Acórdão nº 1927/16.3T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução08 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No processo comum nº 1927/16.3T9FAR, que correu termos, na fase de instrução, no Juízo de Instrução Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, pela Exª Juiz desse Juízo foi proferida, em 28/4/17, a seguinte decisão instrutória: «Findo o inquérito, o Ministério Público decidiu acusar o arguido A, divorciado, nascido a 1 de Janeiro de 1933, em Faro, filho de…, residente na Av.ª…, em Faro, imputando-lhe a prática de um crime de falsificação agravado p. e p. pelo artigo 256.º, n.ºs1, als. b), d) e e), e 3 do Código Penal.

Resulta, em síntese, da acusação deduzida que, em data não concretamente apurada, o arguido, ou alguém a seu mando, alterou o valor aposto, em numerário e em extenso, na letra de câmbio que fora aceite e entregue pelo assistente, passando o seu valor de € 25.000,00 para 139.600,00, o que fez, de modo deliberado e consciente, no propósito de obter um benefício patrimonial à custa do sacado, pese embora soubesse que inquinava a fé pública dos títulos de crédito e que a sua conduta era proibida e punida por lei.

* Inconformado, o arguido, A, veio requerer a abertura de instrução (fls. 647 e ss).

Para tanto, o arguido sustenta, em primeiro lugar, a nulidade insanável decorrente da reabertura do inquérito, nos termos do disposto pela al. d) do artigo 119.º do Código de Processo Penal (CPP), porquanto não fundada em factos novos e/ou novos meios de prova, assentando antes nos elementos probatórios já apreciados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento anterior.

Assim não se entendendo, o arguido sustenta que a “repetição” integral do inquérito, sem novos factos, gera a sua nulidade, por insuficiência, nos termos do disposto nos artigos 118.º, n.º 1, 120.º, n.ºs 1, 2, al. d) e 3, al. c), do CPP.

Em segundo lugar, o arguido sustenta que a dedução de acusação viola o princípio do caso julgado, nos termos do disposto no artigo 279.º, a contrario, 286.º, n.º 1 e 290.º do CPP, e ainda os artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 4.º do CPP, pois que o despacho de arquivamento e decisão instrutória anteriores versam sobre os mesmos factos ora em discussão e apreciaram os mesmos meios de prova. Assim, a acusação violou o disposto no artigo 29.º da CRP que proíbe a repetição do julgamento da mesma pessoa pelos mesmos factos, e padece de inconstitucionalidade material.

Em terceiro lugar, no que toca aos factos, o arguido sustenta novamente que o Ministério Público, com a dedução de acusação, contrariou, sem novos elementos, o seu anterior juízo de insuficiência dos indícios, que se mantém inalterado, já que a versão do assistente, contraditória, e contrária à sua, não se mostra corroborada por quaisquer elementos probatórios testemunhais ou periciais, nem é credível à luz das regras da experiência e senso comum, fazendo antever, à luz do in dúbio pro reo, a sua a absolvição em sede de julgamento.

Conclui, pedindo a sua não pronúncia.

Não foi apresentado requerimento probatório.

* Foi declarada aberta a instrução.

Não tendo sido requeridas, nem se mostrando útil a realização de quaisquer actos instrutórios, atenta a natureza da matéria invocada em sede de instrução, designou-se data para realização de debate instrutório, que decorreu como da respectiva acta consta.

* Cumpre proferir decisão instrutória.

De acordo com o disposto no artigo 286º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da dedução de acusação ou do arquivamento do inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento.

Tem-se em vista, nesta fase processual, a formulação de um juízo seguro sobre a suficiência dos indícios recolhidos nos autos relativos à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (artº 308º, n.º1, do Código de Processo Penal), ou seja, de se ter verificado um crime imputável ao arguido. Concluindo se pela suficiência dos indícios recolhidos haverá que proferir despacho de pronúncia, caso contrário, o despacho será de não pronúncia.

Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios decorrente da inexistência de factos típicos e ilícitos, da sua não punibilidade, da ausência de responsabilidade do arguido ou da insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.

Quanto à pronúncia, a sua sustentação deverá buscar-se nos vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele. Aliás, os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes de modo que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado.

* Na presente instrução, as questões colocadas pelo arguido apreciar-se-ão, atenta a sua natureza, em ordem sucessiva; começando-se pelas nulidades e excepções suscitadas, após o que; estas improcedendo, apreciar-se-á, em prol dos fins desta instrução, o mérito dos indícios para conduzir no sentido imputado na acusação pública deduzida nos autos.

