Acórdão nº 70/16.0GBBCLG1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução25 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção Penal) Relatora: Fátima Furtado; Adjunta: Laura Maurício.

  1. RELATÓRIO No processo comum singular nº 70/16.0GBBCL, do juízo local criminal de Barcelos, juiz 1, da comarca de Braga, em que L. L. e R. C., com os demais sinais dos autos, têm, simultaneamente, ambos a qualidade de arguidos e assistentes, na sessão da audiência do dia 9 de janeiro de 2017, foi proferido o seguinte despacho: «Das declarações prestadas pela assistente, resulta indiciado que no dia 24 de Janeiro de 2016, mencionado na acusação pública, o arguido além de atingi-la com duas bofetadas, pegou num copo de vidro e munido desse copo atingiu-a na face, sem que, em algum momento, tenha atirado esse copo na sua direcção, como se alega na acusação pública.

Por este facto não configurar alteração substancial dos factos descritos na acusação pública, determina-se seja dado cumprimento ao disposto no artigo 358.º, nº1 do C.P.Penal.

Notifique.» * Inconformado, o arguido/assistente L. L.

interpôs recurso deste despacho intercalar de 09.012017, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões: 1. «Vem o arguido recorrer do despacho proferido na audiência de julgamento de 09 de Janeiro de 2017, quanto ao alegado modo de execução do crime de que está acusado.

  1. No entender do arguido, e contrariamente ao sustentado pelo Meritíssimo Juiz “a quo” tal alteração é substancial.

  2. A alteração substancial dos factos vem definida no artigo 1º, alínea f), do Código de Processo Penal como “(…) aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

  3. A respeito desta disposição legal, e, muito em particular, do que se possa entender por “crime diverso”, vieram já a jurisprudência e a doutrina enunciar diversos critérios interpretativos da norma.

  4. Assim, a alteração de factos que, não se limitando a concretizar ou a esclarecer os constantes primitivamente da acusação ou da pronúncia, modifique o quadro factual descrito na acusação / pronúncia, e que afecte os direitos do arguido, é substancial.

  5. Mas, sempre que os factos alterados se traduzam numa variação da configuração dos pressupostos da responsabilidade criminal imputada ao arguido (isto é, ao nível da forma de execução do facto típico, do(s) título(s) de comparticipação, e/ou das circunstâncias determinantes do dolo e da consciência da ilicitude criminal), deverão ser tratados como alterações substanciais de factos, donde o critério fundamental, na distinção entre a alteração substancial de factos e a alteração não substancial de factos, residirá, na maior parte das vezes, na alteração de circunstâncias passíveis de relevarem enquanto elementos do tipo penal.

  6. Resumindo, todas as alterações que contendam com a configuração dos elementos essenciais do facto punível não poderão ter o tratamento processual previsto no artigo 358º do Código de Processo Penal, sob pena de a decisão final incorrer na nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

  7. Ora, a acusação foi deduzida com base no auto de denúncia e nas declarações do assistente.

  8. Não há fundamento para a alteração porque, por um lado, foi disso que a assistente se queixou e, por outro lado, a sua admissão implicaria que o arguido fosse acusado dum facto completamente diferente e do qual não existe qualquer prova ou indicio nos autos.

  9. Refira-se a este propósito que nenhuma testemunha assistiu aos factos e que só a assistente e o arguido sobre os mesmos se pronunciaram.

  10. Não é admissível que a acusação seja alterada de acordo com a flutuação de declarações da assistente, sendo certo que o arguido se defendeu duma acusação que aparece agora completamente subvertida.

  11. Não é credível a versão ora apresentada pela assistente uma vez que contraria tudo o que anteriormente alegara e é alicerçada em afirmações vagas que não concretizam o modo de execução da alegada agressão.

  12. A alteração foi promovida depois de ter findado a produção da prova apresentada pelo arguido, coarctando-lhe o exercício integral do seu direito de defesa.

  13. A introdução deste novo facto, independentemente de ser verdadeiro ou não, constitui, objectiva e subjectivamente, uma absoluta surpresa para o arguido e a sua defesa.

  14. Surpresa objectiva na medida em que estão em causa factos nunca antes mencionados, quer na acusação, quer na pronúncia, razão pela qual o arguido não contava que as mesmas pudessem vir a integrar o objecto do processo.

