Acórdão nº 652/16.0T8GMR.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

AA intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra a “Companhia de Seguros BB, S.A.”, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe: - EUR 26.400,00, a título de retribuições que deixou de auferir durante onze meses, período em que esteve totalmente impossibilitado de trabalhar; - A quantia que se vier a apurar, após a realização de perícia médica que avaliará a repercussão permanente na atividade profissional do autor, ou, não sendo possível ao tribunal liquidar a mesma, a que se vier a apurar em liquidação posterior;[1] - EUR 60.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos (sendo 30.000,00 pelas dores que sentiu durante os internamentos e tratamentos e pelo sofrimento e ansiedade que sentiu e EUR 30.000,00 pela afetação permanente na sua integridade física); - A quantia que se vier a liquidar posteriormente, a título de indemnização por danos futuros, patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes das intervenções cirúrgicas, internamentos hospitalares, despesas médicas e medicamentosas que venha a efetuar em consequência do acidente e cujo montante não é ainda possível determinar; - Juros de mora sobre as suprarreferidas quantias, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

  1. A ação foi contestada, tendo a ré impugnado matéria articulada pelo autor, designadamente quanto aos alegados danos; além disso, reputou exagerados os montantes indemnizatórios reclamados.

  2. Na 1ª instância foi proferida sentença que – julgando a ação parcialmente procedente - condenou a ré a pagar ao autor: a) A quantia de EUR 84.000,00, a título de dano futuro, por perda de ganho, em consequência do défice funcional de que ficou a padecer;[2] b) A quantia de EUR 30.000,00, a título de dano não patrimonial; c) A quantia de EUR 6.953,75, a título de perdas salariais, durante o período de incapacidade total para o trabalho (onze meses);[3] d) Juros de mora, calculados à taxa legal, sobre as aludidas quantias, contados desde a data da sentença sobre as quantias referidas em a) e b) e desde a data da citação sobre a quantia referida em c); e) A quantia que se vier a liquidar posteriormente, a título de indemnização pelas “despesas futuras com tratamentos, consultas médicas, internamentos hospitalares e outras despesas médico-medicamentosas que se mostrem necessárias para tratamento das sequelas e lesões sofridas.”.

  3. Desta decisão apelaram ambas as partes, tendo o Tribunal da Relação proferido acórdão em que - julgando totalmente improcedente o recurso do autor e parcialmente procedente o interposto pela ré -, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de EUR 60.000,00, a título de dano futuro, por perda de ganho, em consequência do défice funcional de que ficou a padecer e confirmou, quanto ao mais, a sentença.

  4. De novo irresignado, veio o autor interpor revista excecional para este Supremo Tribunal, dizendo em conclusão: Os danos futuros e a nulidade: 1. Tendo o lesado em acidente de viação pedido que a ré fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização, que relega para posterior liquidação, para reparação de danos futuros patrimoniais e não patrimoniais, e logrando demonstrar que necessita de medicação analgésica e anti-inflamatórios para alívio das dores e de tratamentos de medicina física e reabilitação (facto 21), que as lesões e sequelas resultantes do acidente, nomeadamente ao nível da mobilidade dos membros inferiores e superiores, perda de força física e correspondente limitação funcional dos seus movimentos são suscetíveis de agravamento (facto 22), para além de que a incapacidade pode agravar-se com o decurso dos anos (facto 23), deve aquele pedido ser julgado totalmente procedente e não apenas procedente no que respeita a despesas que o lesado haja de suportar e improcedente no demais; 2. Não pelo menos sem qualquer fundamentação, pois que, dessa forma, foi cometida a nulidade da falta de fundamentação, por aplicação do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil; 3. E a nulidade por falta de fundamentação não pode substituir-se por fundamentação apresentada pelo tribunal superior, porque isso retira ao lesado a possibilidade de formular apelação em face dos fundamentos da que pudesse ser a decisão da primeira instância.

  5. Nem pode o tribunal superior dizer que a indemnização pelo dano patrimonial que na primeira instância se arbitrou já contemplava um possível agravamento dos danos, desde logo porque isso não consta na decisão da primeira instância, da qual consta, isso sim, que a indemnização foi calculada com base numa incapacidade para os atos do dia-a-dia de dez pontos, não constando qualquer outra ponderação a esse nível, porque não podia sequer, uma vez que, sendo o agravamento previsível, ninguém pode prever em quanto se agravará, porque os peritos não o disseram.

  6. Mesmo que se entenda que não ocorre nulidade e que o fundamento da restrição é o indicado pelo Tribunal da Relação, sempre, pelos motivos apontados, deve a decisão ser revogada e substituída por outra que determine a procedência total daquele pedido.

