Acórdão nº 1541/11.0TVLSB.L3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Junho de 2021
Magistrado Responsável | PEDRO DE LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 08 de Junho de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.
Massa Insolvente de Interlog Informática, S.A.
instaurou ação declarativa, com processo ordinário, contra Tech Data Portugal Lda. e Tech Data Europe GMBH pedindo a condenação das Rés a pagarem-lhe a quantia de €6 216 538,50 (seis milhões, duzentos e dezasseis mil, quinhentos e trinta e oito euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, pede que sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de €3 000 000,00 (três milhões de euros) a título de enriquecimento sem causa, montante a que acrescem juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegou que manteve com as Rés conversações e sérias negociações a fim de ceder a sua posição contratual à 1.ª Ré que a Autora tinha com a Apple e, sem que nada o fizesse prever e sem nenhuma concreta explicação, as Rés romperam de forma abrupta as negociações, o que consubstancia uma conduta ilícita, causadora de danos para a Autora.
Caso assim não se entenda, a título de enriquecimento sem causa, sempre deverão as Rés ser condenadas a pagar à Autora o justo valor pelo ativo imaterial da Autora, informação e goodwill, que adquiriram num contexto negocial que findou.
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As Rés apresentaram contestação, na qual impugnaram a factualidade alegada pela Autora, e invocam que não se verificaram as condições que eram essenciais para a conclusão do negócio, o que era do conhecimento da Autora.
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A Autora apresentou réplica, na qual sustentou que todos os pontos essenciais do negócio estavam fechados, não existindo condições por verificar, tendo sido assinada a Letter of Intend, em 03-05-2011, a título de fechamento de sete meses de negociações, pelo que assume a natureza de proposta contratual.
A Autora invocou, ainda, o facto superveniente de que a Ré Tech Data publicitou ter celebrado recentemente, por referência a 20-09-2011, um Contrato de Distribuição para todos os produtos e serviços Apple, exceto iPhone, válido para o território nacional.
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No decurso da audiência de julgamento, no seguimento de requerimento da Autora, o Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho no qual declarou sem efeito: - a apreciação tecida pela Autora quanto à prova produzida; - as alegações de factos atinentes aos resultados da Tech Data, à evolução da cotação das ações, à efetiva concretização de aquisições pela Tech Data na Europa em 2011; - à "juntada" que acompanha o requerimento em apreço; - a resposta das RR quanto aos factos ora alegados pela A.
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Foi proferida sentença, tendo o Tribunal de 1.ª instância julgado a ação improcedente e, consequentemente, absolveu as Rés do pedido.
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Inconformada, a Autora interpôs recurso, não só do despacho interlocutório acima referido como ainda da sentença final.
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O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 22-06-2017 anulou a sentença impugnada e ordenou a ampliação da matéria de facto.
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Realizado novo julgamento, o Tribunal de 1.ª instância proferiu nova sentença que, igualmente, absolveu as Rés do pedido, julgando improcedente a pretensão da Autora.
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A Autora, mais uma vez, interpôs recurso de apelação da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, em 31-01-2019, proferido Acórdão em que ordenou que os autos baixassem ao Tribunal de 1.ª instância para aí se proceder à motivação da decisão proferida sobre os quesitos 22.º, 40.º, 41.º e 50.º.
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Em 14-05-2019, em cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi aditado complemento da sentença à motivação de facto.
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Notificadas deste complemento, Autora e Rés pronunciaram-se sobre a motivação complementar, mantendo e reforçando as respetivas alegações e resposta e pedido de ampliação de recurso.
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O Tribunal da Relação de Lisboa, em 21-11-2019, proferiu Acórdão no qual julgou parcialmente procedente a apelação da Autora e, consequentemente, revogou a sentença impugnada que substituiu por outra que julga parcialmente procedente o pedido da Autora e improcedente a ampliação de recurso das Rés, e condenou as Rés a pagarem à Autora a quantia de €5 740 000,00 (cinco milhões, setecentos e quarenta mil euros), acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento, contados à taxa legal.
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Autora e Rés vieram requerer a retificação do Acórdão por padecer de lapsos de escrita.
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Em seguida, as Rés, inconformadas, interpuseram recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: Da questão prévia 1.ª Em 5 de dezembro de 2019, as Recorrentes requereram, perante o Tribunal a quo, a rectificação do Acórdão recorrido, com o fundamento de que o mesmo padecia de certos lapsos e inexactidões, configuráveis como erros materiais (cfr. art.º 614.º CPC).
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Conquanto a maioria dos lapsos identificados pelas Recorrentes constituam simples gralhas ou erros de escrita, verifica-se uma omissão que, por estar inserida num segmento nuclear da fundamentação do Acórdão recorrido, interfere directamente com o exercício do direito ao recurso pelas Recorrentes.
