Acórdão nº 35/09.8GTCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 32º DA CRP; 348º, Nº1 DO CP; 152º, Nº3 DO CE; 127º,355 E 410º º DO CPP Sumário: 1 A convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

  1. O preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve, assim, ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

  2. A prova indirecta “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289.

  3. De acordo com o disposto no art.128.º, n.º1, do C.P.P., a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova.

    A testemunha tem conhecimento directo dos factos quando se apercebe deles imediatamente , por si, através dos seus sentidos.

  4. No depoimento indirecto aquilo de que a testemunha se apercebeu foi de outros meios de prova, mas não imediatamente dos próprios factos.

  5. Em regra , o interesse do depoimento indirecto é o de permitir que seja ouvida a pessoa que teve conhecimento directo do facto. Se essa pessoa não for ouvida o depoimento dela não pode, nesssa parte, servir como meio de prova, por a sua utilização e valoração ser incompatível com os princípios da imediação e contraditório , próprios da estrutura acusatória do nosso processo ( artigos 348.º, n.º 4 e 355.º, n.º1 do Código de Processo Penal).

  6. Tendo as testemunhas F… e Z, militares da GNR, se limitado a narrar os factos que viram e ouviram no local do acidente de viação no âmbito de averiguação da ocorrência de que tomaram conta, nada obstava a que o Tribunal a quo pudesse valorar, como valorou, os seus depoimentos.

  7. Da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida resulta claro que as testemunhas F… e Z, militares da GNR, não declararam ao Tribunal a quo, em momento algum, que concluíram que o arguido fora o condutor do veículo automóvel, nas circunstâncias de tempo e lugar em causa, porque o ouviram dizer ao próprio arguido.

  8. O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito do principio do in dbio pro reo se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que , face a ele , escolheu a tese desfavorável ao arguido.

  9. Da fundamentação da matéria de facto da douta sentença não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática pelo arguido N… dos factos dados como provados. Pelo contrário, o tribunal a quo explicitou na fundamentação da matéria de facto que “ Face a toda esta prova, não tivemos dúvidas, que o arguido conduzia o veículo em causa e se recusou a efectuar o teste de pesquisa do álcool no sangue.” Decisão Texto Integral: Relatório Pelo 4.º Juízo Criminal de Coimbra, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo abreviado, o arguido N…, solteiro, filho de B… e de C…, nascido em …., Oliveira do Hospital, a .../…/79, e residente ….

    imputando-se-lhe a prática de factos pelos quais teria cometido um crime de desobediência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 348, n.º 1, alínea a) do Código Penal e 152.º, n.ºs 1, alínea a) e 3 do Código da Estrada.

    Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a … de … de 2009, decidiu julgar a acusação do Ministério Público procedente e, em consequência: - condenar o arguido N…, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e 152.º, n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 100 ( cem) dias de multa, à taxa diária de € 7 ( sete), o que perfaz a quantia de € 700 ( sete centos euros); e - inibir o arguido na faculdade de conduzir pelo período de 5 ( cinco) meses e 15 ( quinze) dias.

    Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido N… concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1 - O arguido foi condenado apenas e tão só com base no depoimento das testemunhas F., Z… e S...

    2 - Sendo que essas testemunham não presenciaram os factos constantes da acusação, designadamente os referidos no ponto 1 da matéria de facto dada como provada.

    3 - Apenas e tão só referiram ao tribunal aquilo que alegadamente ouviram do arguido, tratando-se portanto de um depoimento indirecto que não serve como meio de prova, tomando em conta o disposto no artigo 129 n.º 1 do C.P.P.

    4 - Havendo assim contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova.

    5 - Pelo que por conseguinte e ainda pela circunstância de as testemunhas F…, Z… e S, não terem presenciado os factos da acusação, deveria o tribunal estar perante uma situação de dúvida razoável face a não haver certeza absoluta.

    6 - Tal facto deveria funcionar em benefício do arguido de acordo com o princípio constitucional do in dubio pro reo e como tal o mesmo vir a ser absolvido.

    7 - A douta-sentença recorrida violou ou não fez uma aplicação correcta do disposto nos artigos 348.º do C.P., 152.º do CE, 129.º e 410.º n.º 2 do C.P.P.

    Termos em que, tomando em conta o acima alegado e fundamentalmente com o douto suprimento de V.Exas. deve o presente recurso da matéria de facto ser julgado procedente e em consequência deve revogar-se a douta sentença recorrida e como tal o recorrente ser absolvido do crime porque foi condenado com as legais consequências.

    O Ministério Público na Comarca de Coimbra respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso.

    O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n .º 2 do Código de Processo Penal.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva convicção constante da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1. No dia 07 de ….. de 2009 pelas, …H20M, no IP3, ao Km …. CN, …., área desta Comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula… quando foi interveniente em acidente de viação (despiste).

  10. Na ocasião pelo Sr. F… Cabo a prestar serviço no Destacamento de Trânsito de Coimbra da G.N.R., que ali se deslocou e que na ocasião ali se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções de fiscalização, foi solicitado ao arguido que o mesmo se sujeitasse a exame de pesquisa de álcool no sangue.

  11. Apesar de no local e por repetidas vezes, ter sido advertido pelos elementos policiais presentes que tinha o dever de se sujeitar a tal exame, por se encontrar a conduzir um veículo na via pública, o arguido sempre se manteve firme na sua posição de não realizar o teste referido, o que aconteceu.

  12. Ao agir como o descrito, o arguido queria e conseguiu inviabilizar a realização do teste de pesquisa de álcool no sangue, obstando deste modo à verificação legal da sua T.A.S., bem sabendo ser seu dever...

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