Acórdão nº 215/17 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução02 de Maio de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 215/2017

Processo n.º 974/16

3ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam, em Conferência, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A Recorrente, A., intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé contra o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, ação administrativa comum, sob a forma ordinária, pugnando pela condenação da Ré no pagamento à Recorrente do montante de € 669.854,23, a título de danos emergentes de responsabilidade civil extracontratual pela prática de atos médicos.

Em 24-10-2014, veio a ser proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente.

Inconformada, a ora Recorrente, apresentou recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, invocando, no essencial, que a decisão recorrida padecia de vícios de omissão de pronúncia, contradição entre os fundamentos e a decisão, e erro de julgamento sobre a matéria de facto apurada. Para tanto, invocou a recorrente que a decisão recorrida violara o disposto no artigo 607.º, n.ºs 3, 4 e 5, todos do Código de Processo Civil.

Por meio de Acórdão proferido por aquela 2.ª instância, em 10.03.2016, foi o recurso julgado totalmente improcedente e confirmada a decisão recorrida (fls. 2406).

Mantendo-se inconformada, a Recorrente apresentou recurso de revista excecional junto do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 2415), ao abrigo do disposto nos artigos 140.º, 141.º, 142.º, 143.º, n.º 3, 144.º e 150.º, todos do CPTA. Para o efeito, invocou a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul e bem assim a violação de lei substantiva, por erro de interpretação (fls. 2423).

O Centro Hospitalar pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade do recurso de revista excecional interposto pela Autora, por não se mostrarem reunidos os legais pressupostos exigidos para o efeito (fls. 2455).

No Supremo Tribunal Administrativo foi proferida decisão de não admissão do recurso de revista interposto (fls. 2467):

“Não indica a Autora qualquer norma jurídica relativamente ao julgamento da matéria de facto (artigo 150.º-A, n.º 4 do CPTA) que tenha sido violada, pelo que tendo em conta que o STA, no recurso de revista, apenas conhece de matéria de direito (art.º 12, 4 do ETAF) não se justifica a admissão da revista.

É certo que a Recorrente sustenta ainda que o centro do problema de toda a responsabilidade civil extracontratual é o dano e não a culpa do agente e que se prescinde da imputação do facto culposo bem como da necessidade do facto ser considerado ilícito, sustentado não ser necessário imputar o facto culposo a nenhum agente. Todavia, neste ponto, o acórdão e a decisão recorrida decidiram de acordo com o entendimento geral sobre os pressupostos da responsabilidade civil, segundo o qual, o dano deve ter sido causado pelo agente. E se é verdade que pode haver responsabilidade por factos ilícitos ou lícitos, em ambos os casos o dano sofrido pela vítima deveria ter resultado, em termos de causalidade adequada, de uma ação ou omissão dos serviços do Réu. Não se justifica admitir o recurso de revista para apreciar este aspeto da questão, dado que o mesmo foi decidido sem qualquer desvio do único entendimento jurisprudencial plausível”.

Mantendo-se inconformada, a Recorrente apresentou reclamação para a Conferência, nos termos constantes no n.º 5 do artigo 150.º do CPTA (fls. 12, do I. vol. destes autos), concluindo que “a decisão sumária preliminar de rejeição do recurso de revista foi prematura e carece de qualquer fundamento legal e constitucional, sendo por isso insuprivelmente nula a dita decisão. Em matéria administrativa vigora, consabidamente, o princípio da promoção do acesso à justiça administrativa e o dever de gestão processual (art.7.º E e 7.º-A do CPTA), pelo que, sob pena de inconstitucionalidade e ilegalidade, a rejeição de qualquer recurso de revista deve ser antecedida de um pedido de aperfeiçoamento que, sendo incumprido, justifica, então, sim, a dita rejeição.”

Sobre tal reclamação recaiu despacho do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, que a rejeitou, por legalmente inadmissível (fls. 24, do vol. I).

Mantendo-se inconformada, a Recorrente apresentou pedido de aclaração de tal decisão (fls. 37, do vol. I dos autos), invocando, além do mais e pela primeira vez, a inconstitucionalidade da interpretação dada aos artigos 150.º, n.º 5 e 144.º, n.º 3 do CPTA, na redação anterior a 2015 afigura-se, face às novas conceções do legislador, com a gestão processual e responsabilização dos juízes no decurso dos processos, com uma visão que não pode ser deixada de ser materialmente inconstitucional à luz do direito à tutela jurisdicional efetiva, ao recurso e à fundamentação expressa (de facto e de direito) das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, ex vi artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.º 1, 202.º, n.ºs 1 e 2, 266.º a 268.º da CRP 1976.

