Acórdão nº 023/20.3BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 347/2019-T Recorrente: “A………… - Holding, S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 23 de Janeiro de 2020 no processo n.º 347/2019-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=347%2F2019&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=4597.), invocando oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida pelo CAAD em 23 de Abril de 2019, no processo n.º 661/2018-T, já transitada em julgado (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPageSize=100&listPage=40&id=4108.).

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «A. Pelo presente meio, vem a Recorrente interpor recurso da decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 347/2019-T, em 23 de Janeiro de 2020, a qual se encontra em oposição com a decisão arbitral, proferida no âmbito do Processo n.º 661/2018-T, em 23 de Abril de 2019, quanto à questão de saber se há lugar, em sede de IRC, à dedução à colecta produzida pelas taxas de tributação autónoma dos benefícios fiscais apurados no âmbito do SIFIDE.

  1. A oposição de decisões em apreço tem por base a identidade substancial das situações fáticas, sem que tenha havido qualquer alteração da regulamentação jurídica, sendo certo que, em ambas as decisões arbitrais, há uma pronúncia expressa sobre a mesma questão fundamental de direito.

  2. Do confronto entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento, resulta evidente que foram proferidas decisões antagónicas quanto à mesma questão fundamental de direito.

  3. Na decisão arbitral recorrida julgou-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Recorrente, com fundamento numa breve caracterização das tributações autónomas enquanto excepção ao princípio da tributação pelo rendimento e à ratio subjacente à sua criação.

  4. Em sentido inverso, a decisão arbitral fundamento veio conceder provimento ao pedido de pronúncia arbitral apresentado, com base no entendimento de que as despesas de investimento consideradas no âmbito do SIFIDE são dedutíveis à globalidade da colecta de IRC, a qual engloba, designadamente, as tributações autónomas.

  5. Para o efeito, a decisão arbitral fundamento sustenta que “(...) sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar a liquidação de IRC”.

  6. Pelo que deverá considerar-se aplicável o disposto no artigo 90.º relativamente à liquidação das tributações autónomas, sob pena de violação do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que dispõe que a liquidação terá sempre de ser feita nos termos da lei.

  7. Diversamente, resulta da decisão arbitral recorrida que a tributação autónoma é “materialmente distinta da tributação em IRC”, na medida em que incide não directamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário. E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desincentivar a realização de determinadas despesas que constituem práticas que afectam o equilíbrio da distribuição dos encargos públicos, de modo a garantir transparência fiscal e a combater a própria evasão fiscal.

    I. Ora, relativamente à mesma questão de direito, a decisão arbitral fundamento deixa claro que o carácter sancionatório e de norma anti abuso que pode ser vislumbrado em algumas tributações autónomas, em nada obsta à dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta da tributação autónoma, inexistindo, aliás, qualquer disposição legal em vigor, à data dos factos, que disponha nesse sentido.

  8. Mais ainda, de acordo com a decisão arbitral fundamento, os investimentos elegíveis para efeitos de SIFIDE são determinantes para a competitividade futura do país, sendo “(...) seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia de dinheiro para criar um incentivo ao investimento”.

  9. Não bastasse isso, decorre expressamente do teor literal do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, que o SIFIDE é dedutível ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, a até à sua concorrência, pelo que terá, forçosamente, de se considerar que o SIFIDE é dedutível à tributação autónoma que se integra na colecta de IRC.

    L. Neste contexto, a tese subscrita na decisão arbitral recorrida colide com a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada do próprio tribunal arbitral, de que é exemplo a decisão arbitral fundamento, nos termos da qual se admite a possibilidade de deduzir à colecta da tributação autónoma os créditos fiscais derivados do SIFIDE; M. Assim, tendo em consideração que a tese consagrada na decisão arbitral fundamento é a que deverá prevalecer, por ser a única que está conforme não só com a letra da lei, como com o espírito do legislador, garantindo o efectivo respeito petos princípios da legalidade e da tributação pelo rendimento real, deve ser julgado ilegal o entendimento subscrito pela decisão arbitral recorrida.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outra que julgue procedente a pretensão da Recorrente, Assim se fazendo inteira Justiça!».