  7. De facto, estando provados aqueles factos, particularmente que as lesões e sequelas resultantes do acidente são suscetíveis de agravamento (facto 22), e que o grau de incapacidade pode agravar-se com o decurso dos anos (facto 23), deve aquele pedido de reparação de danos futuros que excedam os já indemnizados, ser julgado totalmente procedente, pois que, de outro modo e caso o lesado venha a sofrer agravamento das lesões e sequelas - por exemplo, com um agravamento da incapacidade para o dobro (e ninguém pode dizer que isso não acontecerá) - esses danos ficarão por indemnizar, em violação do disposto no artigo 483º, do Código Civil, onde se estabelece que se devem indemnizar os danos (todos, claro), e o nº2, do artigo 564º, do mesmo Código, que se refere aos danos futuros indetermináveis. E isto sem qualquer receio e mesmo que se olhe para os lesados como querendo tirar proveitos do acidente, uma vez que da procedência do pedido não resulta mais do que a possibilidade de o lesado, demonstrando outros danos que venha a ter, ser por eles compensado.

    Quanto a avaliação da perda da capacidade de ganho: 7. Tendo sido admitida a realização de uma perícia, fixado o seu objeto e admitidos os quesitos formulados, formou-se, quanto a essa decisão, caso julgado, motivo por que os peritos têm de responder aos quesitos formulados, exceto se a resposta não se mostrar possível.

  8. “No âmbito do Direito Civil a avaliação do dano corporal incide sobre a incapacidade permanente geral, isto é, a incapacidade para os atos e gestos correntes do dia-a-dia, enquanto no campo do Direito do Trabalho, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante do acidente ou doença que determina perda da capacidade de ganho.

  9. Invocando-se na ação uma incapacidade permanente parcial para o trabalho, os peritos, ainda que a perícia seja requisitada no âmbito de processo de natureza cível, não podem escudar-se a responder aos pertinentes quesitos e a socorrer-se da tabela respectivamente aplicável." - conclusões retiradas do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6 de Novembro de 2012, acima citado.

  10. E, isto, particularmente, nos casos em que, como no nosso, da resposta a outros quesitos resulta evidente que ocorre específica incapacidade para o trabalho, distinta da incapacidade geral ou civil, havendo mesmo nota de que o perito (que não deixa de ser o autor da primeira afirmação dos autos a que tudo se seguiu) se mostrou disponível para responder ao quesito, se necessário fosse (e é); 11. É que, estando em causa saber se, em consequência de um acidente de viação, o lesado ficou com uma incapacidade para o trabalho e qual, afigura-se imprescindível averiguá-la, sob pena de ficar por averiguar uma possível (e adivinhada) relevante consequência do acidente, que não pode ficar por compensar e que não pode ser compensada pelo autor (com esforços acrescidos), nem pela sua possível empregadora (com menor rendimento), nem sendo lícito presumir, como fizeram as instâncias, que a incapacidade geral sempre seria igual à incapacidade para o trabalho, porque essa presunção não consta de lei nem da jurisprudência, nem, muito menos e apesar de tudo, do relatório pericial.

  11. Dizer-se, como fez o perito e foi seguido pelas instâncias, que em processo civil não se avalia a incapacidade para o trabalho, do que resulta que isso fica reservado para o processo do trabalho, é violar o princípio da igualdade, pois que este impõe que, independentemente de a avaliação ser feita num processo civil ou num processo do trabalho, sempre têm que se apurar todos os danos resultantes do acidente, mormente quando isso é essencial para a decisão dos pedidos. De outro modo, a indemnização a arbitrar ao lesado será calculada de forma diferente consoante o acidente tenha ocorrido em horário de trabalho ou fora dele.

  12. E nem o preâmbulo do Decreto-lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, se lê que deva ser como apontou o perito e as instâncias seguiram, pois que o que ali se lê, como, de resto, consta da fundamentação do acórdão do Tribunal de Relação de … de 6 de Novembro de 2012, é que, sempre que, em consequência de um acidente, seja ele de trabalho ou não, houver perda da capacidade de ganho esta tem que ser avaliada, mesmo que estejamos em face de um acidente que não ocorre em trabalho, em face do princípio da reparação integral do dano, pois que, nestes casos, deve avaliar-se a incapacidade permanente em geral, ou seja, a incapacidade para os atos do dia-a-dia, assinalando-se depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da atividade profissional específica do lesado.

  13. É que, como se sumariou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Novembro de 2017, "os índices de incapacidade geral permanente não se confundem com os índices de incapacidade profissional, correspondendo a duas tabelas distintas...

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