Acórdão nº 2580/08.3TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBARRETO CARLOS
Data da Resolução11 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I – Com a publicação do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24-08, que operou a reforma do regime de recursos em processo civil, por força do disposto no n.º 3 do art. 721º do CPC, deixou de ser admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, e ainda que com diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos referidos no artigo seguinte.

O artigo seguinte, 721º-A, prevê a revista excepcional, nos casos abrangidos pelo referido n.º 3 do art. 721º, em determinadas situações que não foram alegadas in casu.

Terá sido esta reforma que levou o presente recurso a ser distribuído no Supremo Tribunal de Justiça como revista excepcional, a qual, porém, foi afastada pelas razões constantes do despacho de fls. 266, que mandou integrar o processo na distribuição normal, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44º do Regulamento (CE) 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000 (Regulamento 44/2001), o que em abstracto, poderá colocar a questão da inaplicabilidade do n.º 3 do art. 721º do CPC…”.

E, efectivamente, o Regulamento 44/2001, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões, em matéria civil e comercial, estabelece no art. 44º que “a decisão proferida no recurso apenas poderá ser objecto do recurso referido no anexo IV”, o qual prevê que “A decisão proferida no recurso apenas pode ser objecto: (…) – em Portugal, de recurso de revista restrito a matéria de direito”, sendo que o recurso recorrível vem previsto no Anexo III, que é o proferido pelo Tribunal da Relação.

Podia então colocar-se a questão da sobreposição de normas nacionais e comunitárias em matéria de recursos. É pacífico, porém, que as normas comunitárias exercem primado sobre as normas internas.

Por isso mesmo, temos que acatar o Regulamento Comunitário em apreço, sem prejuízo de manifestarmos a nossa perplexidade por verificarmos que um litígio decidido num país estrangeiro, com decisão transitada em julgado, saia beneficiado em matéria de graus de recurso quando confrontado com um litígio idêntico que só tenha tramitado internamente.

II – Tendo sido requerido o reconhecimento de executoriedade de uma acção instaurada e julgada em França, que foi proposta unicamente contra o devedor solidário, enquanto garante de obrigação emergente de um contrato de mútuo bancário, e não, também, contra o outorgante do qual foi avalista, impedindo-o de exercer o seu direito de regresso, tal opção do autor não repugna o direito interno português, já que em Portugal o credor também pode exigir, por si só, a prestação por inteiro de qualquer um dos devedores solidários, ficando inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, nos termos dos arts. 512º e 519º do Código Civil, não se vislumbrando que tal decisão seja contrária à ordem pública do Estado-Membro, que é Portugal.

Aliás, o Regulamento n.º 44/2001 apenas afasta o reconhecimento da decisão estrangeira, quando for “manifestamente” contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido, que também não ocorre in casu, face aos termos em que foi moldada a petição inicial.

III – Em nenhuma parte da decisão estrangeira vem configurado ou sequer perspectivado que o contrato referido em II caiba na classificação dos contratos celebrados por consumidores, enquanto celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua actividade comercial ou profissional.

Não caindo o contrato em apreço na previsão dos artigos 15º e 16º da Secção 4 do Regulamento n.º 44/2001, os litígios a dirimir não cabem na competência exclusiva dos tribunais portugueses.

IV – A fraude à sentença implica sempre dois elementos: um objectivo, o outro subjectivo. O primeiro consiste na manipulação com êxito do elemento de conexão ou na internacionalização fictícia de uma situação interna, não configurando a situação em apreço, já que, por um lado, o regime das obrigações solidárias previsto na nossa legislação interna não põe em causa a decisão de mérito proferida em França e, por outro lado, o Tribunal de Comércio de Paris era competente para conhecer da causa. O segundo consiste na vontade de afastar a aplicação de uma norma imperativa que seria normalmente aplicável, sendo necessário dolo, já que não há fraude por negligência, o que não ocorre in casu, já que a acção foi instaurada num tribunal que gozava de competência internacional para dela conhecer, não resultando dessa mesma decisão estrangeira nem de quaisquer outros elementos do processo o mínimo intuito doloso no accionamento “revidendo”.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

AA, S. A., requereu contra BB a declaração de executoriedade da sentença estrangeira proferida em 19 de Outubro de 2004 pelo Tribunal de Comércio de Paris, transitada em julgado, na qual o Requerido foi condenado a pagar à Requerente a quantia de € 425.400,17, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento, bem como € 4.000,00, por força do art. 700.º do Código de Processo Civil francês e as custas do processo no valor de € 109,09.

