Acórdão nº 51/21 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 51/2021

Processo n.º 349/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente a A., Lda., e recorridas B., AG, e C., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 12 de fevereiro de 2019, que decretou a incompetência material do tribunal arbitral, constituído nos termos previstos no artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, para conhecer da questão da invalidade da patente, suscitada na ação arbitral pela ora recorrente, por via de defesa por exceção.

2. Na parte que releva para a apreciação do presente recurso, o acórdão recorrido tem o seguinte teor:

«II. FUNDAMENTAÇÃO

(…)

O acórdão recorrido, confirmando a decisão do tribunal arbitral necessário, entendeu que assiste competência a esse tribunal para conhecer da questão da invalidade da patente deduzida pela demandada por via de defesa por exceção perentória.

A fundamentação jurídica assenta em duas razões primaciais:

- A possibilidade, prevista no artigo 91º do CPC de a demandada se defender por via de exceção, possibilidade essa reforçada pelo disposto no artigo 24º, n.º 4, do Regulamento EU n.º 1215/2012, de 12 de dezembro;

- A inconstitucionalidade, por violação do princípio da proibição da indefesa, da norma interpretativamente extraível do artigo 2º da Lei 62/2011 e dos artigos 35º, n.º 1, e 101º, n.º 2, do CPI, de que em sede de arbitragem necessária a parte não se pode defender por exceção, mediante a invocação da invalidade da patente, com meros efeitos inter partes.

(…)

A segunda razão mobilizada pelo acórdão recorrido encontra apoio no acórdão de 24.05.2017 do Tribunal Constitucional [Acórdão 251/2017, em www.tribunalconstitucional.pt], em que se decidiu:

“Julgar inconstitucional a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro e artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes”.

(…)

O défice de defesa resultante da improvável suspensão da instância arbitral e o ónus excessivo de instaurar uma ação de nulidade da patente no TPI são os argumentos que levaram o TC a concluir que a restrição ao direito fundamental de defesa “redunda numa impossibilidade de exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva”.

Com todo o respeito, não cremos que as normas em causa se traduzam numa intolerável ou desproporcionada compressão do direito de defesa, em violação do artigo 20º da Constituição.

Neste particular, revemo-nos integralmente nas considerações formuladas por Alexandre Libório Dias Pereira na anotação a esse acórdão do TC, na Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 4008, páginas 182 e seguintes (…):

“Como o acórdão deixa claro, esse défice refere-se a decisão arbitral transitada em julgado. Todavia, a Lei n.º 62/2011 garante recurso da decisão arbitral para o Tribunal da Relação competente, ainda que com efeito meramente devolutivo (artigo 3º, n.º 7). Não descortinamos o alegado défice de defesa pois a lei garante o direito de recurso para o Tribunal da Relação. No caso de o tribunal arbitral não ter decretado a suspensão da instância, apesar de ter sido instaurada ação prejudicial sobre a validade da patente que não seja manifestamente dilatória, é algo excessivo falar em ‘ablação total do seu direito de defesa’ ou ‘impossibilidade de exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva’, uma vez que a lei garante o recurso. Não será, por isso, certamente, que a restrição ao direito de defesa não cumpre a ‘justa medida’ ou ‘proibição do excesso’.

(…)

Também o argumento do ‘ónus excessivo’ por forçar o requerente a ‘uma defesa por antecipação’, ou a defender – mesmo contra o seu – o interesse económico de concorrentes e o interesse público não se afigura, salvo o devido respeito, concludente.

O interesse próprio do requerente de AIM em poder explorar uma invenção cuja patente é inválida significa, na prática, como já o disse várias vezes o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) pretender beneficiar de uma patente que se tem por inválida. Não se afigura interesse legítimo e digno de tutela querer beneficiar de uma patente inválida como se esta fosse válida. São razões de ordem pública económica que justificam a existência ou não de direitos exclusivos como os conferidos pelas patentes e outros direitos de propriedade industrial.

