Acórdão nº 4056/03.6TBGDM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução11 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA DA RÉ FF E CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA DO RÉU GG Sumário : 1. As sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica, constituindo necessário pressuposto desta a autonomia patrimonial da sociedade.

  1. A quota, na sociedade por quotas, exprime a relação da participação social com a pessoa do seu titular, constituindo, assim, a síntese expressiva da posição de sócio.

  2. A sociedade não se confunde com o sócio, sendo ambos sujeitos de direito distintos, pelo que a sociedade de um único sócio subsiste como pessoa jurídica autónoma deste.

  3. Tendo uma sociedade adquirido, a título oneroso, a totalidade das quotas de outra, ficando ambas numa relação de grupo, tendo aquela ficado numa posição dominante, mas sem que, com isso, se identifique a venda das participações sociais com a da empresa (em sentido objectivo) da mesma sociedade, pode entender-se que, nalguns casos, a dita venda das quotas é equiparável à venda da respectiva empresa.

    Apesar de se dever entender que ambas as sociedades permanecem autónomas, mau grado o domínio total de uma sobre a outra, pode aceitar-se, por ficção, que aquela adquiriu a propriedade económica do património desta, que passa a gerir como bem entender.

  4. Pelo que, se a sociedade dominante – que, in casu, adquiriu todas as quotas da outra – não está nesta transacção de má fé, não pode, desde logo, proceder a impugnação pauliana respeitante ao alvará da sociedade dominada que para aquela como que se transmitiu.

  5. Sendo o decaimento do recorrente que foi condenado na 1ª instância como litigante de má fé, com o aplauso da Relação, de montante inferior a metade da alçada desta, não pode este Supremo conhecer do recurso a tal respeito para ele também interposto.

    Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA, BB, CC e DD vieram intentar acção, com processo ordinário, contra RÁDIO EE, CRL e RÁDIO FF – COMUNICAÇÃO SOCIAL, LDA, pedindo que se declare a impugnação pauliana do contrato pelo qual a primeira ré transmitiu à segunda o alvará de radiodifusão emitido em 9 de Maio de 1989 e que sejam condenadas as rés a reconhecerem que aos autores assiste o direito de executar no património da segunda ré o referido alvará e a correspondente estação emissora, incluindo todos os direitos e bens corpóreos que a integram, fazendo-se pagar pelo produto da sua venda, até ao limite do seu crédito sobre a primeira ré, no valor de € 20.969,75, acrescido de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde as datas de vencimento de cada uma das rendas, até integral pagamento.

    Alegando, para tanto, e em suma: No dia 13/02/2001, os autores intentaram nas Varas Cíveis do Porto uma acção declarativa contra a 1ª ré, pedindo a resolução de um contrato de arrendamento que com ela haviam celebrado, bem como o respectivo despejo e o pagamento das rendas vencidas e vincendas Julgada procedente a acção, com a sentença transitada em julgado, foi executado o mandado de despejo e, face à divida das rendas e juros, foi também quanto a ela executada a sentença, não tendo sido possível penhorar quaisquer bens.

    A primeira ré dedicava-se ao exercício da actividade de radiodifusão, sendo titular do respectivo alvará e estação emissora, que transmitiu para a 2ª ré, posteriormente à data da constituição do crédito dos autores, sendo certo que à data da transmissão, a administração de facto da primeira ré era exercida por GG, o qual era sócio maioritário e gerente da 2ª ré.

    O alvará e a estação emissora aludidos eram o único activo conhecido da primeira ré, facto esse de que as rés tinham conhecimento, sabendo que com tal transmissão os autores ficavam impossibilitados de obter a satisfação do seu crédito.

    A “Rádio HH, Lda” veio deduzir o incidente de assistência, requerendo a sua admissão como assistente, para auxiliar a segunda ré, incidente esse que viria a ser admitido.

    Citadas as rés, veio a RÁDIO FF – COMUNICAÇÃO SOCIAL, LDA contestar, alegando, também em síntese: A petição inicial é inepta porque os autores não juntaram documento bastante comprovativo da data da propositura da acção e da sentença a que aludem.

    A Rádio HH desconhecida totalmente a existência da dívida da Rádio EE para com os autores e só com a citação para a presente acção é que tomou conhecimento da mesma.

    Por outro lado, o prazo de propositura da presente acção terminou em 13/05/2003, tendo, pois, caducado.

    Actualmente, a lei não permite a transmissão do alvará (licenças), pelo que não é susceptível de ser restituído o transmissor, nem ser objecto de venda judicial, sendo certo que o emissor radiofónico que a Rádio FF está a utilizar foi adquirido depois das escrituras de cessão de quotas atrás referidas, pela Rádio HH, nada tendo a ver com a Rádio II.

    Os bens que presentemente pertencem à Rádio FF, foram adquiridos por esta ou pela Rádio HH após as cessões de quotas, incluindo a sede da Rádio FF.

