Acórdão nº 970/14.1TBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | LUIS CRAVO |
Data da Resolução | 15 de Novembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO “CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE (…) C.R.L.
”, pessoa coletiva nº (...) , com sede na (...) Caldas da Rainha, intentou a presente ação declarativa que corre termos sob a forma de processo comum contra: 1ºs. réus – A (…) e M (…), residentes na Rua (...) Caldas da Rainha; 2ª ré- “D (…)UNIPESSOAL, LDA.
”, pessoa coletiva nº (...) , com sede na (...) , freguesia de Caldas da Rainha – (...) , (...) ; 3º réu- Z (…), solteiro, maior, residente em (...) Mihail kogalniceanu N (...) .
Pediu que a presente ação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência: a) «Ser julgada procedente, por provada, a impugnação da doação do prédio supra descrito no art.º 32; b) Ser julgada procedente, por provada, a impugnação da constituição de hipoteca sobre o prédio supra descrito no art.º 32 e em consequência c) Ser a 2ª Ré e o 3º Réu condenados a não se oporem a que a A. execute no património da obrigada à restituição do prédio supra descrito no art. 32 objecto da aludida impugnação, na medida necessária à satisfação dos créditos da A. sobre os 1.ºs Réus, praticando os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei; d) Quando assim não se entenda, então, deve declarar-se a nulidade da doação do prédio supra descrito no art.º 32 efectuada pelos 1.ºs Réus a favor da 2ª Ré porque simulada, nos termos do art. 240º do C.Civil; e) E a nulidade da constituição de hipoteca do prédio supra descrito no art.º 32 efectuada pela 2ª Ré a favor a favor do 3.º Réu porque simulada, nos termos do art. Art.º 240 do C.Civil, devendo, em consequência; f) Ser ordenado o cancelamento do registo do direito de propriedade efectuado a favor da 2ª Ré quanto ao prédio supra descrito no art.º 32 pela Ap. 3183 de 2011/10/19. g) Ser ordenado o cancelamento do registo do direito de hipoteca efectuado a favor do 3º Réu quanto ao prédio supra descritos no art.º 32 pela Ap. 3815 de 2012/02/24.
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Serem os RR. condenados solidariamente em custas, procuradoria condigna e demais de legal.» Para alicerçar esse seu conjunto de pretensões, muito em síntese, alegou: - A autora tem por objeto o exercício e funções de crédito agrícola e a prática dos demais atos inerentes à atividade bancária que sejam instrumentais em relação àquelas funções e lhe não estejam especialmente vedadas.
- Em 27/11/2009 outorgou com a mutuária “A (…), Lda.
” o Contrato de Mútuo com Fiança, que junta como doc. n.º1, através do qual concedeu a esta um empréstimo no montante de capital de € 100.000,00 (cem mil euros), ficando os ora 1.ºs Réus como fiadores e principais pagadores, renunciando ao benefício de excussão prévia, vencendo o capital mutuado os juros na razão de 8,517% ao ano a liquidar mensalmente.
- Até à propositura desta acção os mutuários apenas lhe entregaram por conta do capital o montante de € 51.330,18, pelo que continua em dívida a esse título a quantia de € 48.669,82, vencido em 20/02/2012, data em que ela Autora foi notificada para reclamar créditos no âmbito do processo de insolvência da mutuária “A (…) Lda.
” (proferida por sentença datada de 24/01/2012, já transitada em julgado), quantia essa que acrescida dos juros remuneratórios, e dos juros moratórios (à taxa e sobretaxa acordadas), faz com que a dívida total dos mutuários, entre os quais os 1.ºs Réus, vencida e não paga, ascende ao montante de € 62.800,32.
- No âmbito dos autos de insolvência referenciados da “A (…) Lda.
”, foram reclamados créditos no montante global de € 7.814.226,02, sendo que foi apurado pelo Sr. Administrador de Insolvência que a mutuária insolvente apenas é proprietária de activos, cuja liquidação apenas poderá permitir um quantitativo de cerca de € 400.000,00.
- Ela Autora reclamou nesses autos este seu crédito, então quantificado em € 51.039,07, do qual por ser um crédito comum, não perspectiva receber montante que lhe permita efectuar o pagamento parcial ou integral do crédito reclamado.
- Para cobrar os seus créditos, uma vez que não conseguia receber o que lhe era devido, em 05/03/2012, ela Autora instaurou uma acção executiva no Tribunal Judicial de Caldas da Rainha sob o nº563/12.8TBCLD, na qual são executados os mutuários ora 1.ºs Réus, mas na qual ainda não conseguiu liquidar parcial ou integralmente a quantia exequenda peticionada.
- Sendo que estes executados são apenas proprietários de um total de 5 imóveis que não se encontram livres e desonerados, muito pelo contrário (como decorre do conjunto de ónus que incidem sobre cada um deles, que discrimina e quantifica especificadamente), sendo certo que vieram aí a ser reclamados créditos no montante global de € 1.016.745,26, não sendo o seu produto sequer suficiente para assegurar o pagamento desses créditos reclamados por credores hipotecários e titulares de primeiras penhora inscritas sobre os prédios, graduados privilegiadamente em relação ao crédito dela Autora (conforme sentença de verificação e graduação de créditos já proferida).
