Acórdão nº 766/20.1T8BRR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MARCOLINO
Data da Resolução12 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo 766/20.1T8BRR.L1.S1 * Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório

  1. Na sequência da decisão de despedimento individual, a trabalhadora AA entregou na secretaria judicial o formulário a que alude o 98.º-B do CPT, com vista a impugnar judicialmente a regularidade e licitude do despedimento, sendo entidade empregadora Aluline Portugal – Drenagem e Tratamento de Águas, Unipessoal, Lda., opondo-se, destarte, a tal despedimento.

  2. Gorada a tentativa de conciliação, a Entidade Empregadora apresentou articulado a fundamentar o despedimento.

    Juntou cópia do procedimento disciplinar, em cuja nota de culpa imputa à trabalhadora diversos factos que, na sua óptica, são susceptíveis de integrar os fundamentos do despedimento com justa causa.

    Conclui pela improcedência da acção.

    Caso assim se não entenda, requer a exclusão da reintegração da A, ao abrigo do disposto nos art.ºs 98º-J do CPT e 392º do CT.

  3. A trabalhadora contestou o articulado da Ré, concluindo no sentido de que: - Seja declarada a ilicitude do despedimento; - Seja condenada a entidade empregadora a reintegrar a trabalhadora ou, em caso de oposição, a indemnizá-la nos termos do art.º 392º, n.º 3 do CT; - Seja condenada a entidade empregadora a pagar à Autora todas as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicia.

    Discriminadamente deduziu reconvenção peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 7.500€ a título de danos não patrimoniais causados pelo despedimento ilegal, acrescida de juros de mora devidos à taxa legal, alegando a factualidade justificadora do pedido.

    d) A Ré respondeu ao articulado da Trabalhadora, sustentando a licitude do despedimento.

    E contestou o pedido reconvencional.

  4. Foi proferido despacho saneador no qual foi admitido o pedido reconvencional.

    Mais foi fixado o objecto do litígio.

  5. Realizada a audiência de julgamento foi prolatada sentença que julgou a acção improcedente, declarou lícito o despedimento da Trabalhadora e, em consequência absolveu a Entidade Empregadora dos pedidos.

  6. A Trabalhadora interpôs recurso de apelação.

    - Por um lado, impugnou a matéria de facto.

    - Por outro, defende que a matéria de facto provada permite concluir pela ilicitude do despedimento.

  7. Contra alegou a Ré em defesa da sentença recorrida.

  8. Por acórdão do Tribunal da Relação de 14.07.2021, a apelação foi julgada procedente e, em consequência foi decidido: - modificar a matéria de facto; - revogar a sentença, declarando-se a ilicitude do despedimento e, em consequência, condenou a Entidade Empregadora: Ø a reintegrar a Trabalhadora, improcedendo o pedido de exclusão; Ø no pagamento a esta das retribuições que deixou de auferir desde 18.02.2020 até ao trânsito em julgado dessa decisão, deduzidas do valor recebido a título de subsídio de desemprego, a liquidar em execução e; Ø no pagamento à mesma da quantia de 7.500,00 €, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4 % desde 7.02.2020 até integral pagamento.

  9. É agora a Ré que veio interpor recurso de revista, extraindo da sua motivação as seguintes 155 conclusões: I. A decisão do Tribunal a quo de eliminação do Facto Provado CC. (“A Autora quis levar para fora das instalações da entidade patronal documentação que aí se encontrava contra ordens expressas da Ré.”) da Matéria de Facto Provada é nula nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al. c) do CPC, pois está em contradição com a própria fundamentação dada pelo Tribunal a quo.

    II. O Tribunal a quo reconheceu expressamente que do depoimento da testemunha BB resultou que a A., ora recorrida, transmitiu ao referido colega que depois levava as pastas da A.... Logo, a intenção da recorrida de mudar as pastas de lugar – levar as pastas - é clara e está provada, pelo que não pode o Tribunal a quo eliminar, desde logo, a totalidade do Facto Provado CC, sob pena de contradição com os fundamentos da sua própria decisão.

    III. Importa salientar que o que estava em causa na referida factualidade não era se a A. levou efetivamente as pastas (é pacífico que não levou), mas se as quis levar. E quanto a isso, com o devido respeito a fundamentação do Tribunal a quo é manifestamente contraditória com a decisão, pois reconheceu que da prova produzida resultava que a recorrida havia transmitido ao colega a sua vontade de levar as referidas pastas, porém, concluiu que não estava provado que a A. quisera levar as referidas pastas. Poder-se-ia até entender que o Tribunal a quo considerara não provado o segmento final do Facto CC, ou seja, a referência às ordens expressas da R.” (“A Autora quis levar para fora das instalações da entidade patronal documentação que aí se encontrava contra ordens expressas da Ré.”). Porém, se assim fosse – o que não se aceita, mas se pondera para efeitos de raciocínio – sempre se teria de concluir que devia ter sido julgado provado de forma restritiva, i.e. que “A Autora quis levar para fora das instalações da entidade patronal documentação que aí se encontrava”.), ao invés da eliminação integral do Facto CC do rol dos Factos Provados.

