Acórdão nº 340/07.8TATND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução16 de Setembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Por despacho de 20 de Março de 2009, o Ex.mo Juiz do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, invocando a descriminalização da conduta dos arguidos I... e “T..., Lda.”, operada pelas alterações introduzidas no crime de abuso de confiança contra a Segurança Social pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro e o disposto no art.2.º, n.º 2 do Código Penal, decidiu declarar extinto o procedimento criminal instaurado contra os arguidos que vêm acusados da prática , cada um, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, sob a forma continuada, previsto pelo art.107.º, n.º1 do RGIT, com referência ao art.105.º do mesmo diploma, e determinar o arquivamento dos presentes autos e, atenta a sua dependência relativamente ao procedimento criminal ( art. 71.º do Código de Processo Penal), decidiu ainda declarar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, relativa ao pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Viseu, contra os demandados cíveis I... e “T..., Lda.”, nos termos do art. 287.º, al. e) do Código de Processo Civil (ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal).

O Ministério Público, em obediência ao despacho n.º 5/2009, de 5 de Fevereiro, da PGD de Coimbra, interpôs recurso do despacho de 20 de Março de 2009, concluindo a sua motivação do modo seguinte: l.º - Os argumentos aduzidos pelo Mm.º Juiz “a quo” não poderão, em circunstância alguma, fazer concluir por uma descriminalização das condutas por referência ao art.2.º, n.º 2 do Código Penal.

  1. - Os ilícitos contra a segurança social começaram a ter menor benevolência no tratamento sancionatório com a Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, razão pela qual pelo que não surpreende que a Lei n.º 64-A/2008 acentue tal menor benevolência.

  2. - Os bens jurídicos protegidos pelos crimes de, abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança em relação à Segurança Social não são coincidentes, como decorre da maior protecção constitucional concedida ao direito à segurança social e do facto de, nas contribuições para a segurança social, existir uma maior proximidade, senão coincidência, entre contribuinte e beneficiário.

  3. - Os princípios da unidade do sistema e da presunção de que o legislador consagrou as melhores soluções não consentem a interpretação de que a Lei n.º 64-A/2008 operou uma alteração legislativa em que, por força da não previsão legal de responsabilidade contra-ordenacional, se desproteja o bem jurídico tutelado pelo crime de abuso de confiança contra a segurança social, quando em causa estejam prestações tributárias de valor igual ou inferior a € 7.500,00.

  4. - A interpretação segundo a qual a remissão do n.º 1 do artigo 107.º, n.º 1 do R.G.I.T. se faz, quanto aos valores, apenas para o n.º 5 e já não para o n.º 1 do artigo 105.º do R.G.I.T., é a mais consentânea com o disposto no artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil uma vez que, no primeiro caso, tal remissão apenas tem sentido, porque em causa estão, precisamente, valores contributivos que o legislador reputou de merecerem uma maior punição, ao passo que, no segundo caso, é perfeitamente admissível que a remissão se faça exclusivamente para a pena, dado que em causa está a remissão para um tipo matricial (artigo 105.º, n.º1) ao qual o legislador introduziu uma especialização que não quis estender, como podia, ao tipo matricial do artigo 107.º, n.º 1, como bem se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 4/03/2009, proferido no âmbito do processo n.º 257/03.5TAVIS.

  5. - Em face do exposto deve ser revogado o despacho recorrido, determinando-se a continuação do procedimento criminal contra os arguidos, ordenando-se, em consequência, que o Tribunal a quo marque nova data para a realização da audiência de julgamento.

    O assistente Instituto de Segurança Social,IP, Centro Distrital de Viseu, inconformado com o despacho recorrido, dele interpôs também recurso, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.º O tipo legal do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social encontra-se previsto no art.107.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, onde se encontra descritos todos os elementos do tipo, e não no art.105.º, onde se encontram previstas as penas que se lhe aplicam (pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias).

  6. Trata-se de tipos legais autónomos, sendo o abuso de confiança contra a Segurança Social um crime específico próprio (só pode ser cometido pelas entidades empregadoras que tenham deduzido as cotizações devidas à Segurança Social das remunerações devidas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais).

  7. O crime de abuso de confiança contra a Segurança Social tutela um bem jurídico distinto. Está em causa a protecção dos deveres de colaboração, transparência e lealdade das entidades empregadoras para com a administração da Segurança Social, ou seja, a tutela da relação de confiança, com vista à tutela da justiça social e da solidariedade, em nome do direito constitucionalmente consagrado à Segurança Social.

  8. Atentos os valores em causa no domínio das cotizações devidas à Segurança Social (seja pela dimensão da maioria das empresas a laborar no nosso país, seja porque estes montantes se aferem por Declaração de Remunerações) e atento o facto de estas condutas não constituírem contra-ordenação, considerar que a descriminalização/despenalização operada no n.º 1 do art. 105.º do RGIT se aplica ao crime de abuso de confiança contra a Segurança, significaria deixar totalmente desprotegido o bem jurídico em causa.

  9. Dois elementos de ordem histórica revelam, igualmente, que o legislador não pretendeu descriminalizar o abuso de confiança contra a Segurança Social: a distinção operada em sede de crime de fraude contra a Segurança Social e fraude fiscal (Lei n.º 60-A/05, de 30/12), revelando já uma tendência para a distinção da ordem de valores; e bem assim o facto de o n.º 6 do art.105.º do RGIT constar da proposta de lei apresentada pelo Governo à Assembleia da República e não constar da versão final da Lei n.º 64-A12008, de 31/12, mostrando que o legislador agiu de caso pensado.

  10. Por força do princípio da legalidade, não pode uma norma incriminadora não ser senão certa e, por imperativo do estatuído no n.º 3, ín fine, do art.9.º do Código Civil, deve o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções...

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