(…)

No domínio das patentes os interesses privados são protegidos por razões de interesse público e na medida deste. É o interesse público que justifica a outorga da patente e, de igual modo, é o interesse público que justifica a sua revogação”.

Não se reconhece, portanto, que a restrição de defesa nos moldes acima tratados, ditada em função da ampla margem de liberdade do legislador na modelação do processo a tramitar nos tribunais judicias e arbitrais, prejudique de modo desproporcionado o direito de defesa da demandada.

Para mais, é bom notar, como acima se disse, que o que está em causa neste tipo de litígios é o acertamento dos direitos do titular da patente, destinando-se as ações arbitrais, por via de regra, a apurar se há patente ou certificado complementar de proteção(…) (CCP) em vigor e até quando, se e em que medida a utilização da AIM ofende a patente ou o CCP, e decretar antecipadamente as medidas adequadas à defesa destes contra uma eventual e hipotética utilização ilícita da AIM.

(…)

Na verdade, os direitos conferidos pela patente ao titular compreendem, por um lado, o direito exclusivo de explorar a invenção patenteada em qualquer parte do território português, e, por outro o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados – artigo 101º, n.ºs 1 e 2, do CPI.

A natureza constitutiva do registo da patente proporciona ao seu titular o direito de patente, que corresponde a um direito subjetivo de exploração económica da invenção, em regime de monopólio e oponível erga omnes(…), com a consequente limitação que daí resulta para a atuação de terceiros.

Alexandre de Soveral Martins (…) explica que a proteção conferida pelas patentes permite às fabricantes de produtos farmacêuticos a realização de investimentos mais elevados por contarem com o monopólio de que poderão beneficiar durante certo tempo. Isso funciona como um estímulo à investigação para obter novos produtos, novos processos ou novas aplicações e conduz à conceção de complexas estratégias de gestão da carteira de patentes.

(…)

Não se mostra, por isso, aceitável que os tribunais arbitrais possam decretar a invalidade da patente, mesmo que com mera eficácia inter partes (invalidade relativa).

(…)

Não faz qualquer sentido que, mediante a decretação da ineficácia da patente inter partes, ficasse reconhecido ao demandado o direito a comercializar o produto patenteado, apesar de nada ter contribuído para a invenção, retirando-se a quem nesta investiu esse mesmo direito exclusivo.

Importa não esquecer que o interesse do titular da patente baseia-se no interesse público de promoção do desenvolvimento técnico através de um sistema de patentes confiáveis. E esta confiabilidade assume muito maior relevo numa área tão sensível como a do mercado de medicamentos.

Acresce que é igualmente do interesse público e dos consumidores em geral que, a existir invalidade de uma determinada patente (concedida pelos serviços do Estado após um rigoroso processo de verificação dos requisitos legais), os seus efeitos sejam destruídos com eficácia geral e não apenas relativamente a alguns agentes ou atos mercadológicos.

Este é o conjunto de motivos que nos leva a considerar, no âmbito da legislação aplicável à presente contenda(…) que o tribunal arbitral necessário carece de competência para apreciar a questão da invalidade da patente de que a recorrente é titular(…), o que implicará a revogação da decisão sob recurso.

*

III. DECISÃO

Nestes termos, procede a revista e revoga-se o acórdão recorrido, decretando-se a incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da questão da invalidade da patente suscitada pela recorrida na ação arbitral, por via de defesa por exceção.»

3. Inconformada com esta decisão, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com vista à apreciação da «questão de saber se a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011 de 12 de Dezembro e artigos 35.º, n.º 1 e 101.º, n.º 2 do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes, viola o princípio [da] proibição da indefesa previsto nas disposições conjugadas dos artigos 20.º e 18.º, n.º 2, da Constituição.»

4. Tendo cessado funções como Conselheira do Tribunal Constitucional a primitiva titular do processo, foram os autos redistribuídos e as partes notificadas para produzir alegações.

5. A recorrente concluiu as suas alegações nos seguintes termos:

«III – CONCLUSÕES

a. O presente recurso tem por objeto a decisão do STJ na qual...

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