentes e, por via deles, ser reconhecido que o veículo automóvel Mercedes-Benz, modelo CLS 350 CDI, matrícula 17-...-70 é propriedade da embargante, sendo também reconhecida como sua possuidora e, em consequência, ser ordenado o levantamento da penhora, cancelando o registo que incide sobre o dito veículo, dando-se sem efeito a apreensão que sobre o mesmo incide.

Em síntese, alegou que se dedica à venda de veículos usados, sendo a mesma que detém a posse e é proprietária daquele veículo, nunca tendo o executado sido seu proprietário ou possuidor, apesar de, na data da penhora, o mesmo estar registado em seu nome.

O exequente deduziu oposição, sustentando que a factualidade invocada e por si impugnada é mais um expediente para a embargante recuperar o referido veículo automóvel.

Foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos de terceiro e, em consequência, determinou o levantamento da penhora efectuada sobre o referido veículo.

A exequente recorreu e a Relação, por acórdão de 10.01.2019, concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença recorrida, julgando improcedentes os embargos de terceiro.

Não se conformando com aquele acórdão, a embargante recorreu de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - O Tribunal da Relação pode oficiosamente alterar a matéria de facto, nos termos do artigo 662º do CPC.

  1. - No entanto, não o pode fazer quando, nos termos do artigo 674º3 do Código de Processo Civil, ofende a validade de um meio de prova.

  2. - O tribunal recorrido alterou a matéria de facto sem ter em consideração o valor da prova documental existente nos autos, e cuja autenticidade, quer da elaboração, quer do seu teor, não foi colocada em causa por nenhuma das instâncias.

  3. - O mesmo se aplica à prova testemunhal.

  4. - A força probatória dos documentos em causa, especialmente do documento emitido pela PSP de …, não foi respeitada pelo tribunal recorrido.

  5. - Alterou a matéria de facto sem ter atendido/valorado o seu teor.

  6. - Referindo apenas que ficou com dúvidas sobre a ocorrência dos factos.

  7. - No entanto, dúvida não pode haver, já que o documento é datado de 13 de Julho de 2016, data anterior ao registo da penhora pelo recorrido/embargado AA e posterior ao registo na Conservatória dos Registos Automóveis da alegada aquisição em nome do outro embargado, BB.

  8. - No documento aludido, articulado com a restante prova documental, designadamente fls 39 a 41 dos autos, acrescida da prova testemunhal, que não foi colocada em causa, não restam dúvidas que a embargante era possuidora real e em nome próprio do veículo em causa aquando do registo da penhora pelo embargado.

  9. - A incúria do seu gerente ao não proceder ao registo na Conservatória dos Registos Automóveis em seu nome, não afasta a sua natureza de possuidora.

  10. - A prova documental em causa reproduz os factos relatados na petição de embargos e confirma os pontos 11, 24 a 28 e por consequência do 29 ao 34 da matéria de facto, que deverá voltar a ser dada por provada, com as consequências legais daí atinentes.

  11. - Ao não tomar em consideração esta prova documental, o tribunal recorrido violou os artigos 674º nº 3 do CPC, os artigos 341º e 362º do Código Civil e o artigo 607º5 do CPC (já que os factos que o mesmo corporiza encontram-se plenamente provados, sem o juiz poder recorrer à sua livre convicção).

  12. - Nos termos do artigo 1268º do CC, o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, já que não há registo anterior ao início da sua posse (o registo da penhora a favor do embargado foi posterior ao início da posse da embargante, como já se referiu).

  13. - Tendo havido uma violação deste preceito legal pelo tribunal recorrido.

  14. - Considerando o tribunal ad quem como provada a matéria de facto constante nos pontos nºs 8, 9, 10, 12 a 17 e constituindo todos eles actos materiais e públicos de posse sobre o veículo pela embargante, não pode depois decidir que a mesma não praticou actos de posse.

  15. - Estes não foram actos de posse precária, mas de verdadeiro e real possuidor, constituindo actos essenciais que a definem, havendo violação dos artigos 1262º e 1263, alínea a) do CC e 5º nº 1 do CPC.

