Acórdão nº 778/17.2T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora *** I. Relatório.

AA, Lda., intentou a presente ação declarativa comum contra a Universidade …, pedindo que se declare válida a resolução do contrato denominado de prestação de serviços entre as partes alegadamente celebrado, por incumprimento e culpa exclusiva da Ré e, em consequência, que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €16.399,98, acrescida de juros de mora, bem como em todos os prejuízos advenientes a Autora em relação ao contrato que esta formou com o IPMAI.

Alegou, em síntese, ter celebrado com a Ré, em 1 de outubro de 2015, um contrato denominado de prestação de serviços, ao abrigo de um sistema de incentivos à investigação e desenvolvimento tecnológico do programa regional centro, apoiado pelo FEDER, no âmbito do qual a Ré se obrigou a fornecer à A. serviços de consultoria e de desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento de um software para registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciada (a partir de fotografia aérea) e para fusão de superfícies.

A Ré comprometeu-se ainda a dinamizar todas as atividades conducentes ao desenvolvimento de um programa informático (software) que permita completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas em veículos aéreos não tripulados (UAV - unmanned serial vehicles).

Todo este projeto de desenvolvimento do software seria realizado nas instalações da R.

Em contrapartida a A. obrigou-se a pagar à R., em três tranches a quantia global de 20 000€, à qual acresce o IVA à taxa legal em vigor, tendo a A. efetuado o pagamento à R. das duas primeiras prestações no valor de 8 199,99€, cada uma.

A Autora, em 06/01/2017, resolveu o contrato com a R. por incumprimento culposo desta, visto ter sido ultrapassado o prazo estipulado sem o software ser entregue; ter sido ultrapassado o prazo adicional ao financiamento que consistia em encerrar o projeto em 90 dias contados do termo inicial; e ter perdido o interesse no projeto.

Citada, a Ré contestou, invocando a incompetência material do Tribunal para dirimir a questão em apreço, por ser uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, configurando o contrato celebrado pelas partes um contrato de natureza administrativa pelo que a competência para apreciar da sua validade e execução compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Respondeu a Autora, pugnando pela improcedência da exceção, defendendo que a relação jurídica em causa tem natureza privada, não estando sujeita a regras de direito administrativo.

No despacho saneador foi julgada procedente a invocada exceção de incompetência absoluta, considerando o tribunal incompetente, em razão da matéria, e absolveu-se a Ré da instância.

Inconformada com este despacho, veio a Autora interpor o presente recurso, formulando, no essencial, as seguintes conclusões: 1. A competência material do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica material ou subjacente tal como é apresentada pela A. na petição inicial, isto é, no confronto entre o pedido e a causa de pedir.

A competência dos tribunais da ordem judicial tem natureza residual, no sentido de que são da sua competência as causas que não estejam legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional (art. 64.º do C. P. Civil).

  1. O contrato dos autos de prestação de serviços estabelecido entre a A., empresa privada, e a R, entidade pública, no âmbito da qual aquela encomendou determinado serviços a esta, consubstancia um negócio jurídico de natureza privada, sujeito às disposições do direito civil, por não constituir, modificar ou extinguir qualquer relação de natureza jurídico administrativa.

  2. A competência dos tribunais administrativos é condicionada à existência de um litígio emergente de relações jurídico-administrativas, reguladas por normas materialmente administrativas, no âmbito de atuações de entidades que exercem concretas competências de direito público, dotadas de “ius imperii”.

  3. A causa de pedir nesta ação assenta no alegado incumprimento pela R. do contrato de prestação de serviços, no que diz respeito à falta de cumprimento dos prazos e entrega dos bens em conformidade.

  4. O acento tónico indiciador da natureza administrativa da relação jurídica é colocado, não nem no conteúdo do contrato, nem na qualidade das partes, mas nas regras de procedimento pré-contratuais aplicáveis.

  5. Não tendo o contrato em causa, entre A. e R., nem se vislumbra como é que tal ocorresse, sido submetido a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, configura-se a questão dos autos como relativa ao incumprimento do contrato particular, pelo que não está sujeita à jurisdição administrativa.

  6. Decorre do ETAF a resolução dos litígios sobre a execução dos contratos apenas é da competência dos Tribunais Administrativos quando se verifique alguma das seguintes condições: contratos a respeito dos quais exista lei especial que os submeta ou admita a sua sujeição a um regime pré-contratual de direito público; O objeto do contrato possa ser objeto de ato administrativo; o regime substantivo das relações entre as partes seja total ou parcialmente regulado por normas de direito público; em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes o tenham expressamente submetido a um regime de direito público – cfr. 4º, n.º 1, al. e) e f) do ETAF e Acórdão do Tribunal de Conflitos de 16-9-2010, proferido no processo 013/09 e referências doutrinais aí citadas.

  7. Ora, nada no contrato corresponde ao exercício de poderes de autoridade, nem o mesmo contém qualquer cláusula ou regime decorrente de tal exercício, não se verificando assim (e de modo indiscutível) qualquer das referidas condições.

  8. Na verdade, o contrato de prestação de serviços não podia ser substituído por um ato administrativo – pois não foi praticado no âmbito de poderes de autoridade da ré enquanto concessionária; o regime de tal contrato não contém regras específicas de direito público, nem existe no seu texto qualquer cláusula subordinando o contrato a um regime de direito público. Também não existe lei especial submetendo ou permitindo a sua sujeição a um regime pré-contratual regulado por normas de direito público.

  9. Assim, considera-se que o tribunal “a quo” fez errada interpretação do artigo 4º, n.º1, al. e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redação da L 20/2012 de 14/05, o qual deve ser interpretado nos termos supra referidos.

    Nos termos dos art.s 211º, n.º 1, da Constituição, 18º, n.º 1, da LOFTJ (Lei 3/99, de 13 de Janeiro, republicada em anexo à Lei 105/2003, de 10 de Dezembro) e 66º do Código de Processo Civil, são da competência dos Tribunais Judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

    *** Não foram juntas contra-alegações.

    O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    ***II. Âmbito do Recurso.

    Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se o Tribunal Judicial é materialmente competente para julgar a causa ou se essa competência está atribuída aos Tribunais Administrativos.

    ***III.

    Fundamentação fáctico-jurídica.

  10. Escreveu-se na decisão recorrida: “A questão da competência jurisdicional do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT