Acórdão nº 107/18 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 107/2018

Processo n.º 1430/2017

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos de Tribunal arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente a Autoridade Tributária e Aduaneira e recorrida a A., S.G.P.S., S.A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da decisão daquele Tribunal, de 14 de novembro de 2017.

2. Pela Decisão Sumária n.º 11/2018, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não julgar inconstitucional o objeto do recurso. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Como reconhece no seu requerimento de interposição do recurso, a questão de constitucionalidade colocada pela recorrente é idêntica à decidida através do recente Acórdão n.º 267/2017, proferido pela 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.

De resto, foi precisamente com fundamento nesse aresto que o Tribunal a quo recusou a aplicação do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento de Estado para 2016), o qual atribui natureza interpretativa ao disposto no n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, na parte em que determina que não há lugar a quaisquer deduções (nomeadamente, dos pagamentos especiais por conta) aos montantes de tributações autónomas que integram a coleta do IRC.

Nesse Acórdão, entendeu o Tribunal que, ao atribuir natureza interpretativa a essa restrição da possibilidade de dedução à coleta do IRC, a norma do artigo 135.º Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, viola a proibição da retroatividade fiscal, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.

Vale a pena transcrever o passo decisivo da fundamentação:

«[D]o ponto de vista da Constituição, para que uma disciplina normativa auto qualificada como meramente interpretativa seja considerada constitutiva (de novo direito) e, como tal, substancialmente retroativa, basta a verificação de que à norma interpretada na sua primitiva versão pudesse ter sido imputado pelos tribunais um sentido que, na sequência da norma interpretativa, ficou necessariamente excluído (cfr. as decisões do Bundesverfassungsgericht de 2.5.2012 e de 17.12.2013, em BVerfGE 131, 20 [37-38] e 135, 1 [16-17], respetivamente). Com efeito:

“A disciplina clarificadora é constitutiva logo nos casos em que visa excluir a interpretação [da lei preexistente] feita por um tribunal comum – mesmo não se tratando de um tribunal superior –, relativamente a situações passadas. O legislador confere à lei retroativa uma eficácia constitutiva, na medida em que pretende esclarecer para o passado, por via de uma lei com um sentido unívoco, certa afirmação que originou, quanto ao direito aplicável, um entendimento aparentemente não unívoco ou, pelo menos, uma aplicação do mesmo não uniforme. […] Decisivo é que o legislador tenha a intenção de corrigir ou excluir uma dada interpretação [feita pelos tribunais].” (v. BVerfGE 135, 1 [18-19])

É esse precisamente o efeito do artigo 135.º da LOE 2016, ao qualificar como “lei interpretativa” o n.º 21 aditado pelo artigo 133.º ao artigo 88.º do CIRC. Na verdade, e como bem refere a decisão ora recorrida, aquele que representava um certo entendimento jurisprudencial quanto à admissibilidade de deduções ao montante global da coleta de IRC, incluindo nesta o valor das tributações autónomas – como o sufragado nas decisões do CAAD proferidas no âmbito dos processos n.ºs 769/2014-T, 163/2014-T, 219/2015-T e 370/2015 –, deixou de ser admissível à luz do citado n.º 21. Daí ser inequívoco o caráter substancialmente retroativo desse preceito, entendido como lei interpretativa.

Dado o conteúdo gravoso para os contribuintes da nova solução legal – visto que tende a agravar o quantum devido a título de IRC –, a pretensão de a mesma se aplicar a anos fiscais anteriores ao do início da sua vigência mostra-se flagrantemente incompatível com a proibição constitucional de impostos retroativos (cfr. o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição).»

5. A decisão citada está em plena consonância com a mais recente jurisprudência da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional sobre a admissibilidade constitucional de normas que atribuem natureza interpretativa a normas fiscais que agravam os encargos dos contribuintes. Com efeito, no Acórdão n.º 395/2017, decidiu-se julgar inconstitucional, com fundamento na violação do princípio constitucional da não retroatividade dos impostos, o mesmo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, no segmento em que atribui natureza interpretativa ao artigo 88.º, n.º 20, do CIRC.

Os termos em que foi alcançada essa pronúncia não deixam margem para dúvidas sobre a sintonia substancial entre a jurisprudência das duas Secções sobre a matéria aqui em discussão. Atente-se, a esse propósito, no seguinte trecho da fundamentação do Acórdão n.º 395/2017:

«As interpretações legislativas, como vimos, têm a natureza própria do poder de que emanam: não se destinam a dizer ou descobrir o direito vertido na lei interpretada, atividade que pressupõe uma competência jurisdicional, mas a privilegiar o sentido que o legislador entende politicamente mais vantajoso. Sem dúvida que os cidadãos destinatários das leis, designadamente de leis com uma vocação ablativa, não devem ter qualquer expectativa de que estas sejam, ou possam vir a ser, interpretadas no sentido que lhes é mais favorável; não existe, nem sequer nos domínios penal ou fiscal, um qualquer «princípio da interpretação mais favorável» ao cidadão. Mas têm a expectativa legítima, na qualidade de destinatários da lei, de formarem uma convicção sobre o direito nela vertido e de agirem com base nessa convicção jurídica — assim como, na eventualidade de se verificar um litígio, de recorrerem aos tribunais para que estes apreciem, no uso da autoridade jurisdicional que exclusivamente lhes cabe, e no âmbito de um processo de partes com igualdade de armas, o mérito jurídico do seu ponto de vista no caso concreto. Por outras palavras, os destinatários das leis têm a expectativa legítima de que estas sejam objeto de uma interpretação jurídica, porque é nesses exatos termos — enquanto sujeitos de direito — que aquelas se lhes dirigem. Ao consagrarem um sentido por razões de ordem política — constitutivas e não declarativas de direito —, as leis interpretativas frustram essa expectativa legítima dos cidadãos na juridicidade, adversariabilidade e justiciabilidade da sua relação com a lei.

Não é outro, segundo se crê, o alcance das seguintes palavras que constam do Acórdão n.º 172/2000, referidas pelo recorrente nas suas alegações:

[A] vinculação interpretativa que [as] leis [interpretativas] comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas e já aplicadas noutros casos (como acontece na situação presente) leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica.”

Em termos gerais, pois, e ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, as leis interpretativas devem ter-se por abrangidas pela proibição constitucional da retroatividade em matéria fiscal.»

Não havendo qualquer razão para divergir desta jurisprudência uniforme e recente, impõe-se reiterá-la através de decisão sumária, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.»

3. De tal decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, através de um extenso requerimento com as seguintes conclusões:

«A. Não se conforma a Recorrente, aqui Reclamante, com a decisão sumária proferida, por duas ordens de razão.

B. Em (1) primeiro lugar porquanto o Tribunal faz uma errada interpretação do caráter interpretativo daquela norma e, bem assim, da figura do efeito interpretativo em sede de Direito Fiscal,

C. em (2) segundo porque ao fazer uma interpretação como aquela que este acórdão sufraga, chega a um resultado, este sim, inconstitucional e cuja questão que se situa a montante, i.e., «à luz das normas vigente à data dos fatos tributários, era constitucional uma interpretação que permitisse deduzir à coleta produzida pela Tributações autónomas os pagamentos especiais por conta e os benefícios fiscais

D. a nosso ver não, na medida em que tal solução colide frontalmente com o principio da igualdade e valida, por conseguinte, um resultado inconstitucional, quando comparadas duas entidades, uma que incorre em despesas consideradas abusivas, e por conseguinte, sujeitas a tributação autónoma e outra que não incorre em tais despesas.

E. Ambas as questões são indissociáveis para a correta aplicação da Lei e com respaldo no texto Constitucional, ou seja, não podem ser analisadas separadamente.

F. Porém, antes cumpre analisar critica e juridicamente o fundamento decisório do acórdão 267/2017, o qual recorde-se tem voto de vencido.

G. A tese e o trilho de fundamentação em que se escora o Acórdão ora em análise, para concluir que o n.º 21 do art.º 88.º do CIRC, ao qual foi atribuído efeito interpretativo é inconstitucional por violação do princípio da não retroatividade das leis fiscais,

H. O mesmo assenta numa teoria em que a lei interpretativa se estriba exclusivamente na...

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