Acórdão nº 603/17 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução03 de Outubro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 603/2017

Processo n.º 507/2017

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No âmbito do processo comum que correu os seus termos na 1.ª Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro com o n.º 171/02.1TAALB.P1, foi submetido a julgamento por tribunal coletivo o arguido A. (o ora Recorrente). A culminar este julgamento, foi proferido acórdão, datado de 12/05/2015, condenando aquele arguido: (a) pela prática, em autoria material, de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção agravado, previsto e punido pelo artigo 2.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), n.º 2, n.º 5, alíneas a) e b), e n.º 8, e 39.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, por referência ao artigo 202.º, alínea b), do Código Penal (CP), na pena parcelar de quatro anos de prisão; (b) pela prática, em autoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), do CP, na pena parcelar de quatro anos de prisão; (c) pela prática, em coautoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), do CP, na pena parcelar de quatro anos de prisão; e (d) em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, na pena única de 6 anos de prisão.

1.1. Inconformado, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação do Porto, de cujas conclusões, adrede apresentadas, fez constar, designadamente, o seguinte:

“[…]

A. Competia à Assembleia da República, na versão da Constituição da República Portuguesa em vigor no ano de 1983, nos termos dos seus artigos 164.º, alínea e), 168.º, n.º 1, alíneas c), u) e v), e artigo 169.º, n.º 2, conferir ao Governo, dentro da reserva relativa de competências legislativa, autorizações legislativas no âmbito de definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal.

A Lei n.º 12/83, de 24 de agosto, no seu artigo 5.º concedeu a autorização legislativa pelo prazo de 120 dias.

Se a contagem do prazo para a utilização de autorização legislativa se conta da simples aprovação pelo Conselho de Ministros, também se contará o prazo para a sua utilização, não da data da publicação da Lei, mas antes da aprovação da Lei na Assembleia da República.

A Aprovação da Lei foi efetuada a 13 de julho de 1983. Tendo sido o Decreto-Lei aprovado em Conselho de Ministros a 6 de dezembro de 1983, a autorização encontrava-se caducada.

O Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, padece de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 164.º, alínea e), 168.º, nº 1, alíneas c), u) e v), e artigo 169.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa em vigor em 1983.

B. No acórdão de que ora se recorre foi ordenado ‘... em obediência ao disposto no artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, e artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008 de 12.02. a recolha do perfil de ADN (ácido desoxirribonucleico) do arguido.’

A norma estabelece uma automaticidade de imposição de recolha de ADN por força de uma condenação transitada em julgado.

O artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008 viola os artigos 18.º, n.º 2, 26.º e 35.º da Constituição da República Portuguesa.

[…]

D. O mero ato de qualificação do silêncio, nos termos extraídos do douto aresto, é – por si só – ilegal e, como tal, violador da lei processual penal que se encontra, neste ponto, ancorada na Lei Fundamental.

E. O n.º 1 do artigo 343.º do Código de Processo Penal confere o direito ao silêncio, que o arguido legitimamente exerceu, não o podendo desfavorecer, pelo que se no caso em apreço, o douto Tribunal recorrido houvesse conferido o necessário desvalor ao silêncio, conforme ordena a lei processual penal com incidência constitucional, não existiria a necessidade de qualificação do mesmo.

[…]

L. O recorrente apenas tomou conhecimento da existência de relatórios sociais aquando da leitura da sentença condenatória, nunca tendo sido notificado da junção aos autos de tais relatórios nem, por qualquer outro meio, lhe foi comunicado o seu teor e, consequentemente, nunca lhe foi permitido exercer o seu direito ao contraditório relativamente aos mesmos, violando-se, assim, o artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

[…]”.

1.1.1. No Tribunal da Relação do Porto, foi proferido acórdão, datado de 15/12/2016, conhecendo daquele recurso, no qual se decidiu: (a) revogar parcialmente a decisão recorrida, na parte em que determina a recolha de ADN do arguido; e, no mais, (b) negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

1.2. O arguido pretendeu interpor recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça e, simultaneamente, arguiu a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

1.2.1. As nulidades invocadas foram indeferidas e o recurso foi objeto de um despacho de não admissão do senhor Juiz Desembargador relator, com fundamento no disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP), por ter por objeto um acórdão confirmatório de decisão que aplicou pena de prisão não superior a oito anos.