  15. Em face de dúvida insanável quanto à natureza substancial ou não substancial da alteração, o que o arguido entende não ser o caso, deverá o tribunal considerar sempre a alteração como substancial, tendo em conta os princípio da presunção da inocência e do “in dubio pro reo” 17. Em qualquer caso, a interpretação que resultasse da conjugação dos artigos 1º, alínea f), 358º e 359º do Código de Processo Penal, no sentido de ser qualificável e admissível como alteração não substancial dos factos a introdução de factos novos, quando estes digam respeito a um elemento típico do crime ou à sua forma de execução, redundaria em norma materialmente inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, do princípio do acusatório e do princípio do processo justo e equitativo, insito nos artigos 20º, nº 4 e 32º, nºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, o que aqui se deixa expressamente arguido, para todos os efeitos legais.

  16. De qualquer modo, a operada alteração é substancial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1º, alínea f) do Código de Processo Penal, 19. Não podendo ser admitida, nem tomada em conta, para efeito da decisão final a proferir nos presentes autos, atento o disposto nos artigos 359º, nº 1 e 379º, nº 1 alínea b) do Código de Processo Penal.

    Foram violados: - os artigos 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa.

    - Os artigos , 358º, 359º e 379º, todos do Código de Processo Penal.»* O recurso do despacho intercalar foi admitido por despacho datado de 26 de abril de 2017, a subir a final, com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa e efeito devolutivo.

    Respondeu o Ministério Público, pugnado pela improcedência deste recurso.

    *O processo prosseguiu os seus termos, tendo sido terminada a audiência de julgamento e proferida sentença, datada de 10 de maio de 2017 e depositada no mesmo dia, com o seguinte dispositivo: «a) condenar o arguido L. L. pela prática, como autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, e 152º, nº1, alínea a), nºs2, 4 e 5, todos do Código Penal: - na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão; e - na pena acessória de, por qualquer forma, e pelo prazo de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, contactar ou aproximar-se da assistente R. C., incluindo, obviamente, a proibição de o arguido se aproximar ou deslocar-se à residência desta ou ao seu local de trabalho, não podendo aproximar-se desses espaços a menos de 300m, bem assim como de lhe telefonar, enviar mensagens ou qualquer outra forma de comunicação.

    A proibição de contactos será fiscalizada, como determinado pelo nº5, do artigo 152º, do CP, por meios técnicos de controlo à distância (independentemente do consentimento do arguido, face ao superior interesse da vítima – cfr. artigo 36º, nº7, da Lei nº112/2009, de 16 de Setembro).

    1. condenar a arguida R. C. pela prática, como autora material, na forma consumada e continuada, de 1 (um) crime de injúria, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, e 181º, nº1, todos do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), perfazendo o montante global de €350,00 (trezentos e cinquenta euros); c) suspender na sua execução e pelo período de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, a pena de prisão aplicada ao arguido L. L., nos termos do disposto no artigo 50º, nºs1 e 5, do CP, ficando essa suspensão condicionada ao dever de entregar à assistente/demandante R. C., no mesmo prazo de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, contados do trânsito em julgado da presente decisão, de 3/4 do montante de capital respeitante aos danos não patrimoniais do pedido de indemnização civil por ela formulado, nos termos decididos pelo tribunal (cfr. artigos 50º, nºs1 a 4, e 51º, nº1, alínea a), e nº2, este a contrario, ambos do CP), em 34 (trinta e quatro) prestações mensais, iguais e sucessivas, até ao dia 10 (dez) de cada mês, mediante transferência bancária para conta a indicar pela assistente/demandante, devendo comprovar nos autos tal pagamento; d) condenar o arguido L. L. no pagamento das custas processuais, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida (cfr. artigo 513º, nº1, do Código de Processo Penal, e 8º, nº9, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie; e) condenar a arguida R. C. no pagamento das custas processuais, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida (cfr. artigo 513º, nº1, do Código de Processo Penal, e 8º, nº9, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie; f) julgar o pedido de indemnização civil formulado pela assistente/demandante R. C. parcialmente procedente, e, em consequência, condenar o arguido/demandado L. L. no pagamento da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos competentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo de 4% a actualmente aplicável (cfr. Portaria nº291/2003, de 08 de Abril, ex vi artigo 559º, do Código Civil), calculados desde a prolação da presente decisão e até efectivo e integral pagamento, bem como na quantia que vier a liquidar-se em relação à cirurgia de...

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