Acórdão nº 721/16.6GAVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Junho de 2018

Data04 Junho 2018

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 721/16.6GAVNF, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – J2, realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo (transcrição [1]): «3. DECISÃO Pelo exposto, o Tribunal julga procedente, por provada, a acusação pública, em função do que: 1. Condena o arguido, A. S., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 145°, n°s 1, al. a) e 2 ex vi 132°, n° 2, al. h), e 69°, n° 1, al. b), todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, nos termos do art. 50°, n°s 1 e 5 do Código Penal, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 (seis) meses; 2. Condena o arguido A. S., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de omissão de auxílio, p.p. pelo art.° 200°, n.° 1 e 4 do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros).

3. Condena o arguido A. S., pela prática, em autoria material, de uma contraordenação, p.p. pelo art° 17°, n.° 1 e 4 do Código da Estrada, na coima de € 120,00 (cento e vinte) euros.

» 2.

Inconformado, o arguido recorreu dessa decisão, concluindo a motivação nos seguintes termos (transcrição): «CONCLUSÕES: I) O douto Tribunal recorrido deu como provado que o arguido “Sabia que não podia invadir berma existente na via pública, como fez, com pleno conhecimento que a mesma era para utilização dos peões“, no entanto tal facto deveria ter sido como não provado, em face dos elementos constantes do processo, nomeadamente, das fotografias juntas, pela GNR.

II) Com esta alteração, o arguido deve ser absolvido da prática da contraordenação, p. p. pelo art. 17º, n.º 1 e 4 do Código da Estrada, de que vinha acusado, uma vez que não existindo berma não é possível o cometimento da referida contraordenação.

III) O douto Tribunal recorrido deu como provado que: “- O arguido parou o veículo que conduzia ao lado do irmão e do interior disse-lhe “ não te metas na minha vida, que eu fodo-te “, ao que ele respondeu que ir pôr o assunto das partilhas no tribunal, querendo significar que era o juiz quem ia decidir.

- O arguido engrenou a primeira velocidade do veículo que conduzia e avançou na direção do irmão, apertando-o contra o gradeamento da ponte, a sensivelmente a 5 metros do final do gradeamento atento o sentido de marcha em que seguiam.

- O ofendido fugiu na direção de Couto de Cambeses, mas o arguido continuou a marcha e apertou novamente o irmão contra as grades com a parte lateral esquerda da carrinha.

- O ofendido gritou e o arguido, então, recuou e saiu dali em direção a Couto Cambeses.

- O ofendido permaneceu no local com dores, até que pessoa não identificada apareceu ali e chamou o 112, tendo ido de ambulância para o Hospital desta cidade, onde entrou às 13:57.

- Por causa das atitudes do arguido, o ofendido - benf. da SS n.º …478 e do SNS n.º …321 - sofreu No ráquis, sem limitação da mobilidade da coluna dorso-lombar; e No abdómen, cicatriz trófica, mormocrómica no flanco esquerdo com 2 x 0,2 cm de maiores dimensões, lesões que lhe determinaram direta e necessariamente 61 dias de doença, sendo 2 dias com afetação da capacidade de trabalho geral e 61 dias com afetação da capacidade de trabalho profissional, e, como consequência permanente, a cicatriz no flanco esquerdo, que não desfigura de forma grave, - O arguido agiu com o propósito conseguido de maltratar o corpo do ofendido, utilizando um meio (automóvel) que sabia ser idóneo a causar ferimentos graves e até a morte a uma pessoa, bem sabendo que a sua utilização o investia numa situação de superioridade em relação ao ofendido, seu irmão, o que se traduzia no emprego de um meio desleal.

- Não prestou o auxílio que deveria prestar ao seu irmão e que sabia que era necessário, saindo do local sem se importar com o que lhe pudesse ter acontecido e sem que providenciasse socorros para assistir à vítima, bem sabendo que esta poderia estar em perigo para a vida ou mesmo para a integridade física “, mas tais factos deveriam ter sido dados como não provados, uma vez que não foram corroborados por nenhuma testemunha ou outro meio de prova, a não ser o ofendido. Neste caso, deve funcionar o princípio do in dubio pro reu.

IV) Com estas alterações, o arguido deve ser absolvido dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, em concurso real com um crime de omissão de auxílio.

V) No caso de não se entender assim, o que não se concede, então deverão ser reduzidas as penas aplicadas, ao recorrente, em face das circunstâncias que militam a seu favor.

