Acórdão nº 701/19.0T8EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelEMÍLIA RAMOS COSTA
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 701/19.0T8EVR.E1 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]♣Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório … (Autor) intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra … (Réu), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, devendo, em consequência ser o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de € 27.500,00, a título de danos patrimoniais, com juros legais, desde a citação até efetivo e integral pagamento, ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, ser o Réu condenado ao pagamento da referida quantia com base no instituto do enriquecimento sem causa.

Para o efeito, alegou, em síntese, que fundamentou o seu pedido na responsabilidade civil por facto ilícito cometido pelo Réu e respetiva obrigação de reparar os danos que sofreu por incumprimento culposo do contrato de compra e venda, uma vez que, no dia 02-12-2014, comprou ao Réu, pelo preço de € 55.000,00, o veículo Ferrari, modelo 328 GTS, com a matrícula (…), propriedade da mulher do Réu, tendo este afirmado ao Autor que tal viatura tinha 20.783 km, razão pela qual o Autor entregou ao Réu, como pagamento, a sua autocaravana ou “Mobile Home”, da marca Fleetwood, modelo Flair, com a matrícula (…), pelo preço de € 25.000,00, e ainda, em dinheiro, a quantia de € 30.000,00.

Alegou igualmente que, em data posterior, o Autor veio a constatar que o mencionado Ferrari tinha, na realidade, 120.783 km, o que fez alterar substancialmente o seu valor de mercado e, por consequência, os termos do negócio celebrado com o Réu, pelo que, comunicou ao Réu a referida desconformidade na quilometragem.

Alegou ainda que, desconfiando de tudo o resto relativamente ao Ferrari, mandou desmontar o mesmo para analisar o seu estado de conservação e descobriu as seguintes anomalias: (i) a pintura do Ferrari já não era de origem ao contrário do que havia sido alegado pelo Réu, aliás, esta tinha sido refeita e de má qualidade; (ii) a frente direita do Ferrari apresentava vestígios inequívocos de ter sofrido uma colisão; (iii) estavam instalados no sistema de refrigeração do motor do Ferrari tubos de borracha correntes comprados em qualquer casa de mangueiras ou borrachas; (iv) tinha tubos de admissão para alimentação do motor rasgados e/ou fissurados; (v) a embraiagem estava a patinar; (vi) mau grado este modelo vir de origem com ar condicionado, o carro vendido pelo Réu estava sem o respetivo compressor, ou seja, não tinha ar condicionado; (vii) tinha sérios problemas no sistema de injeção de gasolina para o motor; (viii) as juntas de admissão e o escape estavam completamente degradadas e em estado lastimável; (ix) relativamente ao chassis, os casquilhos da suspensão estavam em estado de inutilização; (x) os escapes estavam em adiantado estado de decomposição, tendo muitas seções apodrecidas; e (xi) havia partes do fundo do chassis camufladas com fibra de vidro.

Alegou, por fim, que o Réu agiu com dolo, uma vez que omitiu elementos essenciais para a realização do negócio, sendo essenciais para a vontade do Autor, visto que se este soubesse desde o início que a viatura não se encontrava em perfeito estado de conservação, nem apresentava os quilómetros visíveis no mostrador, o contrato não se teria concluído nos termos em que se concluiu ou até nem teria sequer existido, sendo que, em face do estado em que adquiriu o Ferrari, veio a gastar € 7.500,00 em reparações.

…O Réu (…) apresentou contestação, solicitando, a final, que o pedido formulado pelo Autor fosse julgado improcedente, por não provado, devendo ser julgado procedente, por provado, a reconvenção deduzida pelo Réu contra o Autor, condenando-se este a pagar àquele a quantia de € 16.869,81, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.

Em síntese, impugnou parcialmente os factos invocados pelo Autor e, quanto à reconvenção, afirmou que, posteriormente à celebração do contrato, constatou que a identificada autocaravana apresentava diversas deficiências, cuja reparação ascendeu a € 16.869,81, reparações estas necessárias para que aquele veículo pudesse funcionar e circular normalmente, sendo que o Autor lhe tinha assegurado que autocaravana estava em boas condições de funcionamento.

…O Autor (…) replicou, solicitando, a final, a declaração de nulidade, por vício de forma, da reconvenção, bem como a improcedência desta por falta de prova e ainda a condenação do Réu como litigante de má fé, por adulteração consciente da verdade dos factos, na quantia de € 5.000,00 a título de indemnização, acrescida de todas as despesas que o Autor suportou com a presente ação e ainda em multa, a arbitrar pelo tribunal, nos termos dos artigos 542.º e 543.º do Código de Processo Civil.

…Dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, no qual foi indeferida a nulidade da reconvenção, admitido o pedido reconvencional e identificados o objeto do litígio e os temas de prova.

…Realizado o julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida sentença em 05-04-2020, com o seguinte teor decisório: Face ao exposto, julgando a ação e a reconvenção parcialmente procedentes, decide-se: a) condenar o réu (…) a pagar ao autor (…) a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), correspondente à redução do preço no celebrado contrato de alienação do identificado Ferrari, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de citação do réu; b) condenar o réu a pagar ao autor a quantia a apurar em posterior liquidação respeitante à reparação do ar condicionado do identificado Ferrari (por falta do respetivo compressor), até ao limite de € 7.500,00, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de citação do réu; c) condenar o autor reconvindo a pagar ao réu reconvinte a quantia de € 1.059,50 (referida na fatura/recibo datada de 26-10-2015) e ainda a quantia a apurar em posterior liquidação respeitante à reparação do gerador a gaz da identificada Autocaravana, até ao limite de € 638,96, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de notificação da contestação/reconvenção; d) absolver o réu e o autor reconvindo do pedido, na parte restante; e) absolver o réu do formulado pedido de condenação como litigante de má fé e, em consequência, julgar improcedente o correspondente pedido indemnizatório formulado pelo ora autor; f) na ação e na reconvenção, condenar o autor e o réu no pagamento das custas, na proporção do decaimento.

Notifique.

…Inconformado com a sentença, o Réu (…) interpôs recurso, apresentado as seguintes conclusões: I) O Recorrente não se conformar com a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, por entender, salvo o devido respeito, que aquele fez uma errada subsunção dos factos ao direito, e em consequência a uma decisão judicial proferida pelo tribunal a quo, na qual não se logrou alcançar a tão almejada justiça.

II) Apesar de o tribunal a quo não estar sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como o próprio afirma na douta sentença.

III) Considera o ora Recorrente, salvo melhor entendimento, que o douto Tribunal a quo não o poderia ter condenado, com base na qualificação jurídica supra mencionada, IV) Isto porque o negócio foi efetuado em 02 de dezembro de 2014.

  1. Por carta datada de 29 de janeiro de 2015, o A. denunciou apenas a desconformidade da quilometragem.

    VI) Resulta assim que o Autor não denunciou e intentou a competente ação dentro dos prazos fixados nos artigos 916.º e 917.º do Código Civil.

    VII) O prazo de caducidade de seis meses, previsto no artigo 917.º do Código Civil, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, para além da ação de anulação, também às ações que visem obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual.” Pelo que, VIII) E mais uma vez, salvo melhor entendimento, não poderia o Tribunal a quo condenar o Réu, como condenou, em venda de coisa defeituosa, por o direito do Autor já se encontrar caducado desde julho de 2015.

    IX) E muito menos, condenar na reparação do ar condicionado do Ferrari (por falta do respetivo compressor), defeito este que nunca foi sequer denunciado/reclamado pelo A., e ainda que fosse, também já esse esse direito se encontrava caducado.

  2. Considerou o Tribunal a quo na douta sentença que o regime jurídico a aplicar seria o regime do contrato misto de venda e permuta.

    XI) A douta sentença deu como provado que: XII) O Réu não era proprietário do veículo da marca Ferrari, modelo 328 GTS, com a matrícula (…).

    XIII) A proprietária do dito veiculo era a mulher do Réu, (…), casados sob o regime da separação de bens.

    XIV) Pessoa que assinou o documento de registo automóvel.

    XV) Bem como, resultou provado que o Autor não era proprietário da Autocaravana ou “Mobile Home” da marca Fleetwood, modelo Flair, com a matrícula (…).

    XVI) Assim, para a conclusão do negócio supramencionado entre o A. e o R., tiveram que intervir também a mulher do Réu, (…) e a testemunha (…), proprietário da autocaravana.

    XVII) Ora, salvo melhor opinião mal andou o douto Tribunal a quo ao constatar “() que a mulher do réu consentiu expressamente na alienação do indicado veículo”.

    XVIII) Porquanto, não houve um consentimento na venda por parte da mulher do Réu, houve sim a venda por parte da mulher do Réu do Ferrari ao Autor.

    XIX) E tanto assim é, que os mandatários do A. enviaram a carta datada de 29/01/2015 à mulher do R. a informar da divergência de quilómetros e da consequente prossecução de denúncia-crime contra aquela.

    XX) Considera assim o Recorrente, salvo melhor opinião que não se encontraram preenchidos os elementos do tipo nem de um nem de outro, mormente a necessária propriedade dos bens vendidos ou permutados.

    XXI) Mal andou, mais uma vez, o Tribunal a quo na qualificação jurídica do contrato como...

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