Acórdão nº 1130/09.9TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução14 de Junho de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório Veio o Fundo de Garantia Automóvel instaurar acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra P. e M., residentes no Lugar da Portela, Panque, Barcelos, pedindo a condenação das RR. a pagar-lhe a quantia de € 10.857,42, bem como os juros de mora vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento e ainda no pagamento da quantia que se apurar a título de despesas com a liquidação e cobrança do sinistro que se liquidarão em sede e ampliação do pedido ou execução de sentença.

Alega, em síntese, que a 2ª R. é proprietária do veículo XS e a 1ª R. conduzia o mesmo no dia 13.11.2005, tendo dado causa culposamente a um acidente de viação. Como o veículo não tinha seguro, pagou os prejuízos sofridos pelo condutor do outro veículo interveniente no acidente que agora reclama, atento o disposto nos artºs 21º e 25º do DL 522/85.

Apenas a Ré M. contestou, tendo invocado a excepção da prescrição do direito e impugnado os factos alegados pelo A. quanto à culpa na produção do acidente.

O A ofereceu resposta à contestação a fls 72 e ss, alegando que o prazo de prescrição a aplicar é de cinco anos por a conduta danosa da Ré P. integrar todos os requisitos do artigo 291ºdo Código Penal - artigo 118º, nº1, al c) CP e artigo 498º, nº3 CC - pelo que, tendo o acidente ocorrido a 13-11-2005, a prescrição apenas se verificaria a 14-11-2010.

Foi dispensada a elaboração do despacho saneador e realizada audiência de julgamento de acordo com os formalismos legais.

A final foi proferida sentença que condenou as RR. P. e M. a pagarem ao A. a quantia de € 10.857,42, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-as do demais peticionado.

A Ré M. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões: 1. Assenta a discordância dos apelantes relativamente à douta sentença em recurso no facto de entender que a decisão sub judice faz uma incorrecta interpretação e aplicação do Direito e ocorreu erro na apreciação da prova.

  1. A recorrente considera ainda incorrectamente julgados os factos que constituem o artigo 38º da contestação, os quais deverão ser respondidos como totalmente PROVADOS.

  2. Esta decisão impõe-se tendo em conta os seguintes meios probatórios:- Depoimentos das testemunhas José (CD/050.11) e Leonel (CD/050.11).

  3. E, não só foram referidos expressamente pelas testemunhas arroladas pela R., como também as testemunhas da A. (o condutor e a sua esposa) referiram nos seus depoimentos o facto de a condutora tripular o veículo sem o conhecimento e o consentimento da sua proprietária, a aqui recorrente.

  4. Ora, estes factos foram plenamente demonstrados e provados, principalmente pelo depoimento da testemunha Leonel (CD/050.11), a qual demonstrou conhecimento presencial dos mesmos.

    Vejamos: (Abreviaturas: “J” – Exmo Senhor Dr. Juiz do Tribunal a quo; “T” – testemunha; “MA” – mandatário do autor; “PR” – patrono da Ré) (...) J: Sr. Dr.

    PR: A toda a matéria Senhora Doutora.

    PR:. Sr. Leonel, portanto, sabe que estamos aqui por causa do acidente. Como é que o Sr. teve conhecimento do acidente? O que é que se passou? T: Eu tive conhecimento do acidente, estava na casa do meu pai. Estivemos lá a comer todos ao meio dia. E também estava a P. e mãe.

    PR: A P., a condutora? T: Sim, sim.

    PR: A filha da Dona, a filha da Dona M.? Sua sobrinha, sim? T: Sim.

    PR: Estavam, estavam todos lá. Almoçaram lá todos, sim? T: E depois ela saiu. Não sei, seriam duas horas, três horas. Depois saiu de lá da casa do meu pai. Não sabíamos, pensávamos que ela que tinha ido para casa da mãe e depois… PR: Mas, a Dona M. continuou lá convosco? T: Sim, sim, sim. E depois é que eu soube, já mais tarde, que ela que tinha tido, fugido com o carro da mãe, tinha tido um acidente.

    PR: Portanto, porque é que o Sr., porque é que o Sr. diz que fugiu com o carro da mãe? T: Diz que ia para o café, que ia ao café PR: Certo. Mas o Sr. diz que fugiu com o carro da mãe. Quer dizer que a mãe sabia que ela que… T: Ah, não, não, não, não eu nunca a tinha visto sequer a andar no carro PR: O Sr. nem sabia. O Sr. como esteve lá, almoçaram lá todos, portanto, a sua sobrinha saiu. A sua sobrinha antes de sair pediu à mãe, “ó mãe dar uma volta no teu carro”? T: Ah, não, não, não. Isso não sei porque eu não ouvi nada não posso dizer, não PR: Só estou a perguntar se o Sr. a ouviu a dizer? T: Ah não, não.

