Acórdão nº 36/17 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 36/2017

Processo n.º 975/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Em processo de inquérito que correu termos na Comarca de Lisboa Norte com o n.º 1136/14.6TALRS.L1, no termo da fase de inquérito, o assistente A. (o ora Recorrente) deduziu acusação particular contra a arguida B., imputando-lhe a prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, do Código Penal.

O Ministério Público não acompanhou a acusação particular e a arguida requereu a abertura de instrução, fase que culminou com um despacho de não pronúncia da arguida, com fundamento na falta de elementos essenciais na acusação particular e na insusceptibilidade de os factos imputados à arguida poderem consubstanciar a prática de um crime de difamação.

1.1. Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o assistente para o Tribunal da Relação de Lisboa. Nas respetivas conclusões, incluiu a seguinte:

“[…]

XXVIII. A errada aplicação das normas acima convocadas, 283.º, n.º 3, alínea b), 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea b), e 308.º, n.º 1, todas do Código de Processo Penal, nesta fase processual, revela-se ferida de inconstitucionalidade por violação dos imperativos dos artigos 20.º, 26.º e 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

[…]”.

1.1.1. No Tribunal da Relação, foi proferida decisão sumária, rejeitando recurso, por manifesta improcedência, nos termos do artigo 417.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, com os fundamentos seguintes:

“[…]

6 – Uma vez que o recurso interposto pelo assistente é manifestamente improcedente, o tribunal limitar-se-á, nos termos dos n.ºs 1, alínea a), e 2 do artigo 420.º do Código de Processo Penal, a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.

7 – Não curando de saber, porque tal é para este efeito desnecessário, se a acusação particular deduzida pelo assistente contém todos os elementos que pelo artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal são, para o efeito, considerados imprescindíveis, questão que deveria ter sido apreciada no momento em que foi declarada aberta a instrução, o certo e que não encontramos nessa peça processual qualquer facto que extravase o que é permitido no decorrer de uma ação judicial e que, por isso, possa consubstanciar um crime de difamação.

De facto, como se salienta no parecer que antecede o acórdão do plenário dos membros do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, que este sufragou por unanimidade, a arguida, tendo invocado a existência de má-fé por parte do ora assistente, nos termos do artigo 542.º do Código de Processo Civil, não podia deixar de alegar factos que a consubstanciassem, tendo-se limitado a utilizar expressões que eram indispensáveis à defesa da sua posição, o que é permitido pelo artigo 150.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Não praticou, portanto, qualquer ato ilícito, muito menos com relevância penal.

Se necessário fosse, sempre se poderiam invocar as sábias palavras dos Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade quando, pretendendo contribuir «para a clarificação do ambiente em que deve ter lugar a interação de quantos, na diversidade dos seus papéis, assumem a tarefa exigente mas gratificante de administrar a justiça penal», um «ambiente dominado por uma atmosfera densificada de emotividade e conflitualidade», diziam que esse ambiente «deve valer como estímulo ao exercício quotidiano da tolerância e da disponibilidade para aceitar limiares particularmente qualificados de risco permitido e de sacrifício socialmente adequado do bem jurídico mais intensamente coenvolvido, a saber, a honra. De outra forma, abrir-se-ia a porta a limitações tão drásticas como intoleráveis da liberdade de expressão e atuação dos diferentes sujeitos e participantes processuais».

Porque as afirmações da arguida, mesmo nas passagens que o assistente considera ofensivas, quanto integradas no contexto processual em que foram escritas e na peça processual em que se encontram inseridas, não constituem ato gerador de responsabilidade criminal, o que, para nós, e manifesto, não podemos deixar de rejeitar o recurso interposto pelo assistente por o mesmo ser manifestamente improcedente.

[…]”.

1.1.2. Desta decisão reclamou o assistente para a conferência, alegando, designadamente, o seguinte:

“[…]

13.º

Em suma, sendo as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto, a decisão sumária proferida não se pronunciou sobre o tema do recurso e fê-lo de forma errada quanto à questão que havia ficado prejudicada nos termos da decisão instrutória recorrida.

14.º

Omitindo também pronúncia, do mesmo modo, quanto à errada aplicação e consequente violação do disposto nos artigos 283.º, n.º 3, alínea b), 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea b), e 308.º, n.º 1, do CPP, bem como à inconstitucionalidade da decisão proferida por violação dos imperativos dos artigos 20.º, 26.º e 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

[…]”.

1.1.2. No Tribunal da Relação, foi proferido acórdão indeferindo a reclamação. Dos respetivos fundamentos consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

[A senhora juíza de primeira instância que proferiu a decisão de não pronúncia] fundamentou essa decisão em dois tipos de argumentos. Um tinha a ver com os elementos contidos na acusação particular deduzida pelo assistente. O outro, subsidiário, tinha a ver com a suscetibilidade de os factos imputados à arguida poderem consubstanciar a prática de um crime de difamação. Eram esses precisamente os argumentos utilizados pela arguida no requerimento de abertura de instrução.

O assistente, ao interpor recurso do despacho de não pronúncia, debruçou-se sobre ambos, embora tenha dado primazia ao primeiro.

Através desse recurso, o assistente impugnou a decisão de não pronúncia proferida pelo tribunal de 1.ª instância, não estando este tribunal vinculado à apreciação de todos os argumentos que sustentavam essa decisão se, como era o caso, aquele que versava sobre a questão de fundo impunha a manutenção do decidido.

Se o cerne dos factos narrados na acusação, aqueles que, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal, deveriam ser suscetíveis de fundamentar a aplicação de uma pena, não assumiam relevância criminal, seria despiciendo analisar a perfeição formal da acusação, análise que, de resto, como se disse então, deveria ter sido feita no momento em que foi declarada aberta a instrução.

Foi precisamente isso que fez a decisão sumária proferida, não tendo também apreciado a questão de inconstitucionalidade relativa à aplicação de determinadas normas do Código de Processo Penal pelo tribunal de 1.ª instância por elas não constituírem o fundamento, nem interferirem por qualquer forma, na definição do sentido da sua própria decisão.

Por isso, entende este tribunal dever manter o decidido pelo relator, indeferindo a...

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