Ora, 3.ª Na parte final da página 70 do acórdão, o Tribunal recorrido refere que “c) que, por causa das rés, e com forte probabilidade a autora perdeu a oportunidade de encaixar”, mas depois nada mais se diz a esse respeito, passando imediatamente à análise do pedido subsequente.
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Esta incompletude da notificação da fundamentação da decisão afecta directamente a posição das Recorrentes, na medida em que se reporta às razões justificativas para a revogação da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância e, consequentemente, para a condenação daquelas.
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À data da apresentação das presentes alegações de revista, o Tribunal recorrido ainda não procedeu às correcções devidas.
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Nessa medida, as presentes alegações de revista estão condicionadas pela não correcção atempada dos referidos lapsos e omissões, em particular considerando que as Recorrentes não estão dotadas de todos os elementos necessários a alcançar cabalmente o sentido e fundamentos daquela decisão.
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Não tendo as Recorrentes sido notificadas de uma parte essencial da fundamentação do Acórdão recorrido, verifica-se a omissão de uma formalidade que a lei prevê e que influi directamente no exame da causa, o que implica a nulidade da notificação daquela decisão (cfr. art.º 253.º e 195.º, n.º 1, ambos do CPC), que desde já se argui para todos os efeitos legais.
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Caso assim não se entendesse, tal consubstanciaria uma violação do direito fundamental das Recorrentes de acesso ao direito e aos tribunais (cfr. art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa «CRP»), porquanto, ao não lhes ser disponibilizada na íntegra a fundamentação do acórdão, fica gravemente afectado o seu direito ao recurso.
Breve enquadramento 9.ª A Interlog e a Tech Data mantiveram negociações, durante cerca de sete meses, com vista à potencial aquisição, por esta última, da posição contratual da Interlog enquanto “Value Added Distributor” da Apple.
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Paralelamente, a Interlog negociou o mesmo modelo contratual com a Vinzeo, com a perspectiva de maximizar o eventual retorno financeiro decorrente a referida cessão da posição contratual.
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A Tech Data sujeitou a sua vontade de contratar ao preenchimento de determinadas condições suspensivas, a saber: i) a obtenção do apoio da Apple e, bem assim, ii) a aprovação do negócio por parte do Conselho Europeu da Tech Data.
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A Interlog estava ciente das referidas condições suspensivas, bem como do seu carácter essencial no contexto da possível celebração de um acordo.
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Por motivos alheios à vontade da Tech Data, o apoio da Apple ao modelo de negócio que estava a ser equacionado nunca se concretizou.
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A Tech Data cessou as conversações com a Interlog, invocando, entre outros, aquele fundamento.
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Inconformada com a cessação das negociações, a Interlog pediu, através da presente acção, a condenação da Tech Data no pagamento de uma indemnização com base em responsabilidade pré-contratual, formulando, essencialmente, duas pretensões distintas, uma principal e outra subsidiária: i. A condenação da Tech Data no pagamento de € 5.740.000,00, a título de interesse contratual positivo; e ii. subsidiariamente, a condenação da Tech Data no pagamento do mesmo montante, em virtude da frustração do negócio que estava a equacionar com a Vinzeo, i.e., pelo interesse contratual negativo.
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O Tribunal de 1.ª instância absolveu a Tech Data de todos os pedidos formulados pela Interlog, porquanto “[a] conduta desenvolvida pelas RR., ao longo do processo negocial, não foi de molde a afirmar-se que razoavelmente criaram na A. a convicção séria e fundada de que o contrato ia celebrar-se”.
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A Interlog recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa.
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Inexplicavelmente, o Acórdão recorrido julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Interlog, e nessa medida, condenou a Tech Data no pagamento de €5.740.000,00, a título de indemnização pelo interesse contratual negativo, por considerar que a Interlog teria recebido aquele valor proveniente da Vinzeo, não fora a conduta da Tech Data.
Da nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os factos e a decisão 19.ª A condenação da Tech Data nos termos acima descritos surge em absoluta contradição com a respetiva fundamentação.
Com efeito, 20.ª O Tribunal recorrido julgou não provado que “a aceitação da proposta da VINZEO representaria para a Recorrida o encaixe de € 5.740.000 (cinco milhões, setecentos e quarenta mil euros)”.
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Para justificar esta conclusão, a decisão impugnada refere que “nada se prova quanto a um encaixe garantido de € 5.740.000 por parte da autora, proveniente da Vinzeo, como foi sublinhado, e bem na sentença recorrida”.
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Assim, a decisão que, em termos lógicos, seria expectável, era a de absolver a Tech Data do pagamento de uma indemnização por interesse contratual negativo, porquanto não ficou provado nos autos que a Interlog viesse a receber aquela quantia da Vinzeo.
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