Acórdão nº 135/12.7TACNF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução20 de Março de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1.

A sentença datada de 22 de Março de 2018 proferido no âmbito destes autos decidiu: - Absolver a arguida A.

da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo art. 227.°, n.º 1, al.s, a), b) e c) e n." 3, do Código Penal; - Absolver o arguido B.

da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo art. 227.°, n.º 1, al.s a), b) e c) e n.º 2, do Código Penal; - Julgar extinto o procedimento criminal contra os arguidos C. e D.

por efeito da prescrição (artigos 118°, n° 1, al. c) e artigo 121°, n.° 1, al. a) do Código Penal).

- Condenar o arguido E.

pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime insolvência dolosa, previsto e punido pelo art. 227.°, n." 1, al.s, a), b) e c) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de 1.750 (mil, setecentos e cinquenta) euros; - Condenar o arguido E.

a pagar as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC, nos termos dos art.s 513.°, e 514.°, n." 1, do Código de Processo Penal, e art. 8.°, n." 9, do Regulamento das Custas Processuais.

* 2.

Inconformado com a condenação, dela recorre, o arguido, E., formulando as conclusões seguintes: 1 - Foi o arguido condenado a pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime insolvência dolosa, previsto e punido pele; art.227º, n.º 1, als. a), b), e c) e n.º 3, do Código Penal, na pena de 350 dias de multa à taxa diária de 5,00€, num total de 1 750€.

2 - Com base em factos, suscetíveis de preencher as condutas descritas o referido tipo legal.

3 - Contudo, tal como resulta da matéria dada como provada as condutas apreciadas nos presente autos foram todas posteriores à situação de insolvência da (…).

4 - Ou seja, claramente não foram as, condutas descritas na sentença que originaram a situação de insolvência.

5 - Aliás, facto que o tribunal ad quo reconhece: 6 - “ Tudo ponderado, torna-se claro que perante uma situação de insolvência que era já irreversível (...)”..

7 - Conforme refere a douta decisão que ora se impugna, a par da quase unânime doutrina e jurisprudência, a declaração de insolvência não é elemento do facto típico, mas antes uma condição objetiva de punibilidade.

8 - Pelo não carece se se verificar um nexo de adequação entre as condutas descritas no tipo e a declaração judicial de insolvência: 9 - Contudo, terá de haver, sim, entre as condutas e a situação de insolvência.

10 - Deverá distinguir-se 3 conceitos: as condutas típicas; a situação de insolvência e a declaração judicial de insolvência.

11 - A conduta e a situação de insolvência são elementos dó facto típico e, portanto, carecem de ser imputados objetiva e subjectivamente ao agente, 12 - O que não se verifica no caso concreto, pois desde logo, as condutas são posteriores à situação de insolvência.

13 - A declaração judicial de insolvência, sendo uma condição objetiva de punibilidade não carece de ser dominada pelo agente, quer ao nível tipicidade objetiva e subjectiva.

14 - A interpretação histórica, do artigo 227º é mais contundente com a necessidade de causalidade entre os factos e a situação de insolvência.

15 - Se a causalidade entre as condutas e a situação de insolvência resultava da lei, como situação agravante, que deixou de existir e a moldura penal antigamente agravante, passou a ser a moldura penal do crime na forma simples, actualmente só pode significar que a causalidade é-lhe inerente.

16 - Pedro Caeiro refere que ao existirem duas condições de punibilidade se incriminam, simples intenções e põe em causa a livre disposição dos próprios bens, sem haver um perigo para o património dos credores. Por outro lado, refere que as condutas podem causar simultaneamente um dano e um perigo para o bem jurídico. Acresce que o perigo para os credores reside “justamente na situação de insolvabilidade do devedor” e não na mera prática daquelas condutas que reflectem a “violação do dever de administração prudente do próprio património"; 17 - Por fim, invoca três argumentos formais: uma consistiria no facto de ser supérfluo dar o mesmo estatuto à situação de insolvência e à sua declaração, pois “a declaração de insolvência supõe necessariamente a verificação do estado que a declara”; em segundo, o legislador não pode ter querido que o julgador penal averigue uma situação de insolvência já analisada pelo julgador civil; por último, considera curioso que o facto que dá nome aos crimes - insolvência - não se inclua no “juízo de ilicitude, nem tenha de ser abrangido pelo dolo”.

18 - Mesmo que assim não se considere é certo, e unanime em termos doutrinais e jurisprudenciais, que a situação de insolvência resulte após as condutas incriminatórias.

19 - É uma questão puramente naturalista quando se fala em infração penal.