    PR: O Sr. estava lá presente? T: Estava, sim, sim.

    PR: Pronto… T: Estava eu e mais família.

    PR: Pronto, olhe. E quando o Sr. soube que ela tinha tido o acidente o Sr. estava junto da Dona M.? T: Não, nessa altura já não estava.

    PR: Já não estava … T: …Já tinha saído PR: Já tinha saído? T: Já PR: Mas, olhe. Mas, mas falou, falaram alguma coisa depois com… T: Não. Só soube depois à noite, já no fim do acidente é que eu soube. É que vi o carro depois em casa lá, amassado que eu não sabia de nada PR: E falou com, com a sua irmã sobre isso? Sobre o… T: Não, não, nesse dia não.

    PR: E depois disso, falou com a sua irmã? T: Depois, na segunda-feira, falei.

    PR: E o que é que ela lhe disse? T: Disse que a filha que lhe tinha fugiu com o carro. Que diz que ia para o café do peixe.

    Que vinha o senhor Nicolau e que bateu contra ela. Tinha um contentor do lixo um bocadinho para a estrada, não sei quê, no meio, onde foi o acidente a rectazinha é grande… PR: Sim? T: E o contentor tinha também de um lado, diz que estava um bocadinho… ouvi falar que eu não vi PR: Sim e o que ouvi falar, diga lá? T: E depois disseram… PR: Mas e o que é que ouvi falar desse contentor diga lá? Explique melhor T: Que estava um bocadinho para fora da valeta PR: Sim? T: E que podia também causar o acidente.

    PR: Que obrigou a sua sobrinha a desviar-se. Onde é que estaria esse, esse contentor? T: Não, estava do outro lado do senhor Nicolau, o senhor Nicolau ia numa recta (….) 6. Como tal, foi produzida prova que demonstrou e provou este concreto e específico facto, o qual deverá ser considerado como provado.

  5. Deve assim acrescentar-se à matéria de facto provada mais um número, contendo aqueles factos alegados pela recorrente e demonstrados em sede de audiência de discussão e julgamento, a saber: 25º- A P. CONDUZIA O XS SEM AUTORIZAÇÃO, SEM CONHECIMENTO E SEM O CONSENTIMENTO DA 2ª R..” 8. Pretende a A. o reembolso das quantias que pagou, a Nicolau (€ 10.804,18) e a Dekra, S.A. (€ 53,24), juntando para prova de tais pagamentos recibos emitido em 18/01/2006 e 02/01/2006.

  6. Contudo, atento o disposto no nº 2 do artº 498º do C.Civil, encontrava-se prescrito o direito que a A. pretendia exercer através da presente acção.

  7. Na verdade, parece-nos claro que o prazo de prescrição do direito de regresso é o de 3 anos previsto no n.º 2 do art. 498.º do CC, não lhe sendo aplicável o disposto no n.º 3 desse artigo.

  8. Isto pela razão essencial de que este prazo tem em vista a indemnização a favor dos lesados e, por isso, não importa ao caso o facto de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 14/12/2006, dgsi.pt. p. 8124/2006-8, também citado na decisão e, ainda, Ac. da Relação do Porto de 20-12-2005 e Acs. do STJ de 18-12-2003, 28-10-2004, e 04-11-2008, todos em dgsi.pt, procs. 0522423, 03B2757, 04B3385 e 08A3119, respectivamente.

  9. Efectivamente o direito de regresso em causa tem natureza diversa, e é um direito autónomo e independente em relação ao direito do lesado e, pelo menos directa e imediatamente, com os fundamentos deste direito.

  10. O direito de regresso nasce “ex novo”, com o cumprimento do direito à indemnização devida ao ofendido, o qual assim se extinguiu.

  11. Destarte, o momento a partir do qualquer começa a correr o prazo de prescrição daqueles direitos é diverso.

  12. No caso do direito do lesado o dies a quo reporta-se ao momento em que este teve conhecimento do direito que lhe compete.

  13. Já no direito de regresso apenas começa a correr na data do cumprimento da obrigação para com o lesado – pagamento - e inclusive, a partir da data de cada um dos pagamentos efectivados em caso de pluralidade dos mesmos.

  14. Em suma, atentos os fitos das prescrições de curto prazo – certeza, segurança, estabilidade jurídico-social, sanção da inacção do credor e até protecção do devedor – bem como a idiossincrasia própria e o cariz autónomo do direito de regresso por reporte ao direito do lesado, pois que aquele, versus este, não se funda, directa e imediatamente, no facto ilícito de índole criminal, o prazo de prescrição do titular de tal direito não é o atinente a este facto – nº3 do artº 498º do CC – mas antes o prazo de três anos do nº 2 do mesmo normativo.

  15. ...

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