Acórdão nº 024/09 de Tribunal dos Conflitos, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal dos Conflitos

Conflito Negativo de Jurisdição, entre o 1º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do ... e os Tribunais Administrativos e Fiscais.

Requerentes – A… e B….

No 1º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do ..., mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o tribunal colectivo, o Arguido C… , identificado nos autos.

No âmbito do referido processo, foi, pelos assistentes A… e B…, deduzido Pedido de indemnização civil, contra: - Município do ..., - Câmara Municipal do ..., - D…, Presidente da Câmara Municipal do ..., - E…, Vereador da Câmara Municipal do ..., - E…, Vereador da Câmara Municipal do ..., - F…, Vereador da Câmara Municipal do ..., - G…, Directora do DSIT do Município do ..., - C…, arguido.

A final, foi decidido: a) - Absolver o arguido C… de um crime de homicídio negligente e de outro de infracção negligente de regras de construção, previstos, respectivamente, nos artigos 131º n° 1 e 277° n°1, al. a) e n° 3 do Código Penal; b) Condenar o Município do ...

a pagar aos assistentes A… e B…a indemnização global de duzentos e cinquenta mil quinhentos e quarenta e seis euros e quinze cêntimos da qual a quantia de setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos (74.819,68€) pertence em exclusivo à assistente A…. a quantia de quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e oito cêntimos (49.879,78€) pertence em exclusivo ao assistente B…, sendo os restantes cento e vinte e cinco mil oitocentos e quarenta e seis euros e sessenta e nove cêntimos (125.864,69€) atribuídos aos assistentes em conjunto; c) Condenar o Município do ...

a pagar juros de mora à taxa supletiva para obrigações de natureza civil, desde 21 de Dezembro de 2004, sobre a quantia de mil cento e quarenta e sete euros e vinte e três cêntimos (1.147,23€), desde a leitura da presente decisão, sobre a restante indemnização, uma vez transitada em julgado; d) Absolver o Município do ...

do remanescente pedido de indemnização civil formulado e não contemplado nas duas alíneas anteriores; e) Julgar extinto pedido de indemnização civil formulado contra a Câmara Municipal do ...

por falta de personalidade jurídica; f) Absolver do pedido de indemnização civil os demandados D…, E…, F… e G…*** Inconformado com o assim decidido, na parte em que se condenou parcialmente o Município do ..., demandado no pedido de indemnização civil contra si formulado pelos assistentes, sem embargo da absolvição do arguido em sede de responsabilidade criminal, MUNICÍPIO DO ... interpôs recurso, para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Além do mais, questionou a competência material do Tribunal por entender que, tratando-se de um acto de gestão pública, e tendo em conta a conduta que lhe é assacada a competência radica nos tribunais administrativos – ex vi da al. h) do n° 1 do art. 51º do ETAF de 1984, vigente à data do pedido.

A Relação de Lisboa, por Acórdão de 24.3.2009 – fls. 3603 a 3665 – decidiu: “Conceder provimento ao recurso interposto pelo demandado MUNICÍPIO DO ..., no que concerne à questão da competência material dos tribunais judiciais para conhecer do mérito da acção cível enxertada, intentada pelos Assistentes/demandantes contra o demandado MUNICÍPIO DO ...

e, consequentemente, decidem absolver o Demandado da instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 105°, 288°, n.° 1. al. a) e 493°, n° 2, todos do Código de Processo Civil, por referência aos arts. 101º e segs., 494º, al. a) e 495º do mesmo Código e ao art. 51°, alínea h) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pelo Dec.-Lei n° 129/84, de 27 de Abril.”*** Os assistentes/requerentes do pedido cível, inconformados com tal decisão, recorreram para o Tribunal de Conflitos – art. 107°, n° 2 do Código de Processo Civil.

Alegando formularam as seguintes conclusões (fls. 3693 a 3719): 1. O douto acórdão recorrido afasta expressamente a aplicação ao presente caso da Reforma do Contencioso Administrativo introduzida pela Lei n° 13/2002, de 19 de Fevereiro que aprovou o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2004.

2. Isto porque, à data da dedução do pedido cível formulado pelos assistentes, estava em vigor o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pelo Dec. Lei n° 129/84 de 27 de Abril.

3. Deste modo, considera o douto acórdão recorrido que a questão fundamental a decidir, "está, portanto, em saber se os prejuízos de que os assistentes pretendem ser indemnizados pelo Município do ... decorrem de actos de gestão pública ou, pelo contrário resultam de actos de gestão privada".