20 - O crime tem por fim evitar a “morte patrimonial, da empresa”; 21 - O legislador incrimina condutas que periguem a, verificação de tal acontecimento; 22 - Logo, entre as condutas e a situação de insolvência tem de existir uma relação cronológica. Aquelas têm de ser anteriores a esta”.

23 - Todas as condutas descritas na acusação são anteriores à situação de insolvência; 24 - É certo que a redação anterior era mais clara, mas não significante da desnecessidade de correlação entre as condutas típicas e a situação de insolvência.

25 - De contrário estaríamos a punir condutas sem dignidade penal, violando assim o princípio da Intervenção mínima.

26 - A sociedade já estava em irreversível situação de insolvência quando os atas que mereceram a censura pelo tribunal aconteceram.

27 - Não é a intenção do nosso legislador ordinário, e constitucional, especialmente quando estamos em sede de lei penal.

28 - É assim inconstitucional, por violador dos artigos 18º e 29º n.º da CRP, a interpretação do artigo 227º do CP, no sentido que as condutas posteriores à situação de insolvência, e assim destas não causais, continuam a ser punidos como elementos do facto típico. Pois a situação de insolvência é um elemento posterior às condutas descritas no artigo 227º, do CP, ao contrário da declaração de insolvência que é uma mera condição objectiva da punibilidade. 29 – Pelo que deverá o arguido ser absolvido pelo crime de insolvência dolosa, pois as condutas dadas como provadas aconteceram já após a situação de insolvência.

  1. O Ministério Público, em primeira instância, respondeu à motivação dos Recorrentes, concluindo pela manutenção da sentença recorrida.

  2. Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, nos termos de fls. 1107 a 1109.

  3. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.

  1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A primeira instância julgou provados os seguintes factos: 1) A sociedade (…), é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 06/04/1995, com sede em (...) , com objecto social de construção civil e obras públicas.

    2) A sociedade Construções (…) era representada pelos sócios-gerentes E. e A., ora arguidos.

    3) A sociedade (…) foi constituída em 01/01/2009, com sede (…) e conta com único administrador o arguido C.

    4) A sociedade (…), foi constituída em 23/12/2008 pelo arguido C. e tem sede em (…).

    5) Em 02/12/2011 o arguido C. renunciou à gerência da sociedade (…), sendo a mesma atribuída ao arguido D., em 05/12/2011.

    6) Por sua vez, em 24/11/2014 o arguido C. renunciou à gerência tendo sido novamente designado o arguido I. gerente da sociedade (…), em 06/12/2014.

    7) A sociedade (…) foi criada em 17/03/2004, com sede no (…) e era representada, nessa data, pelos arguidos E. e A.; não obstante as posteriores alterações societárias, A. sempre se manteve como gerente.

    8) Por sua vez, a sociedade (…) foi criada em 23/12/2008, com sede (…), sendo representada pelo arguido D.

    9) Os arguidos E e A. são casados entre si.

    10) Por sua vez, os arguidos E., C. e B. são irmãos.

    11) O arguido D. prestou serviço à sociedade (…) através de contrato de trabalho.

    12) No ano 2006, os arguidos E. e A. realizaram um aumento de capital na sociedade Construções (…), sucede que nunca chegaram a realizar esse aumento, ficando em dívida à sociedade o valor global de €75.024,04 (correspondendo a cada um o montante de €37.512,02).

    13) No ano de 2008, a sociedade (…) apresentou um capital negativo de 235.414,96€, estando numa situação de falência técnica por apresentar um passivo superior ao ativo líquido.

    14) O arguido D. requereu a insolvência da sociedade (…) por dívidas provenientes de créditos salariais, num total de €42.175,96 euros.

    15) Por decisão de 15/10/2009, proferida no âmbito do processo n.º 331/09.4TCNF, que correu termos no Tribunal Judicial de Cinfães, foi a sociedade (…) declarada insolvente.

    16) A insolvência da sociedade (…) foi considerada culposa por decisão transitada em julgado.

    17) Em data não concretamente apurada, mas antes de 28 de Dezembro de 2008, os arguidos C., E. e D. delinearam um plano para dissipar património da sociedade (…), transferindo a propriedade dos bens da esfera jurídica desta para a esfera jurídica dos arguidos C., E. e D. e das sociedades por estes representadas, para que os credores da sociedade não satisfizessem os créditos que sobre esta detinham.

    18) Assim, em 28 de Outubro de 2008, os arguidos E. e A., em nome da sociedade (…), venderam a (…) uma parcela de terreno pelo valor de €25.000.

    19) Na sequência do negócio, (…) procedeu à entrega do valor de...

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