    1.3 A Fazenda Pública apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor: «A. O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto por A………… - Holding, S.A (adiante somente Recorrente) tem por base alegada oposição entre decisão proferida por Tribunal Arbitral em matéria Tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo arbitral que correu termos sob o 347/2019-T (doravante decisão arbitral recorrida) e a decisão prolatada no âmbito do processo arbitral n.º 661/2018-T (adiante decisão fundamento), nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).

  10. Os dois arestos divergem no entendimento do enquadramento da seguinte questão: É, sobre a colecta produzida pelas tributações autónomas, susceptível de efectuar qualquer dedução, em concreto dos créditos gerados pelos benefícios fiscais - SIFIDE II? C. Desde já se adiante que, desde a criação das TA, no início da década de 90, e a sua evolução legislativa, sempre foi pacífico por parte de todos os operadores no mundo fiscal que as tributações autónomas não admitiam qualquer dedução.

  11. Ora, na temática que aqui nos ocupa, estamos perante uma controvérsia que nunca existiu, aliás, só passou a existir a partir do momento em que diversos sujeito passivos, promoveram junto do CAAD teses que desafiavam a estabilidade interpretativa que sempre existiu em torno do tema, teses às quais o CAAD, embora muito minoritariamente, deu acolhimento.

  12. Veja-se que desde o nascimento das Tributações Autónomas, não foi questionada a não dedutibilidade das mesmas à colecta de IRC, até que desde finais de 2013, começaram a surgir massivamente interpretações que punham em causa uma estabilidade de décadas, e não consta que tenham havido contribuintes que impugnassem a interpretação vigente e pacífica até àquela data (2013).

  13. Altura em que, foi ensaiada a interpretação de que os valores pagos a título de tributação autónoma seriam dedutíveis à colecta do IRC. Pretensão que falhou por unanimidade, pois que o CAAD não acolheu tal interpretação.

  14. Neste ensejo, e vetada ao insucesso de que as tributações autónomas não poderiam ser dedutíveis à colecta do IRC, novamente com a intervenção do tribunal arbitral (não há conhecimento destas temáticas serem discutidas junto dos tribunais judiciais) é que surgiu uma nova leva de processos, pugnando então, desta feita, pela dedução do PEC e dos benefícios fiscais à colecta produzida por tributações autónomas, o que levou a que em 2014 e 2015 – decisões do CAAD, umas no sentido de que o PEC e os benefícios fiscais podiam ser deduzidos à colecta das tributações autónomas e outras em sentido contrário.

  15. Sufragando a apreciação crítica que aqui se faz, vide o voto de vencido do Conselheiro Lino José Batista Rodrigues Ribeiro, o único dos Ilustres Conselheiros que constituíram aquele colectivo que teve assento nas jurisdição tributária, tendo exercido funções como Juiz-Conselheiro do STA, na Secção do Contencioso Tributário (2010-2013). (cf.

    https://www.stadministrativo.pt/tribunal/juizes-conselheiros/) o qual pela clareza e assertividade aqui expomos: «Com efeito, se fosse possível deduzir benefícios fiscais ou o PEC à colecta das tributações autónomas neutralizar-se-ia a razão de ser dessas tributações.

    Através desse tipo de tributos, o legislador visa evitar que os contribuintes utilizem para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis ou que realizem despesas e encargos que representam ou possam configurar evasão fiscal ilegítima. Ora, o sentido anti-abuso das tributações autónomas não seria conseguido se a colecta que delas resulta fosse sujeita àquele tipo de deduções. Se a intenção é penalizar (ou prevenir) certo tipo de despesas que diminuem a matéria tributável do IRC...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT