Acórdão nº 107/19.0T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução05 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. C. M.

, residente em Rue … (aqui Recorrida), propôs a presente acção popular, contra E. P.

e marido, A. G.

, residentes na Rua …, em Chaves (aqui Recorrentes), pedindo que · os Réus fossem condenados a reconhecerem que uma eira (que identificou) pertence a todos e a cada um dos membros da comunidade de ..., e que não é susceptível de apropriação individual por qualquer deles; · os Réus fossem condenados a retirar o muro e portal que construíram sobre o tracto de terreno que faz parte da dita eira, e a reparar os danos nela causados, repondo-a na situação em que se encontrava antes de agirem sobre ela; · os Réus fossem condenados numa sanção pecuniária compulsória de € 50,00, por cada dia de atraso no cumprimento da reparação da eira.

Alegou para o efeito, e em síntese, que, sendo proprietária de uma casa de habitação em ..., freguesia de ..., Concelho ... e confrontando a mesma pelo seu lado norte com uma eira, esta sempre teria sido pública, por ter sido construída para satisfação dos interesses colectivos da comunidade de ..., estando aberta e acessível a todas as pessoas que a ela quisessem aceder.

Mais alegou que os Réus, ditos proprietários de um prédio que igualmente confronta com a referida eira, em Fevereiro de 2018 derrubaram o muro que separava ambos e arrancaram o chão desta, composto por pedras de granito, que arrastaram e empilharam noutro local, do modo a criarem um novo muro e a apropriarem-se de parte da eira; e, desse modo, bem como por terem revolvido a terra respectiva, impediram doravante a sua utilização, bem como o acesso por carro aos demais prédios que a rodeavam, como até então se fazia.

Alegou ainda que a reparação/reposição da eira importaria em valor superior a € 5.000,01.

Por fim, a Autora alegou que os Réus amedrontariam e ameaçariam todos quantos pretendem, como antes, usufruir da eira em causa.

1.1.2.

Regularmente citados, os Réus (E. P. e marido, A. G.) não contestaram.

1.1.3.

Foi proferido despacho, determinando a citação: da Junta de Freguesia de ...

, do Município de … e dos habitantes da Comunidade de ...

, para, querendo e no prazo de 30 dias, intervirem no processo a título principal, aceitando-o na fase em que se encontrasse, e para, ou declararem se aceitavam ser representados pela Autora ou, pelo contrário, se se excluíam dessa representação, nomeadamente para o efeito de não lhes serem futuramente aplicáveis as decisões proferidas, valendo a sua passividade como aceitação (tudo nos termos e para os efeitos previstos no art. 15.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto); e do Ministério Público (nos termos e para os efeitos previstos no art. 16º do mesmo diploma).

Regularmente citados, apenas o Município de … reagiu nos autos, declarando que se excluía da representação pela Autora, nomeadamente para efeitos de não lhe serem aplicáveis as decisões proferidas.

1.1.4.

Foi proferido despacho, considerando confessados os factos articulados na petição inicial; e ordenando o cumprimento do art. 567.º, n.º 1 do CPC.

1.1.5.

Apenas a Autora (C. M.) apresentou alegações escritas de direito, defendendo a suficiência dos factos por si alegados para a procedência total da acção.

1.1.6.

Foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência decido: a) Declarar e condenar os RR. a reconhecer que o tracto de tereno melhor identificado no artigo 9º da PI é uma eira que pertence a todos e a cada um dos membros da comunidade de ... e que não é susceptível de apropriação individual por qualquer um desses membros; b) Condenar os RR.

a derrubar o muro e portal que construíram sobre o tracto de terreno que faz parte da eira e bem assim a reporem a eira ao estado em que se encontrava anteriormente de modo a poder ser usada livremente pela A. e por todos os habitantes de ....

  1. Absolvo os RR.

do demais peticionado pela A.

*Custas pelos Réus e pela Autora, as quais se fixam na proporção de 90% para os primeiros e 10% para a segunda (artigos 527º nºs 1 e 2 do C.P.C.) Notifique incluindo o MP. e os intervenientes.