4. Também assim considera o douto acórdão do Tribunal Judicial do ..., porém concluindo que o acto gerador da obrigação de indemnizar se insere no âmbito da gestão privada do Município e não da sua gestão pública, partindo daí para se pronunciar pela competência material do Tribunal da Comarca do ....

5. Mas acrescenta ainda aquele douto acórdão da 1ª Instância que, mesmo que o acto fosse de gestão pública, mesmo assim o Tribunal Comum (Tribunal Criminal do ...) seria do mesmo modo competente em razão da matéria.

6. Mais se diz no referido douto acórdão da 1ª Instância que, em ambos os casos (gestão privada ou gestão pública) sempre serão de ter em conta na interpretação da lei os princípios da adesão e da suficiência previstos nos arts. 71° e 70° do Código de Processo Penal.

7. Não obstante serem questões inseparáveis, enquanto conceitos de direito a ter em conta na interpretação da competência material do tribunal, (diríamos até que se “fundem” enquanto matéria decidendi), não obstante, dizíamos, poderá ter alguma comodidade apreciar e definir separadamente, por razões de ordem prática, cada uma das referidas matérias.

8.

Gestão pública/gestão privada: O douto Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 5 de Novembro de 1981, in BMJ 311, pág. 195, refere com o maior dos interesses para analisar o caso em apreço: “1- Para a definição do regime de responsabilidade extracontratual do Estado e das restantes pessoas colectivas de direito público, consideram-se: a) Actos de Gestão Privada, os que se compreendem numa actividade em que a pessoa colectiva, despida do poder público, se encontra e actua numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam, e, portanto, nas mesmas condições e no regime em que poderia proceder um particular, com submissão às normas de direito privado; b) Actos de Gestão Pública, os que se compreendem no exercício de um poder público, integrando, eles mesmo, a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção e independentemente, ainda, das regras, técnicas ou de outra natureza, que na prática dos actos devam observados.” 9. Uma vez que nos cumpre (e queremos) defender o douto acórdão da 1ª Instância, tomamos a liberdade de passar a citar: “É entendimento perfilhado em duas decisões do STJ do mesmo Colectivo (STJ de 11 de Dezembro de 2003 e 19 de Outubro de 2004, www.dsi.pt números convencionais JSTJ000).

A actuação dos agentes da entidade pública, que fundamenta a responsabilidade desta, ao não tomarem os cuidados que, de outro modo, poderiam ter evitado o dano, não se manifestou no exercício de um poder público de autoridade, mas sim na veste de um simples comportamento particular, em nada diferente da posição em que estaria qualquer pessoa que omitisse um comportamento devido que fosse adequado para evitar um dano. Claro que as obras municipais nas redes de esgotos decorrem das atribuições públicas do Município, como autoridade responsável pela sua construção e conservação.

Simplesmente o que provocou o dano não foi a realização dessas obras mas o comportamento omissivo ilícito de funcionários municipais, contrário ao objecto e finalidades dessas obras. (...) Entendemos portanto que o acto ilícito gerador da pretendida obrigação de indemnização, (...) se insere no âmbito da gestão privada do Município e não da sua gestão pública.” 10. Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, Tomo 1, 10ª edição, pág. 44, e Tomo II 9ª edição, pág. 1198, refere concretamente e considera gestão pública, fundamentalmente, a actividade da Administração regulada pelo direito público, e gestão privada a actividade da Administração que decorre sob a égide do direito privado.

11. E partindo do princípio de que o direito público que disciplina a actividade da administração ser quase todo constituído por leis administrativas, define mais pormenorizadamente gestão pública como a actividade da administração regulada por normas que confiram poderes de autoridade para a prossecução de interesses públicos, disciplinem o seu exercício ou organizem os meios necessários para esse efeito.

12. Depois in Manual citado Tomo 1, pág., 431, considera gestão privada a actividade desenvolvida pela Administração no exercício da sua capacidade de direito privado, procedendo como qualquer outra pessoa no uso das faculdades concedidas por esse direito, ou seja, pelo direito civil ou comercial.

13. Sobre esta questão, ainda Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 2ª edição, vol. 1, pág. 523: “...actos de gestão privada aqueles em que o Estado ou a pessoa colectiva pública intervém como simples particular, despido do seu poder público.” E o mesmo autor: “...tais actos (os de gestão privada) são, de modo geral aqueles que embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam para a hipótese de serem praticadas por simples particulares.” 14. Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103°, págs. 350 e 351: “Se ele (o acto) se compreende numa actividade de direito privado da pessoa colectiva pública, da mesma natureza da actividade de direito privado desenvolvida por um particular o...

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