Tal pedido foi desatendido, mantendo-se a inadmissibilidade do recurso de revista excecional apresentado, com os seguintes fundamentos: no Código de Processo Civil em vigor – e aplicável aos autos – o incidente de aclaração não se encontra previsto, sendo certo que, não obstante, sempre o mesmo careceria de se respaldar numa qualquer obscuridade ou ambiguidade, o que não se mostra observado; por outro lado, com reporte ao despacho de 9 de setembro de 2016, o mesmo não aplicou ou interpretou inconstitucionalmente nenhuma norma legal, designadamente, o artigo 150.º, n.º 5 e artigo 144.º, número 3 do CPTA, não existindo, por isso, qualquer violação do preceituado nos artigos 20.º, n.º 1 e 4, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 1 e 2, 266.º a 268.º da CRP, normativos esses que não consagram um ilimitado direito de recorrer de todas e quaisquer decisões judiciais.

2. Ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional [Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC)], a Recorrente apresentou o seguinte requerimento de interposição de recurso (fls. 63., vol. I):

“A., tendo sido notificada do não provimento do pedido de aclaração do despacho do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo que não tomou conhecimento da reclamação apresentada contra a não admissão do recurso de REVISTA, por si tempestivamente apresentado, VEM, por tal ser TEMPESTIVO (10 dias) e imperativo à cessação da injustiça derivada da não admissão da revista, nos termos dos artigos 6.º, 70.º, n.º 1, alínea b), 2, 3, 72.º, n.º 1, alínea b), 73.º, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.ºs 1 e 2, 76.º, n.ºs 1 e 2 (a contrario sensu), 78.º, 78.º-A, 78.º-B, 79.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional1, e dos artigos 613.º a 616.º, 643.º, 666.º e 679.º, do NCPC 2013 [ex vi artigo 1.º, do CPTA]2, e artigos 1.º, 2.º, 6.º, 7.º, 7.º-A, 8.º, 150.º, n.º 1, 4 e 6, do CPTA, e artigos 12.º, n.º 1 e 3, e 23.º, n.º 1, alínea h), do ETAF, artigos 1.º, n.º 1 a 5, 3.º, 4.º (a contrario sensu), 5.º (a contrario sensu), 7.º a 10.º e 11.º, e 16.º, da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro3, artigos 1.º, 2.º, 9.º, alínea b), 13.º, 15.º, 20.º, n.º 1 e 4, 22.º, 202.º, n.º 1 e 2, e 266.º a 268.º, da CRP 1976, requerer a admissão do presente requerimento de interposição de:

RECURSO DE FISCALIZAÇÃO CONCRETA

DA CONSTITUCIONALIDADE DE DECISÃO JUDICIAL QUE APLICA

NORMA CUJA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL FOI SUSCITADA-

AO ABRIGO DOS ARTIGOS 6.º, 70.º, n.º 1, alínea b), 2, 3, 72.º, n.º 1, alínea b), 73.º, 75.º,

n.º 1, 75.º-A, n.ºs 1 e 2, 76.º, n.º 1 e 2 (a contrario sensu), 78.º, 78.º-A, 78.º-B, 79.º, da Lei da

Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional

1 - Com vista a sindicar a desconformidade constitucional do entendimento subscrito pelo STA, na sua decisão de 25 de outubro de 2016, notificada a 26/10/2016, segundo o qual se afigura inadmissível conhecer de um RECURSO DE REVISTA tempestivamente interposto, com base no argumento de sobre o mesmo ter recaído uma apreciação preliminar do relator, equiparada a acórdão, que não admite recurso ou reclamação. Mais propriamente,

2 - Pretende-se sindicar o teor dos artigos 144.º, n.º 3, e 150.º, n.º 5, do CPTA, na sua anterior redação (a 2015), que permitiu formular o entendimento do STA, nos presentes autos, segundo o qual: «os acórdãos proferidos, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 150.º do CPTA são insuscetíveis de recurso ou da reclamação prevista no n.º 3 do art. 144.º do mesmo diploma, uma vez que se trata de uma pronúncia colegial do Tribunal para onde se pretende recorrer», visto que

3 - A interpretação dada aos artigos 150.º, n.ºs 1 e 5, e 144.º, n.º 3, do CPTA, na sua redação anterior a 2015, afigura-se, face às novas conceções do legislador - que legitimaram as alterações levadas a cabo em 2015, no CPTA, por meio do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10 -, mormente com a implementação do instituto da gestão processual e da responsabilização dos juízes no decurso dos processos, como uma visão que não pode ser deixada de ser materialmente inconstitucional à luz dos direitos a uma tutela jurisdicional efetiva, ao recurso e à fundamentação expressa (de facto e de direito) das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, ex vi artigos 20.º, n.º 1 e 4, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 1 e 2, 266.º a 268.º, da CRP 1976, como uma decisão em que se privilegia a FORMA sobre a SUBSTÂNCIA e, com isso, se posterga o direito a uma tutela jurisdicional efetiva. Na verdade,

4 - O artigo 150.º, n.º 5, do CPTA (anterior a 2015), dispunha que: «5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de...

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