O Requerente transmitiu e fez juntar aos autos, pela via electrónica, certidão da referida sentença bem como a sua tradução certificada, segundo o formulário uniforme constante do anexo V ao Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000.

Distribuída que foi a acção à 4.ª Vara Cível de Lisboa, declarou a mesma a respectiva incompetência, em razão da forma de processo aplicável.

Foram depois os auto remetidos e distribuídos ao 4.º Juízo, 3.ª Secção dos Juízos Cíveis de Lisboa, onde foi proferida decisão, nos termos do art. 41.º do citado Regulamento, que declarou a força executória em Portugal da ‘Certidão de Título Executivo’ emitida pelo Tribunal de Comércio de Paris no que concerne ao pagamento da quantia de € 425.400,17 (quatrocentos e vinte e cinco mil, quatrocentos euros e dezassete euros, capital e juros apurados em 30.06.2001, acrescida de juros vincendos até integral pagamento, bem como ao pagamento de € 4.000,00 (quatro mil euros) por força do art. 700.º do Código de Processo Civil francês e ao pagamento das custas do processo no valor de € 109,09 (cento e nove euros e nove cêntimos), autorizando assim a execução.

Inconformado, o Requerente recorreu para a Relação de Lisboa, a qual, por acórdão de 17 de Setembro de 2009, negou provimento à apelação e confirmou a decisão recorrida.

Persistindo no seu inconformismo, o Requerente vem agora recorrer de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

  1. Como se vê dos autos, o requerimento de declaração de executoriedade da sentença estrangeira em apreço foi distribuído e autuado em 18 de Setembro de 2008, já em plena vigência da reforma de processo civil em matéria de recursos operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, cujas disposições, por força do n.º 1 do art. 1º, a contrario, são aplicáveis aos processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008, data da sua entrada em vigor.

    Presentemente, em matéria de recursos, por força do disposto no n.º 3 do art. 721º do Código de Processo Civil (CPC, doravante), não é agora admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, e ainda que com diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos referidos no artigo seguinte.

    O artigo seguinte, 721º-A, prevê a revista excepcional, nos casos abrangidos pelo referido n.º 3 do art. 721º, em determinadas situações que não foram alegadas in casu.

    Terá sido esta reforma que levou o presente recurso a ser distribuído no Supremo Tribunal como revista excepcional, a qual, porém, foi afastada pelas razões constantes do despacho de fls. 266, que mandou integrar o processo na distribuição normal, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44º do Regulamento (CE) 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000 (Regulamento 44/2001), o que em abstracto, poderá colocar a questão da inaplicabilidade do n.º 3 do art. 721º do CPC…”.E, efectivamente, o Regulamento 44/2001, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões, em matéria civil e comercial, estabelece no art. 44º que “a decisão proferida no recurso apenas poderá ser objecto do recurso referido no anexo IV”, o qual prevê que “A decisão proferida no recurso apenas pode ser objecto: (…) – em Portugal, de recurso de revista restrito a matéria de direito”, sendo que o recurso recorrível vem previsto no Anexo III, que é o proferido pelo Tribunal da Relação.

    Podia então colocar-se a questão da sobreposição de normas nacionais e comunitárias em matéria de recursos. É pacífico, porém, que as normas comunitárias exercem primado sobre as normas internas.

    Por isso mesmo, temos que acatar o Regulamento Comunitário em apreço, sem prejuízo de manifestarmos a nossa perplexidade por verificarmos que um litígio decidido no estrangeiro, com decisão transitada em julgado, saia beneficiado em matéria de graus de recurso quando confrontado com um litígio idêntico que só tenha tramitado internamente.

    Resta-nos conhecer do mesmo, e fá-lo-emos por acórdão, embora a questão pudesse ficar já decidida por decisão sumária, nos termos do art. 705º do CPC.

    II – Da delimitação do objecto do recurso O Recorrente, quase reproduzindo as extensas alegações e conclusões da apelação, conclui as da revista nos seguintes termos: «I. O presente recurso tem como objecto a declaração de executoriedade da Sentença estrangeira proferida pelo 10º Juízo Cível de Lisboa, a qual foi confirmada por Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

    1. O Tribunal de Comércio de Paris julgou procedente a acção de condenação proposta pelo Recorrido unicamente contra o ora Recorrente, considerando que o mesmo, enquanto avalista e devedor solidário da sociedade Animatógrafo – Produção de Audiovisuais, Lda. (“Animatógrafo”), deve responder pela totalidade dos montantes garantidos pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT