Acórdão nº 340/07.8TATND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REVOGADA Legislação Nacional: ARTIGOS 107º DO RGIT, 113º L. 64-A/08 Sumário: O limite de € 7500 estabelecido no art.105.º, n.º1 do RGIT , na redacção que lhe foi dada pelo art.113.º da Lei n.º 64-A/2008, não tem aplicação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social.

Decisão Texto Integral: Por despacho de 20 de Março de 2009, o Ex.mo Juiz do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, invocando a descriminalização da conduta dos arguidos I... e “T..., Lda.”, operada pelas alterações introduzidas no crime de abuso de confiança contra a Segurança Social pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro e o disposto no art.2.º, n.º 2 do Código Penal, decidiu declarar extinto o procedimento criminal instaurado contra os arguidos que vêm acusados da prática , cada um, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, sob a forma continuada, previsto pelo art.107.º, n.º1 do RGIT, com referência ao art.105.º do mesmo diploma, e determinar o arquivamento dos presentes autos e, atenta a sua dependência relativamente ao procedimento criminal ( art. 71.º do Código de Processo Penal), decidiu ainda declarar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, relativa ao pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Viseu, contra os demandados cíveis I... e “T..., Lda.”, nos termos do art. 287.º, al. e) do Código de Processo Civil (ex vi art. 4.º do Código de Processo Penal).

O Ministério Público, em obediência ao despacho n.º 5/2009, de 5 de Fevereiro, da PGD de Coimbra, interpôs recurso do despacho de 20 de Março de 2009, concluindo a sua motivação do modo seguinte: l.º - Os argumentos aduzidos pelo Mm.º Juiz “a quo” não poderão, em circunstância alguma, fazer concluir por uma descriminalização das condutas por referência ao art.2.º, n.º 2 do Código Penal.

  1. - Os ilícitos contra a segurança social começaram a ter menor benevolência no tratamento sancionatório com a Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, razão pela qual pelo que não surpreende que a Lei n.º 64-A/2008 acentue tal menor benevolência.

  2. - Os bens jurídicos protegidos pelos crimes de, abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança em relação à Segurança Social não são coincidentes, como decorre da maior protecção constitucional concedida ao direito à segurança social e do facto de, nas contribuições para a segurança social, existir uma maior proximidade, senão coincidência, entre contribuinte e beneficiário.

  3. - Os princípios da unidade do sistema e da presunção de que o legislador consagrou as melhores soluções não consentem a interpretação de que a Lei n.º 64-A/2008 operou uma alteração legislativa em que, por força da não previsão legal de responsabilidade contra-ordenacional, se desproteja o bem jurídico tutelado pelo crime de abuso de confiança contra a segurança social, quando em causa estejam prestações tributárias de valor igual ou inferior a € 7.500,00.

  4. - A interpretação segundo a qual a remissão do n.º 1 do artigo 107.º, n.º 1 do R.G.I.T. se faz, quanto aos valores, apenas para o n.º 5 e já não para o n.º 1 do artigo 105.º do R.G.I.T., é a mais consentânea com o disposto no artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil uma vez que, no primeiro caso, tal remissão apenas tem sentido, porque em causa estão, precisamente, valores contributivos que o legislador reputou de merecerem uma maior punição, ao passo que, no segundo caso, é perfeitamente admissível que a remissão se faça exclusivamente para a pena, dado que em causa está a remissão para um tipo matricial (artigo 105.º, n.º1) ao qual o legislador introduziu uma especialização que não quis estender, como podia, ao tipo matricial do artigo 107.º, n.º 1, como bem se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 4/03/2009, proferido no âmbito do processo n.º 257/03.5TAVIS.

  5. - Em face do exposto deve ser revogado o despacho recorrido, determinando-se a continuação do procedimento criminal contra os arguidos, ordenando-se, em consequência, que o Tribunal a quo marque nova data para a realização da audiência de julgamento.

    O assistente Instituto de Segurança Social,IP, Centro Distrital de Viseu, inconformado com o despacho recorrido, dele interpôs também recurso, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.º O tipo legal do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social encontra-se previsto no art.107.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, onde se encontra descritos todos os elementos do tipo, e não no art.105.º, onde se encontram previstas as penas que se lhe aplicam (pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias).

  6. Trata-se de tipos legais autónomos, sendo o abuso de confiança contra a Segurança Social um crime específico próprio (só pode ser cometido pelas entidades empregadoras que tenham deduzido as cotizações devidas à Segurança Social das remunerações devidas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais).

  7. O crime de abuso de confiança contra a Segurança Social tutela um bem jurídico distinto. Está em causa a protecção dos deveres de colaboração, transparência e lealdade das entidades empregadoras para com a administração da Segurança Social, ou seja, a tutela da relação de confiança, com vista à tutela da justiça social e da solidariedade, em nome do direito constitucionalmente consagrado à Segurança Social.

  8. Atentos os valores em causa no domínio das cotizações devidas à Segurança Social (seja pela dimensão da maioria das empresas a laborar no nosso país, seja porque estes montantes se aferem por Declaração de Remunerações) e atento o facto de estas condutas não constituírem contra-ordenação, considerar que a descriminalização/despenalização operada no n.º 1 do art. 105.º do RGIT se aplica ao crime de abuso de confiança contra a Segurança, significaria deixar totalmente desprotegido o bem jurídico em causa.

  9. Dois elementos de ordem histórica revelam, igualmente, que o legislador não pretendeu descriminalizar o abuso de confiança contra a Segurança Social: a distinção operada em sede de crime de fraude contra a Segurança Social e fraude fiscal (Lei n.º 60-A/05, de 30/12), revelando já uma tendência para a distinção da ordem de valores; e bem assim o facto de o n.º 6 do art.105.º do RGIT constar da proposta de lei apresentada pelo Governo à Assembleia da República e não constar da versão final da Lei n.º 64-A12008, de 31/12, mostrando que o legislador agiu de caso pensado.

  10. Por...

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