Acórdão nº 01493/17.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | TERESA DE SOUSA |
Data da Resolução | 27 de Setembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório A…………, não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), de 5 de Julho de 2017, que julgou improcedente a acção vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno desta Secção do STA, nos termos do artigo 152.º do CPTA. Alega para o efeito que o acórdão ora recorrido, proferido pelo TCAS em 05.07.17 (Proc. n.º 979/16.0BESNT), já transitado, está em contradição com o acórdão proferido igualmente pelo TCAS, em 25.09.08 (Proc. n.º 319/07.0BECTB), também ele transitado, consubstanciando este último o acórdão fundamento.
Em alegações formula as seguintes conclusões: “1. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 5 de Julho de 2017 no âmbito do processo judicial n.º 979/16.0BESNT, o qual confirmou a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, doravante abreviado para TAF de Sintra, onde foi julgada procedente a excepção de prescrição invocada pela ora Recorrida, acórdão que se impugna nos termos do artigo 152.º art° 1 alínea a) do CPTA.
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A ora Recorrente demandou a aqui Recorrida por entender que esta é a responsável pelo pagamento da quantia de € 6.910,20, valor que a Recorrente teve de liquidar em 03-03-2011 a uma oficina de reparação, em função de um sinistro rodoviário ocorrido em 19-01-2011, no qual foi interveniente o veículo com a matrícula ………, à data seguro pela ora Recorrente. [Provados A, B e C] (negrito nosso) 3. A Recorrente ficou assim subrogada nos direitos do seu tomador e lesado no acidente, nos termos do n.º 1 do artigo 136º do RJCS, razão pela qual demandou da ora Recorrida com base nos arts. 1.º n.º 5, 7.º n.º 1, 9.º n.º 1 e 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, do art. 12.º n.º 1 da Lei n.º 24/2007 de 18 de Julho, e ainda dos arts. 483.°, 486.° e 562.° do CC.
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Contudo, o Tribunal «a Quo», confirmando a posição do TAF de Sintra, decidiu que o direito que assistia à Recorrente já estaria prescrito, porquanto não lhe aproveitava a citação da ora Recorrida efectuada em 27-02-2014 no âmbito de uma anterior acção judicial, por entenderem que ao direito da Recorrente é aplicável o disposto no art. 498.º n.º 1 conjugado com os arts. 308.º e 589.º e ss. todos do CC.
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O Tribunal «a Quo» adoptou uma tese formalista, argumentando que sendo o instituto de subrogação uma forma de transmissão de direitos, adquirindo o novo titular o mesmo “direito” que o credor originário detinha, ao contrário do direito de regresso, o prazo da Recorrente para demandar o responsável é o mesmo do credor originário, nos termos do art. 498.º n.º 1 do CC, pelo que tendo o sinistro ocorrido em 19-01-2011 o prazo de prescrição completou-se em 20-01-2014.
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No entanto, este entendimento está em contradição com o Acórdão datado de 25-09-2008 proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do processo judicial n.º 319/07.0BECTB, consubstanciando este o Acórdão fundamento, que ora se junta como doc. n.º 1 e se dá por integralmente reproduzido. (Também disponível para consulta devidamente transcrito em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/4f2e3f3aebf09f6b802574d7003c6cbc?OpenDocument) 7. No acórdão fundamento, tendo por referência um caso idêntico ao dos Autos, entendeu-se que prazo de prescrição do direito de reembolso da Seguradora que age em subrogação do lesado em sinistro automóvel, apenas pode começar a correr a partir da data de pagamento, conclusão a que se chega por duas vias: a) através da conjugação do art. 306.º com o art. 498.º n.º 1 e n.º 2, ambos do CC, que devem ser interpretados habilmente e aplicados em conjunto, porquanto o «prazo de prescrição do direito da sub-rogada companhia de seguros só começa a correr depois de ter pago a indemnização, dado que só depois daquele pagamento se concretizou a relação jurídica da sub-rogação e só a partir de então pode ser exercido o direito contra o responsável pelo acidente.»; b) através da aplicação analógica do art. 498.º n.º 2 do CC aos casos de sub-rogação, dada a similitude entre os institutos jurídicos do direito de regresso e de sub-rogação, que têm no cumprimento a sua a causa da sua origem.
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Deste modo, a questão fundamental de direito subjacente ao presente Recurso de uniformização, é determinar a data do início, da contagem do prazo de prescrição do direito da seguradora que age sub-rogada nos direitos do lesado em sinistro rodoviário, nos termos do art. 136.º da RJCS conjugado com os arts. 306.º e 498.º n.º 1 e n.º 3 do CC e artigo 5.º da Lei n.º 61/2007. (negrito nosso) 9. Face ao que antecede, entre o Acórdão impugnado e o Acórdão fundamento existe assim uma patente contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, que importa dirimir no presente Recurso.