- Não obstante, apurou que em 18/10/2011, os ora 1ºs. Réus haviam alienado parte do seu património imobiliário, constituído pelo Prédio rústico, composto por terra de semeadura, pinhal e mato, denominado por “ (...) ”, sito na freguesia do (...) , concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha sob a ficha n.º 97/freguesia do (...) e inscrito na matriz predial rústica da (...) com o art.º 4.826, com o intuito tão-só de “salvaguardarem património”.
- Mais concretamente, em tal data, por ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO outorgada no Cartório Notarial de Caldas da Rainha, o ora 1.º Réu A (…), com o consentimento da mulher M (…)/ ora 1.ª Ré doou a favor da 2.ª Ré, “D (…) UNIPESSOAL, Lda.”, o dito prédio, sendo que, em 19/10/2011, isto é, passado um dia, registou a sua aquisição.
- O sujeito activo/comprador do imóvel em referência, é representado no acto pelo 1.º Réu marido A (…)que intervém por si e na qualidade de único sócio e gerente da dita 2.ª Ré “D (…) UNIPESSOAL, Lda.” - Esta 2.ª Ré “D (…) UNIPESSOAL, Lda.,” a quem foi alienado o imóvel identificado, foi detida unicamente pelo 1.º Réu marido, durante um mês, nomeadamente desde 12/10/2011 até 04/11/2011, data em que transmitiu a quota a favor de terceiros, a saber N (…) com uma quota de € 3.700,00 (três mil e setecentos euros) e M (…) com uma quota de €1.300,00 (mil e trezentos euros) e tendo em 11/11/2011 cessado funções como gerente, os quais, por sua vez, deram de penhor tais quotas ao 1.º Réu marido A (...).
- Os ditos 1.ºs Réus não podiam deixar de saber que este seu ato causava um prejuízo à ora Autora, tendo desta forma, em proveito próprio e em prejuízo dela Autora, doado a favor da 2.ª Ré/sua representada, o referenciado imóvel, com o único intuito de esvaziarem o seu activo e reduzirem a garantia patrimonial dela Autora.
- A declaração feita pelos 1.ºs Réus e pela 2.ª Ré, representada pelo 1.º Réu marido, não corresponde a qualquer vontade de celebrar alegada doação, tendo apenas o único fito de ludibriar a ora Autora e os restantes credores, posto que, nunca os 1.ºs Réus quiseram doar o dito imóvel que continuou intimamente ligado ao 1º réu marido – sócio gerente das duas sociedades (“A (…), Lda.” e “D (…) Unipessoal Lda.”) – sendo também que esta sociedade “D (…) Unipessoal Lda.”, ora 2ª Ré, nunca o quis adquirir, antes apenas foi constituída para absorver o património do 1.º Réu.
- Sendo certo que ao constituir a doação um negócio gratuito, nos termos legais procede a impugnação ainda que doadores/1.ºs Réus e donatária/2ª Ré agissem de boa fé.
- Acresce que, e como se não bastasse, logo em 24/02/2012, ou seja, um dia antes da mutuária “A (...) ” se ter apresentado à insolvência e escassos quatro meses após a respetiva aquisição por doação, a 2ª Ré “D (…) Unipessoal Lda.”, em 18.10.2011, muito convenientemente e de forma propositada e intencional, declarou constituir hipoteca desse mesmo imóvel a favor do ora 3º Réu Z (…), para garantia de alegado mútuo concedido no montante de capital de € 100.000,00, posto que nunca o 3.º Réu concedeu à ora 2.ª Ré, a seu pedido e no seu interesse, o montante de € 100.000,00, nem esta o recebeu, antes resultando esta oneração de um conluio arquitectado entre todos os Réus destinado a salvaguardar o património dos 1.ºs Réus ao cumprimento das responsabilidades assumidas perante a Autora, sabendo a 2.ª e o 3.º Réu, enquanto pessoas proximamente relacionadas com os 1.ºs Réus, da grave situação financeira em que aqueles se encontravam, por virtude da fiança prestada a favor da Autora para dívidas da firma “A (...) ”, a qual se encontrava em situação de insolvência.
- Tal comportamento impossibilita a apreensão e/ou alienação liberta do património objecto da constituição de hipoteca, o que diminui substancialmente o seu valor.
- A 2.ª Ré nunca quis onerar o imóvel referenciado a favor do 3.º Réu, que nunca a quis aceitar, e o 3.º Réu nunca entregou à 2.º Ré a quantia pecuniária mencionada na aludida Escritura Pública de Mútuo com Hipoteca nem o 2.º Réu a recebeu.
- A 2.ª Ré outorgou a Escritura Pública de Mútuo sobre o referido imóvel de má-fé tendo declarado negocialmente uma vontade que não correspondia à sua vontade real, com o intuito de enganar os seus credores, nomeadamente a ora A., enquanto credora dos 1.ºs Réus, sendo certo que o 1.º Réu marido continua até hoje a dispor do imóvel identificado, usufruindo do mesmo.
- A doação efectuada pelo 1.º Réu marido, com o consentimento da 1.ª Ré mulher a favor da 2.ª Ré e a constituição de hipoteca efectuada pela 2.ª Ré a favor do ora 3.º Réu é nula, por simulada – essa doação pelo 1.º Réu a favor da sua representada/ ora 2.ª Ré e a oneração do imóvel em causa apenas foi feita com o único e exclusivo intuito de enganar a Autora e os demais credores da 1.ª Ré, sobre quem são os proprietários do bem em causa nestes autos.
- Face às circunstâncias em que a escritura de doação foi outorgada (quando os...
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