Acórdão nº 73/99.7AVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO Legislação Nacional: DL 48 051, DE 21-11-1967; Jurisprudência Nacional: ACS. DE 16-01-2003, DE 22-01-2004 (AMBOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT), DE 27-01-2005, E DE 31-01-2007, AMBOS PUBLICADOS NA CJ STJ, ANOS XIII, I, PÁGS. 97 E SS., E XV, I, PÁGS. 54 E SS.; ACS. N.ºS 5/05, DE 05-01-2005, E 236/04, DE 13-04-2004; ACS. DE 03-09-2008, PROC. N.º 2389/08 - 3.ª, E DE 09-10-2008, PROC. N.º 4692/07 - 2.ª Sumário : I - Estando em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual baseada em factos que constituem um crime de homicídio por negligência [morte de feto], sendo certo que a actuação das arguidas – e que constitui a causa de pedir na acção civil enxertada – ocorreu quando exerciam as suas funções de médica (arguida EC), e de enfermeiras (arguidas PA e LF), ao serviço do recorrente Hospital, pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial, o que os demandantes pretenderam, com o incidente de intervenção principal provocada do Hospital, foi chamá-lo à sua responsabilidade civil extracontratual, por determinados agentes seus (as arguidas) terem praticado, por negligência, actos ilícitos, no exercício das suas funções e por causa delas, que aos primeiros causaram dano, o que convoca a aplicação do DL 48 051, de 21-11-1967, em vigor à data dos factos e, entretanto, substituído pela Lei 67/2007, de 31-12.

II - Tem sido entendido neste Supremo Tribunal que a pendência de processo crime interrompe a prescrição: enquanto se mantiver pendente essa lide – ainda que em sede de inquérito – não pode ocorrer a contagem do prazo prescricional, como que representando uma interrupção contínua ou continuada do prazo de prescrição do direito à indemnização contra o civilmente responsável. Quer o pedido de indemnização cível possa, quer não possa, ser deduzido em separado – cf. Acs. de 16-01-2003, de 22-01-2004 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), de 27-01-2005, e de 31-01-2007, ambos publicados na CJ STJ, Anos XIII, I, págs. 97 e ss., e XV, I, págs. 54 e ss., respectivamente.

III - Porque a actividade ilícita que suporta o pedido de indemnização civil foi realizada pelas arguidas, enquanto funcionárias do Hospital, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, ao serviço do Hospital, é que este foi chamado e é responsável civilmente perante os demandantes, respondendo em vez dos seus agentes; logo, qualquer facto interruptivo que se possa opor às arguidas pode ser-lhe oposto, em nome e no interesse de quem estavam a agir e praticaram os factos que causaram os danos.

IV - Segundo o DL 48 051, de 21-11-1967, o regime da responsabilidade civil por facto ilícito era o seguinte: - pelos danos causados por actos ilícitos e culposos (negligência) praticados pelos titulares dos órgãos e agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, respondem, directa e exclusivamente, perante o lesado, o Estado ou as demais pessoas colectivas públicas (art. 2.º, n.º 1); - pelos danos causados por actos praticados por aqueles mesmos entes ( titulares de órgãos ou agentes administrativos) nas mesmas condições (no exercício das suas funções e por causa destas), mas cometidos com dolo, respondem solidariamente, perante o lesado, o Estado ou as demais pessoas colectivas públicas e o lesante (art. 3.º, n.ºs 1 e 2); - pelos danos praticados ainda pelos mesmos entes, se tiverem excedido os limites das suas funções, respondem exclusivamente perante o lesado, o lesante (art. 3.º, n.º 1).

V - Chamado a pronunciar-se, o TC não julgou inconstitucional a interpretação segundo a qual a norma do art. 2.º, n.º 1, daquele DL, exclui a legitimidade judiciária passiva de funcionários ou agentes do Estado e demais entidades públicas, nos casos em que se procure determinar a responsabilidade por uma conduta que é imputada a tais funcionários ou agentes a título de mera culpa, e não de dolo – cf. Acs. n.ºs 5/05, de 05-01-2005, e 236/04, de 13-04-2004.

VI - Não procede a excepção de incompetência do tribunal, em razão da matéria, por alegadamente essa competência pertencer aos tribunais administrativos (art. 4.º, n.º 1, als. g) e h), do ETAF), já que a questão da competência material deve ser resolvida tendo em conta a relação jurídica a discutir na acção, mas à luz da estruturação concreta apresentada pelo autor; ora, no caso em apreço os demandantes fundaram o seu pedido de indemnização cível na prática de um crime e, por isso, deduziram-no no processo penal, em função do princípio da adesão da acção civil à acção penal.