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Encontrando-se assim reunidos todos os requisitos constantes do art. 152.º do CPTA para que se tenha por verificado o Recurso por Uniformização de Jurisprudência, pois existe identidade entre as situações de facto, dado que no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento estava em causa a apreciação da mesma questão de direito, tendo também já ambos transitado em julgado 11. Aqui chegados, e salvo melhor entendimento, entende a Recorrente que tanto o TAF de Sintra como o Tribunal «a quo» violaram os artigos 10.º, 306.º e 498.º todos CC, conjugados ainda com o art. 136.º do RJCS 12. Ora, resulta do n.º 1 do artigo 136.º do RJCS dispõe que o direito de reembolso da Recorrente só pode ser exercido uma vez liquidada a indemnização ao lesado. (negrito nosso) 13. Pelo que, ainda que se entenda que o direito adquirido pelo credor sub-rogado não seja um direito que nasce ex novo, antes transmitindo-se do credor originário para credor sub-rogado, a verdade é que o facto jurídico que origina a existência do direito na titularidade deste último é o cumprimento, não se concebendo a sub-rogação antes deste cumprimento, sendo, nesta parte, em tudo semelhante a um direito de regresso.
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Ademais, estando a indemnização “satisfeita” e assim “nascido” o direito da Recorrente, o direito que se pretende fazer valer já só indirectamente tem como fundamento o acidente que determinou a indemnização, passando antes a basear-se em direito próprio, designadamente de ser reembolsado daquilo que foi pago ao lesado.
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Partindo desta premissa, decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 306.º do CC, que a prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido, e não antes, pelo que, nos casos de sub-rogação, a contagem deste prazo só pode iniciar-se após o pagamento, que corresponde ao momento em que “nasce” na esfera do credor sub-rogado esse mesmo direito, o qual, por esse motivo, não ser exercido antecipadamente.
(negrito nosso) 16. A este propósito, veja-se o Acórdão fundamento que adere na íntegra ao Acórdão proferido em 04-05-2006 pelo Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 045884: «(...) entende-se dever seguir a solução contrária. Por três razões essenciais: Em primeiro lugar, porque o direito do sub-rogado, em certa medida, é um direito novo que só se realiza definitivamente com o pagamento da prestação em nome do primitivo devedor.
E sendo assim, estamos já perante a segunda razão, só nesse momento, com a incorporação desse direito na sua esfera Jurídica, o sub-rogado está em condições de o exercer e, portanto, só a partir daí poderá exigir o pagamento ao verdadeiro responsável e a prescrição poderá começar a correr (art.º 306, n.º 1, do C. Civil (...)».
(negrito nosso) 17. Mais, cumpre referir que o artigo 498.º do CC mais não é do que uma mera decorrência do estatuído pelo art. 306.º do CC, onde se estabelece a regra geral aplicável a todos os prazos de prescrição, designadamente que o prazo de prescrição só pode começar a correr quando o direito puder ser exercido.
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Aliás, as normas constantes do n.º 1 e n.º 2 do artigo 498.º do CC vêm reiterar o que aí se determina, ao estabelecer que o prazo de prescrição só começa a correr quando o lesado toma conhecimento do direito que lhe compete, ou no caso do n.º 2 do pagamento, isto é, que o prazo de prescrição só pode contar-se quando o direito puder ser exercido.
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Por seu turno, o n.º 2 do referido preceito faz referência expressa ao direito de regresso mas nenhuma menção à sub-rogação, para a qual não se encontra expressamente previsto qualquer prazo de prescrição, existindo assim uma lacuna jurídica que deverá ser preenchida com recurso aos princípios que regem a integração de lacunas, plasmados no art. 10.º do CC, fazendo-se uma analogia com outros casos semelhantes regulados na lei.
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Deste modo, atendendo à proximidade entre o direito de regresso e a sub-rogação, visto que ambos os institutos jurídicos têm o pagamento como o facto originador do direito que surge na esfera do novo titular verifica-se o preenchimento do art 10.º n.° 2 do CC, devendo aplicar-se, por analogia, o disposto no n.º 2 do artigo 498.º do CC.
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Neste sentido o Acórdão fundamento, e ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 25-03-2010, no âmbito do processo n.º 2195/06.0TVLSB.S1: «A norma constante do n° 2 do art. 498° do CC é analogicamente aplicável aos casos em que o direito ao reembolso se efectiva, não através da constituição de um direito de regresso nas relações internas entre responsáveis solidários, mas pela via da sub-rogação legal, 2. Na verdade, assentando decisivamente a sub-rogação, enquanto fonte da transmissão de um crédito, no facto jurídico do cumprimento, o prazo prescricional de curta duração, previsto no n°1 do art. 498°do CC, apenas se inicia — no que se refere ao direito ao reembolso efectivado através da figura da sub-rogação — com o pagamento efectuado ao lesado, já que anteriormente a esse facto o demandante está privado da possibilidade de...
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