    A isto acresce o facto de, na data do acto impugnado, a ré Rádio EE possuir bens de valor bastante superior ao do montante do crédito.

    Foi requerido incidente de intervenção acessória provocada de GG, que foi admitido.

    Os autores replicaram, pugnando pela improcedência das excepções arguidas.

    Treplicou a ré RÁDIO FF requerendo que se mande riscar na réplica dos autores os factos que dizem respeito à resposta que os mesmos também fizeram à matéria da impugnação.

    O chamado GG veio contestar, fazendo seu o articulado da RÁDIO FF.

    Replicaram os autores, pedindo, ainda, a condenação do chamado como litigante de má fé.

    Foi elaborado o despacho saneador, que, alem do mais, julgou improcedentes as excepções da ineptidão da p. i. e da caducidade arguidas.

    Foram fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

    Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 474 a 477 consta.

    Foi proferida a sentença, na qual, se julgou a acção procedente por provada e, em consequência, reconheceu-se aos autores o direito de restituição dos bens (alvará e emissor, incluindo todos os direitos e bens corpóreos) transmitidos pela 1ª ré à 2ª ré, existentes à data do negócio, podendo os mesmos autores executá-los no património da obrigada. Mais se condenando o chamado GG, como litigante de má fé, na multa de 20 UC’s, acrescida de indemnização, nos termos do disposto no artigo 457.º do CPC.

    Inconformados, vieram, o chamado GG, a ré RÁDIO FF e a assistente RADIO HH, LDA, interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, onde, por acórdão de 22 de Maio de 2009, se julgou parcialmente procedente a apelação do recorrente GG, considerando-se a restituição circunscrita apenas ao alvará.

    De novo irresignados, vieram os mesmos recorrentes pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

    Formulando, na sua alegação, as recorrentes RÁDIO FF e RÁDIO HH, LDA as seguintes conclusões: 1°- O Tribunal da Relação do Porto no seu Acórdão não se pronunciou sobre a questão levantada pelas recorrentes nas suas Alegações de que a sentença recorrida invocou e aplicou o art. 28° da Lei nº 87/88 de 30-07 que se encontrava revogada.

    1. - Também a mesma sentença invocou a Alta Autoridade para a Comunicação Social que já não existia, não se tendo o Acórdão recorrido pronunciado sobre esta questão embora esta tivesse sido levantada pelas recorrentes nas suas Alegações.

    2. - A forma como as recorrentes suscitaram a questão da intransmissibilidade do alvará ou licença não mereceu qualquer ponderação ou resposta por parte do Acórdão recorrido que também não se pronunciou sobre os fundamentos alegados pelas recorrentes.

    3. - Como determina a alínea d) do art. 668° do Código de Processo Civil é nula a sentença (e também o Acórdão) quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

    4. - O Acórdão é, por isso, nulo, mas esta nulidade pode ser sanada pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça que vier a ser proferida no presente recurso de Revista, pronunciando-se sobre estas questões.

    5. - A impugnação pauliana pressupõe que o crédito seja anterior ao acto objecto de impugnação e desse acto resultar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito (art. 610° do Código Civil).

    6. - O acto oneroso só está sujeito a impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé, entendendo-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.

    7. - No caso de transmissões posteriores, é necessário que haja má fé tanto do alienante como do posterior adquirente (art. 613° do Código Civil).

    8. - No caso dos presentes autos, as recorrentes (Rádio FF e Rádio HH) consideram que houve uma segunda transmissão do Alvará e que, por isso, se aplica o disposto no art. 613° do Código Civil.

    9. - A Rádio HH adquiriu a totalidade das quotas da Rádio FF, mostrando-se essas aquisições registadas na Conservatória do Registo Comercial de Gondomar.

    10. - Nos termos dos arts 488° e seguintes do Código das Sociedades Comerciais foi estabelecida uma relação de grupo entre a Rádio HH e a Rádio FF pela qual a Rádio HH tem o domínio total da Rádio FF.

    11. - Pela aplicação do disposto nos arts 501° e 504° do Código das Sociedades Comerciais todos os bens adquiridos pela sociedade dominada (Rádio FF) são transmitidos automaticamente para a sociedade dominante (Rádio HH).

    12. - Entre os bens transmitidos figura o Alvará transmitido, com a autorização da Alta Autoridade para a Comunicação Social, da Rádio EE (primeira Ré) para a Rádio FF (segunda Ré).

    13. - Conforme o espírito subjacente à relação de grupo entre a Rádio FF e a Rádio HH tem de se considerar que este Alvará foi transmitido por uma transmissão posterior (a cessão de quotas) para a Rádio HH como sociedade dominante.

    14. - Esta transmissão para a Rádio HH tem de ser considerada uma das transmissões posteriores a que se refere o art. 613° do Código Civil.

    15. - A Rádio HH é, por isso, proprietária do Alvará como proprietária total da Rádio FF.

    16. ...

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