    IV. Mas mais: a verdade é que tal segmento (“contra ordens expressas da Ré”) estava provado pelo mesmo depoimento da testemunha BB e, bem assim pelos Factos Provados U e W.

    V. Tendo o funcionário BB transmitido à recorrida que tinha instruções para abrir todas as pastas existentes nas instalações da recorrente e para as organizar por ano (Factos U e W), é forçoso concluir que “A Autora quis levar para fora das instalações da entidade patronal documentação que aí se encontrava contra ordens expressas da Ré.”, quando transmitiu ao colega BB que não devia mexer nas pastas com a designação A... que ela depois as levava.

    VI. Tendo o Tribunal a quo considerado que “do depoimento de BB decorre que a A. lhe transmitiu que depois levava as pastas”, a conclusão de que a mesma não “quis levar para fora das instalações da entidade patronal documentação que aí se encontrava contra ordens expressas da Ré.” e a decisão de que “a matéria constante do ponto CC. se terá como não provada” são logicamente inconciliáveis e, portanto, o acórdão recorrido é, pois, nulo nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al. c) do CPC, devendo o Tribunal ad quem declarar a referida nulidade, repristinando assim, o facto CC. eliminado pelo douto acórdão a quo que, nesse particular é nulo.

    VII. Caso assim não se entenda - o que não se concede, mas se pondera pelo mais elementar dever de patrocínio – e se considere que o Tribunal ad quem só tem, neste particular, poderes cassatórios, deve ser declarada a nulidade do acórdão e reenviado o mesmo ao Tribunal a quo.

    VIII. As referidas conclusões demonstram que o Tribunal a quo só apreendeu parcialmente a factualidade em causa, o que faz com que não compreendesse o referido caso.

    IX. Ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, o Caso das Pastas A... revelou para que lado pendia a lealdade da recorrida: confrontada com a abertura das referidas pastas, a recorrida não hesitou em intervir diretamente e tentar impedir o colega de executar a tarefa que lhe havia sido atribuída. (Facto Provado V.) X. E a forma como a recorrida atuou relativamente ao jovem BB não é compatível com a tese adotada pelo Tribunal a quo (de que a mesma estava preocupada com a recorrente…) e foi também censurável e reveladora da má-fé: i. primeiro ordenou-lhe diretamente que parasse, aproveitando a sua posição hierarquicamente superior e o facto do mesmo ser jovem e recém-contratado na empresa: “A Autora dirigiu-se às pastas cujo plástico protetor o trabalhador BB estava a retirar, a fim de verificar de que pastas se tratavam, e dizendo de imediato que "Todas as pastas que tenham a designação A... não as deves abrir do plástico protetor.".” (Facto Provado V). Conforme resulta do teor do supra citado Facto Provado V, o teor da mensagem dirigida ao trabalhador BB revela que se tratou de uma ordem e não de um alerta. Vale a pena acrescentar que a recorrida ainda lhe disse que depois ela levaria as pastas dali… ii. perante a resposta do novato BB (dizendo que estava a cumprir ordens da gerência transmitidas pela D. CC), a recorrida procurou alcançar o mesmo fim recorrendo à autoridade do colega DD, padrasto do referido BB, para que o mesmo fizesse o jovem BB parar. (Factos X a Z) iii. Num quadro de boa-fé e genuína preocupação com os interesses da recorrente, a recorrida ter-se-ia dirigido à autora da ordem - EE – que se encontrava na sede da recorrida (Facto AA) dando-lhe conta de que tal ação poderia ser lesiva dos interesses da recorrente (cuja lesão a recorrida nunca concretizou…), ao invés de interceder junto do padrasto do colega BB para que este, quiçá usando a sua influência sobre o jovem BB, desdissesse a ordem dada pela direção da recorrente… XI. Estivesse a recorrida genuinamente preocupada com as consequências que a recorrente pudesse vir a sofrer em consequência de tal ordem e teria informado diretamente a autora da ordem – EE – que, além do mais, estava nas instalações da empresa (ao contrário do funcionário DD que nem sequer estava contactável telefonicamente, conforme ficou provado pelo Facto X e LLL).

    XII. Ora, a tese do Tribunal a quo de que a recorrida estava meramente preocupada com o seu colega BB não passa de pura ingenuidade. Qualquer homem médio, colocado na posição da recorrida, que recebera instruções claras para não ter qualquer contacto profissional com a sociedade comercial A... compreenderia que uma atitude como a da recorrida no caso concreto seria suscetível de levantar questões quanto à sua atuação, por poder dar a entender que pretendia ocultar documentação da concorrente cujos contactos estavam proibidos e mesmo debaixo do nariz da recorrente… XIII. Ninguém, colocado na posição da recorrente, poderia encarar esta situação com a naturalidade e neutralidade pretendida pelo Tribunal a quo. Não é simplesmente possível, pois falamos da trabalhadora cujas funções são...

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