1.2.2. Da decisão de não admissão do recurso reclamou o arguido, nos termos do artigo 405.º do CPP, sustentando, em suma, dever ser aplicada a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP na redação anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 49/2007, de 29 de agosto, por aplicação do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPP, por referência à data da sua constituição como arguido, norma (a antiga) cujo critério não é o da pena efetivamente aplicada, mas sim o da pena abstratamente aplicável, com a consequente admissão do recurso. Observa, enfim, que a interpretação que conclui pela aplicação da lei nova nestas circunstâncias – em que a constituição como arguido ocorreu na vigência da lei antiga –, “[…] configura uma inaceitável limitação do direito existente já na esfera de direitos do Reclamante, violando o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPP e 32.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa”.

1.2.3. Tal pretensão foi negada por despacho do Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no qual, em síntese, se entendeu que o regime de recursos aplicável é o que vigorar à data da decisão de primeira instância, razão pela qual foi aplicado o regime dos recursos do Código de Processo Penal com as alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro.

1.3. Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso desta última decisão para o Tribunal Constitucional – originando os presentes autos –, nos termos seguintes:

“[…]

A., recorrente nos autos à margem e aí melhor identificado, vem, nos termos do disposto no artigo 75.º-A da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (doravante designada por LOTC), porque se encontra em tempo – artigo 75.º, n.º 1, da LOTC – e porque tem legitimidade – artigo 72.º, n.º 1, alínea b), da LOTC –, apresentar requerimento de interposição de recurso para o tribunal constitucional.

1.º

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 75.º-A da LOTC esclarece-se que o presente recurso é interposto ao abrigo do n.º 1 do artigo 70.º da LOTC.

2.º

A aplicação da norma do artigo 5.º, n.º 2, a) do Código do Processo Penal, interpretada no sentido de que o direito ao recurso não configura um direito de defesa existente desde a constituição do recorrente como arguido, o que conduz à supressão in casu de um grau de jurisdição de recurso, padece de inconstitucionalidade por violação material direta dos artigos 32.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Nos termos do disposto n.º 1 do artigo 75.º-A da LOTC esclarece-se que o recorrente entende o Decreto-Lei 28/84, de 20 de janeiro, padece de inconstitucionalidade, por violação direta dos artigos 164.º, alínea e), 168.º n.º 1, c), u) e v), e artigo 169.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, em vigor em 1983.

Ainda, entende o recorrente que artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, interpretado no sentido de que a sua aplicação é automática em face de uma condenação transitada em julgado viola os artigos 8.º, n.º 2, 26.º e 35.º da Constituição da República Portuguesa.

Também, a norma contida no n.º 1 do artigo 343.º do Código do Processo Penal interpretada no sentido de que não existe valoração do silêncio e consequente violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare quando extensivamente se qualifica e caracteriza o silêncio do recorrente no dispositivo relativo à medida da pena padece de inconstitucionalidade material por violação de forma direta do disposto nos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1, 2, 4, 5 e 7, e de forma indireta dos artigos 1.º, 24.º e 25.º todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Acresce que a ausência de notificação ao recorrente da existência e teor do relatório social, vedando-lhe, assim e em tempo útil, o legítimo exercício ao contraditório padece de inconstitucionalidade por violação direta do artigo 32.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

Entende, ainda, o recorrente que a condenação por dois crimes de burla qualificada padece de inconstitucionalidade por violação direta do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Ainda, tendo sido suscitada a existência de dupla incriminação relativamente à condenação do recorrente por dois crimes de burla que configuram, na verdade, uma única prática criminosa e tendo a dupla incriminação sido apreciada relativamente a um crime de burla e um crime de fraude na obtenção de subsídio viola de forma direta e material o princípio constitucional ne...

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