Acórdão nº 3407/15.5T8BRG.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução06 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO AA, Ltd intentou a acção declarativa com processo comum contra BB e mulher, CC, DD e EE, Lda, pedindo que os réus sejam condenados: a) A restituir-lhe a quantia de €110.000,00 por ela prestada durante a fase de negociações com vista à celebração do contrato identificado nos autos; b) A indemnizá-la pelas despesas incorridas durante a fase de negociações, em valor a apurar em execução de sentença e nunca inferior a €10.000,00, quantias essas acrescidas de juros vencidos e vincendos.

Em síntese, alegou que fez a entrega ao réu BB a quantia de €110.000,00, como princípio de pagamento com vista a adquirir 50% do capital da ré EE, Lda.

O negócio consistia numa cessão de quotas, transmissão da propriedade do armazém para a sociedade e aumento de capital e acabou por não se concretizar, uma vez que os réus exigiram da autora o pagamento de € 465.000,00 em numerário, entregue em mão na data das escrituras, com vista a evitar a declaração de tais rendimentos e o pagamento dos respectivos impostos. A autora recusou-se a tal, exigindo, para celebrar o negócio, que o pagamento fosse feito através de cheque ou transferência bancária, por forma a existir um comprovativo das quantias efectivamente transaccionadas, que os réus não aceitaram.

O negócio acabou por não se concretizar e os réus não restituíram qualquer quantia à autora, pese embora esta tenha pedido a sua restituição, por inúmeras vezes.

A autora suportou várias despesas tendo em vista a preparação do contrato de cessão de quotas, nomeadamente em deslocações e em estadias em Portugal para negociar e acertar as condições contratuais, em montante não inferior a €10.000,00 dos quais pretende ser ressarcida pelos réus.

Os réus contestaram, impugnando parte da factualidade alegada pela autora, e deduziram reconvenção pedindo que: - Seja a autora condenada a pagar ao réu BB a quantia global de 25.095,41 €; - Seja a autora condenada a pagar à ré EE, Lda., a quantia global de 93.299,12 €; - Seja a autora condenada a pagar à ré EE, Lda, a quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença, pelos prejuízos referidos nos itens 127, 128, 129 e 130 da contestação; - Seja a autora condenada no pagamento de juros de mora, calculados à taxa legal.

Fundamentam as suas pretensões nos prejuízos alegadamente causados pela conduta da autora que, segundo eles, estando em curso negociações e após criação de grande expectativa quanto à celebração do negócio em causa, desistiu do mesmo, alegando, entre outros motivos, que não queria fazer o pagamento de € 465.000,00 em dinheiro, conforme condições previamente estabelecidas.

A autora replicou, impugnando a matéria de facto que sustenta a reconvenção.

Mais pediu a condenação dos réus como litigantes de má-fé em multa e numa indemnização a seu favor em montante a apurar em execução de sentença.

Foi proferida a sentença de 30.07.2016 que julgou a acção e a reconvenção totalmente improcedentes e absolveu os réus do pedido e absolveu a autora/reconvinda do pedido reconvencional.

Mais condenou os réus como litigantes de má-fé em multa que fixou em 5 UC.

Por acórdão da Relação de … de 23.03.2017 foi julgada procedente a excepção de caso julgado e absolvidos os réus da instância.

Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.11.2017 foi revogado aquele acórdão, tendo sido determinado que a Relação de … prossiga a apreciação do recurso de apelação, com o fundamento de que não se verificavam os requisitos do caso julgado.

Em acatamento do acórdão do Supremo, a Relação de … proferiu novo acórdão em 08.03.2018, revogando a sentença recorrida, condenando os réus a restituir à autora a quantia de € 110.000,00 (cento e dez mil euros).

Não se conformando com aquele acórdão, dele recorreram os réus, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - O Tribunal da Relação de … que julgou procedente a apelação apresentada pela autora ( e não pelo réus, como por lapso consta desta conclusão) tendo concluído pela condenação dos réus à restituição à autora, ora recorrida da quantia de €110.000,00, na medida em que entendeu o douto acórdão que esta logrou provar os requisitos do instituto do enriquecimento sem causa.

  1. - Instituto do enriquecimento sem causa na situação em apreço já foi analisado, discutido e decidido, no âmbito do processo judicial n° 1410/13.9TBWD do Tribunal da Comarca de …, Instancia Central - 1Q secção Cível J…, 3ª - Estamos portanto perante uma excepção de caso julgado, a qual obsta à apreciação do mérito da causa e determina como consequência a absolvição dos ora recorrentes do pedido.

  2. - Não podem mais os tribunais, mormente o Tribunal da Relação, debruçar-se sobre se o assunto em apreço nos presentes constitui enriquecimento sem causa ou não, já existiu uma decisão, transitada em julgado sobre isso, decisão que obsta a nova decisão sobre o mérito da causa.

  3. - A autora, recorrente e ora recorrida na sua petição inicial não formulou qualquer pedido de restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa, pelo que não poderia o Tribunal da Relação sobrepor-se a tal, como fez e debruçando-se sobre o assunto.