VII - Tal como os demandantes configuraram a causa de pedir, é o tribunal criminal o competente para conhecer do pedido de indemnização cível, não sendo relevante para subtrair o conhecimento do pedido à competência material do tribunal criminal as vicissitudes posteriores, nomeadamente o incidente da intervenção principal provocada do recorrente em virtude do qual foi chamado a intervir na acção civil conexa com a acção penal.

VIII - O recorrente, salientando que, no caso, por se tratar de um nascimento sem vida, não ocorrem os danos que são notória e pacificamente reconhecidos como inerentes à perda de um filho nascido com vida e integrado na vida familiar, pretende a redução do valor atribuído a título de danos patrimoniais para € 15 000 [as instâncias fixaram € 50 000, devendo entender-se, na falta de qualquer especificação em contrário, € 25 000, para cada um dos demandantes]; esta indemnização tem por finalidade compensar o desgosto e o sofrimento por aqueles suportados com o inesperado desenlace do parto, através de uma quantia em dinheiro que lhes permita certas satisfações, de ordem material ou não, enquanto naturais contrapontos das dores e angústias passadas e da persistente tristeza.

IX - Sendo inquestionável que são muito importantes os danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes a requerer compensação condigna, na sua fixação não se deve, porém, desconsiderar os critérios geralmente seguidos por este Tribunal na fixação da indemnização por danos não patrimoniais em casos de morte no âmbito de relações filiais e parentais – cf. Acs. de 03-09-2008, Proc. n.º 2389/08 - 3.ª (€ 30 000), e de 09-10-2008, Proc. n.º 4692/07 - 2.ª (€ 10 000) –, pelo que, em termos de equidade, fixa-se em € 17 500, para cada um dos demandantes, a indemnização que, a esse título, lhes é devida.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1. No processo identificado em epígrafe, do Tribunal Judicial de Viseu: 1.1. O Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum e com intervenção do tribunal singular, das arguidas AA, BB, CC imputando-lhes a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º do Código Penal.

1.2. DD e EE deduziram, em 06/06/2006, pedido de indemnização civil contra as arguidas, fundado na prática do crime, pedindo a condenação delas no pagamento da quantia de € 50.000, pelos danos morais sofridos, e da quantia de € 75.000, a título de compensação pelo direito à vida do seu filho falecido, acrescidas de juros de mora desde a notificação, até integral pagamento.

1.3. Em 25/09/2006 foi proferido despacho a designar dia para julgamento.

1.4. A arguida BB contestou, alegando, em síntese, que em todo o seu procedimento seguiu as normas instituídas na unidade hospitalar onde desempenhava funções, tendo a parturiente sido seguida e monitorizada de acordo com essas normas, e que, quando foi detectada a possibilidade de o feto se encontrar afectado, desencadeou os procedimentos normais e chamou o médico obstetra que determinou uma cesariana de urgência.

Concluiu pela sua absolvição.

1.5. A arguida AA apresentou contestação afirmando, no essencial, que durante todo o período de trabalho de parto observou e adoptou todas as regras e procedimentos da praxis médica e que a morte do recém-nascido só pode ser atribuído a um lamentável acidente a que a sua actuação é alheia.

Concluiu pela sua absolvição.

1.6. A arguida CC apresentou contestação, alegando que cumpriu e respeitou todas as práticas médicas correntes e exigíveis, tendo feito exactamente o mesmo que em todas as centenas de ocasiões por si vividas. Referiu, ainda, que se houve atraso na realização do parto e se isso teve ou não consequências graves para o nascimento, tal facto não lhe é imputável, na medida em que cabe aos médicos que estavam de serviço a responsabilidade pelo acompanhamento clínico e realização do parto.

Concluiu pela sua absolvição.

1.7. A arguida e demandada AA deduziu o incidente da intervenção principal provocada de FF – Companhia de Seguros, S.A., vindo a ser admitida a intervenção provocada da seguradora.

1.8. A seguradora contestou e, a título de excepção, invocou a sua ilegitimidade e a da demandada AA, na medida em que a actuação desta ocorreu no âmbito da assistência médica que prestou enquanto desempenhava funções no Hospital GG. Por esse facto, e ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.1967, que regula a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, as acções relativas a responsabilidade civil extracontratual deve ser exercida exclusivamente contra a pessoa colectiva pública ao serviço da qual foi praticado o acto.

1.9. Posteriormente, em 21/01/2008, os demandantes DD e EE requereram a intervenção principal provocada do Hospital GG, E.P.E.

1.10. Admitida a intervenção, foi o Hospital GG, E.P.E., citado, nos termos do artigo 327.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), vindo aos autos declarar fazer seus os articulados das arguidas/demandadas e invocar a prescrição do direito à indemnização, contra si deduzido, por os factos serem de 1999 e apenas ter sido notificada em 11.02.2008.

  1. Por sentença de 29/07/2008, foi decidido, no que, agora, importa destacar: Julgar improcedente a excepção da prescrição do direito à...

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