  16. - Nunca tendo havido perda da posse, muito menos pela sua cedência, já que, apesar dos registos formais a favor de terceiros, sempre foi a embargante que teve o domínio e a disponibilidade sobre o veículo.

  17. - Basta ver que o registo estava em nome da DD quando foi por si transferido para o BB.

  18. - Não é pelo facto de nunca o veículo em causa ter estado formalmente registado a favor da embargante na Conservatória dos Registos automóveis, que não lhe pertence.

  19. - No sistema jurídico português o registo apenas presume a titularidade, constituindo uma presunção "juris tantum” nos termos conjugados dos artigos 29º do Dec-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, e do artigo 7º do Cód. Reg. Predial.

  20. -“Havendo conflito de presunções, v.g., entre registo e posse, deve prevalecer, em princípio, a que emergir de facto mais antigo - (ver artº 1268º do C.Civil; Ac. STJ, in BMJ nº 414/545 e Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4ª ed., págs. 342/343.

  21. - Prevalece a presunção possessória, ou seja a posse da embargante.

  22. - Independentemente das datas de 07/08 e 11 de Julho poderem motivar alguma confusão, não invalidam que se tenha provado que a embargante, pelo menos no dia 13 de Julho de 2016, tinha a posse do veículo (documento emitido pela PSP de … e depoimento das testemunhas EE, FF e GG e declarações de parte do gerente da embargante).

  23. - Essa data já é posterior à data do registo na Conservatória dos Registos Automóveis a favor do embargado BB e anterior à penhora registada a favor do embargado AA.

  24. - Essa posse foi ininterrupta (como foi mencionado na sentença da 1ª instância).

  25. - Tendo por isso, com esta decisão, o tribunal violado os artigos 29º do Dec-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro e o artº 7º do Cód. Reg. Predial.

  26. - Decidiu em conformidade de facto e de direito, o tribunal a quo, devendo por isso a decisão recorrida ser revogada, mantendo-se a sentença por aquele proferida.

Termina, pedindo que o acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que julgue os embargos de terceiro procedentes por provados, em conformidade com a sentença proferida em primeira instância.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

  1. Fundamentação de facto Mostram-se provados os seguintes factos, após a modificação oficiosa efectuada pela Relação: 1. Nos autos principais de execução é exequente AA e executado BB, (autos apensos).

    1. Com data de 02.X1.2016, foi elaborado auto de penhora relativo ao veículo automóvel de marca Mercedes-Benz e modelo CLS 350 CDI e de matrícula I7-…-70, mostrando-se registado o pedido de penhora com data de 02. XI.2016 - (auto de penhora de lis. 112 e 113 dos autos principais).

    2. Com data de 07.XII.2016, a embargante solicitou a inscrição no registo automóvel da aquisição do veículo referido em 1, declarando tê-lo comprado em 11.X.2016; a propriedade foi inscrita no registo com data de 07.XII.2016 - (certidão de teor das inscrições do veículo emitida pela CRA de fls. 31).

    3. O embargado BB constava na data dita em 3 como proprietário inscrito no registo desde 05.VH.2016 - (certidão de teor das inscrições do veiculo emitida pela CRA de fls. 31).

    4. A embargante, que é uma sociedade comercial, dedica-se, além de outras actividades, à venda de veículos automóveis usados - (cfr certidão de matrícula de fls. 35 a 38).

    5. Além da divulgação que efectua dos veículos automóveis no sítio da internet tem um estabelecimento comercial, junto ao supermercado "Modelo", na cidade de …, na Zona Industrial, utilizando a designação comercial "HH".

    6. Local onde os veículos para venda se encontram em exposição ao público.

    7. Era onde se encontrava o veículo em causa no dia em que o executado/embargado BB o viu.

    8. Como se encontrava publicitado no sitio da internet, com o link http://HH.com.pt/HH/cars/mercedes-benz-cls-350-amg-3-0- bluefficience - (cfr documento de fls. 39 a 41).

    9. O mencionado veículo era utilizado regularmente pelo gerente da embargante, para se deslocar.

    10. Não provado – Cfr...

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