  4. - As sentenças e acórdãos não podem condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, tendo-o o Tribunal da Relação feito.

  5. - A Relação, incorreu numa nulidade por excesso de pronúncia, ao pronunciar-se sobre o que não lhe foi submetido, sendo que deveria ter-se limitado a apreciar o pedido e a causa de pedir e não ter permitido como permitiu que a autora/recorrida de forma ardilosa, corrigisse os defeitos da sua petição inicial.

  6. - A autora/recorrido agiu de manifesta má fé e com abuso de direito, tendo perfeito conhecimento e consciência do impedimento de lançar mão, do instituto do enriquecimento sem causa, à data que o fez, visando tão somente impedir ou entorpecer o acção da justiça, não permitindo aos réus o exercício do seu direito de contraditório, agindo sempre à socapa para comprometer o exercício do direito dos réus/recorrentes.

  7. - Ainda que os ora recorrentes não tivessem sido absolvidos do pedido pelo motivo anteriormente exposto, na opinião dos recorrentes não estamos sequer perante uma situação enquadrável no Instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que a alegada vantagem adquirido pelo réu/recorrente BB tem uma causa, insere-se no âmbito de um determinado acordo tendente à concretização de um certo negócio.

  8. - Ainda o Tribunal da Relação conclui pelo condenação conjunto dos ora recorrentes, outrora réus na restituição à recorrida da quantia de €110.000,00, acabando por se não entender sequer que tipo de condenação é, se conjunta ou solidária, pelo que o acórdão é omisso nesse aspecto e portanto nulo.

  9. - Pelo exposto, deve o acórdão recorrido ser revogado e manter-se a decisão de primeira instância.

    Termina, pedindo que seja ordenada a revogação do acórdão recorrido.

    A autora contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e a manutenção do acórdão recorrido.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    II - FUNDAMENTAÇÃO A) Fundamentação de facto As instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1º - A autora é uma sociedade comercial de direito britânico, com sede em …, …, ..., NG7 2TA England, e registada sob o número 45…0. - Cópia do Certificado de Registo (Certification of Incorporation) - Doc, 1.

    1. - O réu BB é sócio fundador da ré EE, Lda, a qual é uma sociedade comercial (de) direito português com o capital social no valor de €187.000,00 (Cento e oitenta e sete mil euros) Certidão do Registo Comercial - Doc, 2.

    2. - O capital social da sociedade EE é composto por três quotas, duas pertencentes ao réu BB, no valor de € 93.500,00 (Noventa e três mil e quinhentos euros) e de € 56.100,00 (Cinquenta e seis mil e cem euros), respectivamente, e uma pertencente ao filho deste, o Réu DD, no valor de € 37.400,00 (Trinta e sete mil e quatrocentos euros). - Cfr. Doc, 2.

    3. - A EE Lda tem a sua sede no Parque Industrial de …, Rua …, Pavilhão …, 4730-Vila-Verde, dedicando-se à actividade de confecção de peúgas e outros têxteis. - Cfr. Doc, 2.

    4. - A autora manteve relações comerciais com a ré EE, Lda durante alguns anos, regularmente, contratando com esta várias encomendas para confecção de peúgas.

    5. - Nos primeiros meses de 2013, veiculou-se a possibilidade da autora adquirir uma quota equivalente a 50% do capital da ré EE, Lda.

    6. - Os representantes da autora deslocaram-se a Portugal durante a fase de negociações para acertar os termos e condições do negócio.

    7. - Em 27 de Abril de 2013, o advogado FF, como representante da EE e de BB, comunicou à autora que, após conversa do dia anterior, vinha apresentar o resumo dos termos do negócio, do seguinte modo: " Aquisição da vossa parte da parte pertencente ao parceiro BB, da empresa EE, Lda., através de uma escritura pública, pelo valor de 110.000 €.

      Após esta aquisição, cada um dos parceiros da empresa terá 50% das acções, sendo o gestor da empresa DD, uma vez que vive em Portugal e pode gerir a empresa diariamente.

      Aumento do capital da empresa EE, para o valor de 180.000 €, sendo 90.000 € da vossa parte e 90.000 € do parceiro DD.

      Aquisição pela empresa EE do edifício que é sede da empresa, correspondendo ao pavilhão que está actualmente ocupado para o desenvolvimento da actividade da empresa. O valor desta aquisição será de € 180.000, o mesmo valor que o do aumento do capital da empresa.

      Entrega pela vossa parte, até à data da assinatura do acordo do valor de € 465.000,00 em dinheiro, sendo € 65.000,00 para suportar as despesas relacionadas com este negócio (impostos, contratos, registos e outros).

      Celebração do contrato de trabalho por período indeterminado entre a empresa e o accionista BB, com uma remuneração mensal de € 30.000 (...)”” - (documento de fls. 182, traduzido a fls. 200) 9º - Não houve resposta a este email.

    8. - Em 19.06.2013, a autora remeteu ao réu DD uma comunicação a que juntou uma carta datada de 10.06.2013, onde a mesma...

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