VI) Devem, pois, ser reduzidas as penas aplicadas, quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada, deve a pena de prisão ser reduzida para 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, e a sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor deve ser reduzida para três meses; quanto ao crime de omissão de auxílio, deve a pena de multa ser reduzida para 50 dias de multa, à taxa diária de € 6,00; e quanto à contraordenação, deve a coima aplicada ser reduzida para € 60,00.

VII) Assim, a decisão da douta sentença recorrida violou os artigos 145º, 200º, 70º, 71º, todos do Código Penal e o n.º 1, do artigo 17º do Código da Estrada.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, e substituída por outra, que absolva o recorrente dos crimes de vinha acusado, ou que reduza as penas aplicadas, quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada, para 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, e a sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor para três meses; quanto ao crime de omissão de auxílio para 50 dias de multa, à taxa diária de € 6,00; e quanto à contraordenação, para € 60,00.

FAZENDO ASSIM V. EX.AS JUSTIÇA.» 3. A Exma. Procuradora Adjunta respondeu ao recurso, concluindo a sua contramotivação nos seguintes termos (transcrição): «CONCLUSÕES: I - Da análise das fotografias que a GNR juntou aos autos conclui-se que que não existia qualquer passeio na via, tal como constava da acusação. No entanto, o local onde ocorreram os factos que resultaram provados é uma superfície que ladeia a faixa de rodagem, ainda que não esteja demarcada. - cfr. art.° 1.°, al. b) e n.° 1 do art.° 17.° do Código da Estrada.

Em face do exposto, entendemos que os factos que resultaram provados ocorreram na berma, pelo que, improcede a argumentação do recorrente quanto a esta questão.

II - A decisão sobre a matéria de facto é perfeitamente compatível com as regras da experiência comum, não se tratando de decisão arbitrária, afastada da decorrência da prova em julgamento, antes se revelando uma das leituras possíveis e até a mais adequada, não resultando da mesma que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido, pelo que não ocorreu qualquer violação ao princípio do in dubio pro reo.

III - As penas aplicadas na sentença recorrida não merecem qualquer reparo, tendo respeitado quer as finalidades da punição definidas no art° 40°, n° 1 do Código Penal, quer os critérios legais de escolha e determinação das penas previstos nos art.s 70.° e 71.° do Código Penal, atendendo a todas as circunstâncias relevantes que foram devidamente ponderadas.

IV - Igualmente a coima de € 120,00 (cento e vinte) euros que foi aplicada ao arguido pela contraordenação que o mesmo praticou respeita os critérios legais da sua determinação, sendo perfeitamente justa e adequada.

V - Não foram violadas as normas jurídicas invocadas pelo recorrente nem quaisquer outras.

Termos em que, se V. Exas. julgarem improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida, farão a habitual justiça!» 4.

Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de o recurso merecer provimento parcial, devendo o arguido ser absolvido da contraordenação por que foi condenado, porquanto: - Assiste razão ao recorrente quando alega que o tribunal não podia ter dado como provado que ele invadiu a berma existente na via pública, porquanto resulta da descrição da via efetuada pela GNR, conforme croquis elaborado e fotografias juntas, que a faixa de rodagem ocupava toda a via, não existindo no local onde se deu o embate qualquer berma, termos em que, nesta parte, a matéria de facto deve ser alterada, em conformidade, e o arguido absolvido da contraordenação que lhe vinha imputada.

- Quanto à impugnação da matéria de facto relativa aos crimes pelos quais o recorrente foi condenado, com fundamento no princípio in dubio pro reo, aquele não deu cumprimento aos ónus de especificação impostos pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, pelo que o tribunal ad quem só pode conhecer dos vícios a que alude o art. 410º, n.º 2, do mesmo código, sendo que a decisão em crise se encontra devidamente fundamentada, sendo apreensível o processo lógico-racional que esteve na base da formação da convicção do tribunal, não resultando da mesma que o julgador tenha tido dúvidas insanáveis quanto à matéria fáctica apurada e que, na dúvida, tenha optado por decidir contra o arguido, incorrendo em vício do erro notório na apreciação da prova, a que alude o art. 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, decorrente da violação do princípio in dubio pro reo.

- Pelas razões aduzidas na resposta ao recurso, as penas principais e a pena acessória encontradas pelo tribunal mostram-se justas e adequadas, obedecendo aos critérios legais, pelo que não merecem qualquer censura.

5.

No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT