Acórdão nº 01060/16.8BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução28 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.– Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A…………., S.A.

, com os demais sinais dos autos, visando a revogação da sentença de 30/04/2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação intentada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) referentes aos exercícios de 2013 e 2014, no que se refere ao valor liquidado a título de tributações autónomas, no montante de €20.633,92 e de €11.242,41, respectivamente.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A………….., S.A., as seguintes conclusões:

  1. A questão suscitada na impugnação, consiste em saber se decorria de alguma norma do CIRC que o PEC (assim como as demais deduções referidas no artigo 90.º, n.º 2, do citado Código) realizado num dado ano não podia ser deduzido à coleta de IRC apurada nesse ano, incluindo nessa coleta os montantes já pagos a título de tributações autónomas em sede de IRC.

  2. O tribunal recorrido considerou que « a solução normativa do artigo 90.º, n.º 2 do CIRC, interpretada num sentido puramente literal, como pretende a Impugnante, poderia abranger quer a liquidação do IRC, quer a liquidação das tributações autónomas, mas isso, como se viu, não se coaduna com o espírito da lei, nem é conforme às especificidades e natureza próprias das tributações autónomas e às finalidades subjacentes ao pagamento especial por conta», devendo pois tal disposição ser interpretada «de modo a restringir a remissão que faz para o n.º 1 do artigo 90.º, n.º 1 CIRC ao montante da coleta do IRC stricto sensu (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 87.º do CIRC à matéria coletável) e não aos montantes apurados a título de tributações autónomas (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 88.º do CIRC)».

  3. Assim, o objeto do presente recurso não versa, propriamente, sobre o efeito da norma do artigo 135.º da LOE 2016, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma da 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pelo artigo 133.º da citada Lei, segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de PEC nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016; Embora, reflexamente, a questão seja exactamente essa.

  4. A tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas efetuadas pela empresa, não visando a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico, mas antes desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa, constituindo, portanto, um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável, mas ainda assim, revelador da capacidade contributiva.

  5. Porém, a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC.

  6. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, por via do art.º 133º da LOE/2016 – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas, sendo inovadora e diminuindo as possibilidades de o contribuinte realizar deduções à coleta de IRC.

  7. O juízo de inconstitucionalidade acerca das “interpretações autênticas” determinadas pelo art.º 135º, no que se refere à solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da mesma LOE 2016, foi já objeto de, pelo menos, duas pronúncias do Tribunal Constitucional: a primeira, no acórdão n.º 267/2017; e a segunda, reafirmada na decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 11/2018 e confirmada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018; E em ambos os casos, foi julgado inconstitucional por violação da proibição da retroatividade dos impostos, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao disposto no n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, na parte em que determina que não há lugar a quaisquer deduções (nomeadamente, dos pagamentos especiais por conta) aos montantes de tributações autónomas que integram a coleta do IRC.

  8. Mesmo que lograsse essa demonstração de se estar perante uma lei (a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC) interpretativa autêntica (por oposição a lei interpretativa só de nome), ainda assim a eventual pretensão de atribuição de carácter retroactivo a esta norma não se coadunaria com a proibição constitucional de retroactividade da lei fiscal.

  9. Resulta do artigo 11.º da Lei Geral Tributária que a interpretação da lei fiscal deve ser efectuada atendendo aos princípios gerais de interpretação, estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil , nos seguintes termos: «1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo», mas, «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal» devendo o intérprete «presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».

  10. Ao restringir a remissão que o nº 2 faz para o n.º 1 do artigo 90.º, CIRC ao montante da coleta do IRC stricto sensu (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 87.º do CIRC à matéria coletável) excluindo os montantes apurados a título de tributações autónomas (mediante a aplicação das taxas previstas no artigo 88.º do CIRC)», a sentença recorrida violou a referida disposição legal, e bem assim, o disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária e o artigo 9.º do Código Civil.

  11. Atendendo ao elemento literal da norma constante do artigo 90.º, n.º 2 d) do Código do IRC, ao montante da colecta de IRC apurado, é dedutível Ao que acresce que, *É que, por um lado, o pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º daquele Código, uma vez que, no apuramento do lucro tributável incluem-se as despesas, gastos e encargos previstos no artigo 88.º do Código do IRC, as quais, no entanto, são objecto de tributação autónoma, não existindo no Código do IRC qualquer norma especial aplicável à liquidação das tributações autónomas, que nos permita concluir pela inaplicabilidade da norma geral estabelecida no artigo 90.º do Código do IRC.

  12. De facto, a liquidação das tributações autónomas tem a mesma base legal que a liquidação de IRC - é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º, n.º 1 do Código do IRC - sendo, no entanto, a matéria colectável e as taxas de tributação aplicáveis diversas, o que de resto a própria Administração Tributária sempre assumiu, Cfr. Informação n.º 1221/2012, proferida no âmbito do processo de consulta à AT, sancionada em 16 de Julho de 2012.

  13. Em consequência, e tendo em conta uma interpretação literal das normas envolvidas, apenas é possível concluir que prevendo-se na alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC que “Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada: (…) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º”; do ponto vista literal, o PEC deve ser deduzido à colecta (de IRC, incluindo as tributações autónomas).

  14. Assim, tendo em conta que a colecta de IRC inclui as despesas, gastos e encargos objecto de tributação autónoma (Embora as taxas de tributação autónoma não sejam dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 23.-A, n.º 1 a) do Código do IRC), então, atento o disposto no n.º 2 d) do artigo 90.º da Código do IRC, o PEC deve ser deduzido à colecta de IRC apurada, que abrange as taxas de tributação autónoma devidas.

  15. O propósito subjacente à criação das taxas de tributação autónoma é o combate à evasão fiscal, o que foi de resto expressamente assumido pelo legislador na Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.

  16. A autonomia da Tributação Autónoma, restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90.º, referente às formas de liquidação do IRC e aplicável ao apuramento do imposto devido em todas as situações prevista no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10), razão pela qual se aplica também à liquidação do montante das tributações autónomas, por não haver qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

  17. Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, na ausência de norma especial relativamente à forma de liquidação das taxas de tributação autónoma, esta deverá processar-se nos termos gerais previstos no Código do IRC, por força do princípio da legalidade tributária, que resulta do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa e do...

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