Acórdão nº 103/07. 0 TACDN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução14 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO O Ministério Público veio interpor recurso da decisão, de fls. 117/121, que rejeitou a acusação deduzida contra o arguido J...

pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 348º, n.º 1, al. b) do Código Penal.

A razão da sua discordância encontra‑se expressa nas conclusões da motivação do recurso onde refere que: 1- A ordem dada pelo Meritíssimo Juiz titular do Processo Comum Singular n.º 208/03.7GACDN, do Tribunal Judicial de Condeixa-a-Nova, ao arguido para, no prazo de dez dias a contar do trânsito da sentença que o condenou na pena acessória de um ano de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, entregar a sua licença de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência é legalmente válida e legítima.

2- A cominação funcional do crime de desobediência foi efectuada na prossecução discricionária da competência que lhe é atribuída pelos artigos 470º e 499°, n.º 6, ambos do Código de Processo Penal.

3- O disposto no artigo 69º n.º 4 do Código Penal, no que ao Ministério Público concerne, apenas faz sentido se o juiz titular puder efectuar a cominação com a prática do crime de desobediência.

4- Existindo no âmbito do direito contra-ordenacional uma disposição legal a prever a cominação da desobediência simples no caso de desrespeito do dever de entrega do título de condução para cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir - artigo 160º, n.º 3 do Código da Estrada não se compreenderia que a punição da mesma conduta não fosse possível, ainda que através de cominação funcional do crime de desobediência, estando em causa uma infracção criminal.

5- O legislador deu ao juiz, no exercício das suas funções de autoridade com competência para ordenar as providências necessárias para a execução da pena acessória, a possibilidade de cominar com o crime de desobediência, a não entrega da carta a título voluntário.

6- Os factos pelos quais o arguido se encontra acusado integram a prática do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, n.º 1, al. b) do Código Penal; 7- A acusação pública deveria ter sido recebida.

8- Ao não o fazer, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 348º, n.º 1, al. b) do Código Penal e 311º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.

9- Deverá o despacho sob recurso que rejeitou o recebimento da acusação ser revogado, ordenando-se a sua substituição por outro que determine o recebimento da acusação e o prosseguimento dos autos para julgamento.

* O arguido não respondeu.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apôr o “visto”.

Os autos tiveram os vistos legais.

* II- FUNDAMENTAÇÃO É do seguinte teor o despacho recorrido: “ Da rejeição da acusação Em processo comum, o Ministério Público deduziu acusação contra J... pela prática de um crime de desobediência p.p. pelo art. 348º/1 al. b) do Código Penal.

Dispõe o art. 311º/3 que a acusação considera-se manifestamente infundada: a) quando não contenha a identificação do arguido; b) Quando não contenha a narração dos factos; c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; d) Se os factos não constituírem crime; Pratica o crime de desobediência, nos termos do artigo 348º n.º1, alínea a) do Código Penal: "quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação".

Neste tipo legal de crime, tal como nos demais crimes contra a autoridade pública, protege-se a autonomia intencional do Estado, de uma forma particular, a não colocação de entraves à actividade administrativa por parte dos destinatários dos seus actos. Desobedecer é não cumprir, não respeitar "a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente".

Temos assim a considerar vários elementos que compõe o tipo objectivo: a ordem ou mandado: a legalidade substancial e formal da ordem ou mandado; a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; a regularidade da sua transmissão ao destinatário; a violação dessa ordem ou mandado.

De acordo com este preceito legal, o legislador apenas confere relevância criminal à desobediência que tenha desrespeitado uma cominação prévia: legal ou expressa pelo emitente da ordem ou mandado.

Faltar à obediência devida não constitui por si só facto criminalmente ilícito. A dignidade penal da conduta exige que o dever de obediência que se incumpriu tenha uma de duas fontes: ou uma disposição legal que comine, no caso, a sua punição (cominação legal); ou, na ausência desta, a correspondente cominação feita pela autoridade ou funcionário competente para ditar a ordem ou mandado (cominação funcional). - Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra, 2001, p. 351; No caso de cominação legal, a imposição da norma de conduta é feita por norma geral e abstracta anterior à prática do facto. Daí que o crime de desobediência pareça destinado a servir de norma auxiliar (uma vez que fixa as condições básicas do ilícito e da pena) a alguns preceitos de direito penal extravagante que incriminam um determinado comportamento desobediente, sem contudo fixarem uma moldura penal própria - Cristina Líbano Monteiro. ob. Cit. p. 353; No caso de cominação funcional, a relevância penal da conduta resulta da vontade da autoridade ou funcionário, contemporânea da actuação do agente, o que determina que o tipo legal de crime seja entendido como uma norma penal em branco, cuja última determinação caberá ao julgador, no estrito respeito e cumprimento do principio da legalidade, constitucional e legalmente consagrado, e nunca à vontade a determinar em cada caso concreto, por um agente da administração.

O crime previsto...

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