Da questão prévia da inadmissibilidade da reabertura do inquérito.

Tal como supra se expôs, o arguido sustenta, nos termos da al. d) do artigo 119.º do CPP, a nulidade insanável da reabertura do inquérito, uma vez que não se fundou em factos novos ou novos meios de prova.

De salientar que a al. d) do artigo 119.º do CPP prevê a falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determina a sua obrigatoriedade, como fundamento de nulidade insanável.

No caso dos autos, é claro que não se verifica falta absoluta de inquérito a gerar a nulidade insanável dos autos. Aquilo que o arguido pretende discutir são os fundamentos da reabertura do inquérito, nos termos do disposto pelo artigo 279.º do CPP.

De acordo com a norma em referência, esgotado o prazo para deduzir intervenção hierárquica, o inquérito só pode ser reaberto se surgirem novos meios de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento, cabendo reclamação hierárquica do despacho do MP que deferir ou recusar a reabertura do inquérito.

Mau grado a discussão que existe em torno da noção de “novos elementos de prova” a que alude o artigo 279.º do CPP e do efeito de caso julgado ou caso decidido (na formulação de Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 2011 – 4.ª edição) do despacho de arquivamento, o certo é que a apreciação da questão (da reabertura do inquérito) é da competência exclusiva do Ministério Público, enquanto titular da acção penal; aliás, conforme linearmente resulta do n.º 2 do predito artigo 279.º, que, como se frisou, oferece a possibilidade de reclamação para o imediato superior hierárquico do despacho que defere ou recusa a reabertura do inquérito.

Como resulta da estrutura acusatória da nossa lei processual criminal, com consagração constitucional (artigo 32.º, n.º 5, da C.R.P.), o Ministério Público é livre, na esfera legal e estatutária em que se move, de levar a cabo, por si mesmo ou pelos órgãos de polícia criminal que actuem sob a sua alçada, as diligências que entender por convenientes, tendo em vista a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito (artigos 53.º e 267.º, ambos do C.P.P.).

Assim, a partir do momento em que o inquérito visa “…investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação” (artigo 262.º, n.º 1, do C.P.P.), e que a instrução, de carácter facultativo, visa “…a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento” (artigo 286.º, n.º 1, do C.P.P.), necessário é concluir que esta fase processual não assume a natureza de investigação criminal, pelo que não poderia impedir a fase que a antecede daquela sua função.

Aliás, de acordo com o entendimento do TRL, nos acórdãos de 14 de Novembro de 2007 e de 7 de Janeiro de 2009 (disponíveis em www.dgsi.pt,), a competência para apreciação do requerimento para reabertura do inquérito pertence ao Ministério Público (mesmo que depois de proferido despacho de não pronúncia), sendo nulo, nos termos do disposto na al. e) do artigo 119.º do CPP, o despacho do juiz que o aprecia.

Considerando as afinidades com o caso em apreço, e atenta a sua simplicidade, reproduz-se, infra, o resumo dos citados arestos: “Tendo sido requerida a abertura de instrução na sequência de arquivamento dos autos pelo MP, nos termos do art. 277.º, n.º 1, do CPP, e tendo sido tal requerimento indeferido, a apreciação de posterior requerimento para reabertura do inquérito ao abrigo do art. 279.º, pertence ao magistrado do MP, ao qual deverão os autos ser remetidos, e não ao juiz de instrução” (Ac. TRL de 14/11/2007).

“É da competência do Ministério Público decidir quanto à verificação dos pressupostos de que depende a reabertura do inquérito e deferir ou indeferir o respectivo requerimento.

É nulo por violação das regras de competência do tribunal, nos termos do disposto no artº 119º, al. e) do CPP, o despacho do juiz que indeferiu o requerimento do assistente, pedindo a reabertura do inquérito, com fundamento no trânsito em julgado do despacho que determinou o arquivamento em fase de instrução” (Ac. TRL de 07/01/2009).

Do supra exposto resulta que o Ministério Público conduz livremente a investigação em ordem à decisão de arquivar ou autos ou deduzir acusação, competindo-lhe, em exclusivo, a decisão de reabrir ou não o inquérito (cabendo da decisão reclamação hierárquica). O juiz de instrução criminal, no exercício das suas competências, comprova a decisão de deduzir acusação ou determinar o...

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