Após trânsito, notifique-se a A. para indicar, em 10 dias, quais os dois jornais em que deve haver lugar à publicação a que se refere o artigo 19º nº 2 da Lei n.º 83/95, de 31.08, sendo que tal publicação se deverá fazer a expensas dos RR.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformados com esta decisão, os Réus (E. P. e marido, A. G.) interpuseram recurso de apelação, pedindo que se desse provimento ao mesmo.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1 - A recorrente não se conforma com a douta sentença proferida a 03.10.2019, que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência decidiu: a) Declarar e condenar os RR. a reconhecer que o tracto do terreno melhor identificado no artigo 9º da P.I. é uma eira que pertence a todos e a cada um dos membros da comunidade de ... e que não é suceptivel de apropriação individual por qualquer um desses membros: b) Condenar os RR. A derrubar o muro e portal que construíram sobre o tracto de terreno que faz parte da eira e bem assim reporem a eira ao estado em que se encontrava anteriormente de modo a poder ser usada livremente pela A. e por todos os habitantes de ....

2 - Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende a recorrente que, mesmo atendendo aos factos dados como provados, não existiu correta aplicação do Direito.

3 - Os factos provados, com interesse para a decisão da causa foram os articulados pela Autora nos artigos , , 8º a 33º da petição inicial, nos termos do artigo 567º, nº1 do Código de Processo Civil, por os Réus não terem contestado a acção.

4 - Dispõe o nº 1, do artº 567º, do Código de Processo Civil (CPC), sob a epígrafe “Efeitos da revelia”: “1. Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.”.

Importa ter presente que a lei processual estabelece uma cominação semi-plena e não um efeito cominatório pleno. Isto é, não há “(…) uma incontornável e fatal condenação imediata no pedido como consequência da revelia operante (…)” (J.P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª ed., 2011, pp. 502). Na verdade, a parte final do nº 2, do artº 567º, do CPC, estabelece que “(…) e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito”.

5 - O que significa que os factos reconhecidos por falta de contestação tanto podem determinar a procedência da acção, total ou parcial, como podem conduzir à absolvição do Réu da instância (com base na verificação de excepções dilatórias de que o tribunal tenha conhecimento oficioso) ou do pedido.

6 - Quer dizer, considerarem-se os factos alegados pelo autor como confessados não determina que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o demandante pretende, na medida em que o juiz deve, depois, julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos (efeito cominatório semi-pleno da revelia operante) - J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, págs. 266-267.

7 - No caso em concreto, é notório do articulado da petição inicial que os réus se arrogam proprietários de parte ou da totalidade da Eira aqui em discussão. Facto que de resto é confessado pela autora na sua petição inicial no vertido nos artigos 19º, 20º e 25º, pelo que, da própria petição inicial resultam os factos articulados de que a Eira pertence a todos os habitantes da população de ... impugnada e contestada.

8 - Não é apresentado pela Autora qualquer documento autêntico que consubstancie de forma inequívoca que a Eira em questão pertence à população.

9 - O facto de as pessoas se servirem da Eira para alcançar os seus prédios ou fazer uso da mesma, não consubstancia, nem pode só per si consubstanciar, a propriedade do que quer que seja, mas tão somente o uso.

Uso que não se refere, que é ou era feito com a convicção dos habitantes que tal Eira lhes pertencesse.

10 - No caso em concreto, salvo o devido respeito por opinião diferente, é bom de ver que a Autora limita-se a referir de forma vaga factos demonstrativos do interesse fundamentador da acção popular, referindo no artigo 23º da sua petição inicial que a eira ficou de tal forma danificada que se tornou impossível de ser usada, deixando os habitantes de poder circular livremente na Eira, de ali aceder e de poder lá colocar as suas colheitas e lenhas.

11 - A acção popular tem como objecto a tutela de interesses difusos, pois sendo estes interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se o direito aos cidadãos de, individual ou colectivamente, defenderem os mesmos.

12 - Para que a Eira em causa fosse considerada um interesse geral de toda a comunidade, seria necessário que a Autora tivesse alegado: A localização da Eira, suas confrontações e áreas; - O uso directo e imediato da Eira pela população; - de forma imemorial, - E que tal uso reflicta a sua afectação à utilidade pública, ou seja, à satisfação de interesses colectivos de significativo grau ou relevância.

13 - Ora, temos para nós, que nenhum dos três requisitos foram alegados e por isso não foram dados como provados.

14 - O tribunal a quo só poderia aplicar o direito à situação concreta depois de ter apurado um conjunto de factos que lhe permitiam afirmar que, na situação concreta, que no caso em concreto estávamos perante um espaço de uso público desde tempos imemoriais, o que...

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