Acórdão nº 490/10.3IDPRT-F.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução07 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1. AA vem interpor recurso extraordinário de revisão de sentença, nos termos e com os seguintes fundamentos[1]: «OBJECTO E DELIMITAÇÃO DO RECURSO I. Decorre da lei fundamental, conforme o art. 29.º n.º 6 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.

  1. A certeza e segurança jurídica em que assenta o caso julgado (cfr. O art. 620.º do Código de Processo Civil) não se coaduna com situações de injustiça, daí que estamos perante um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, reparando assim, um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.

  2. Como referem os Juízes Conselheiros Jubilados Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, citando Cavaleiro de Ferreira[2][3], “seria fazer suceder «a um erro judiciário, de que tanto é vítima o juiz que condenou e se enganou, como o réu condenado e que suporta o peso do erro», um outro «crime judiciário«, pois como tal há que considerar a manutenção de uma condenação por pretensas razões formais, sendo que o erro «tem a desculpa da importância», ao passo que a manutenção consciente da condenação «é imposição de um mal, que a lei e aquela injustiça, que nem as leis podem atingir ou afectar, repele».” IV. O arguido condenado nos autos supra referenciados, vem por este meio interpor Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença, com base na alínea d) e e) do n° 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal (doravante CPP), juntando em anexo para o efeito 1 (um) documento original probatório num total de 4 (quatro) páginas. E assim procede com base legal no artigo 29.º n° 6 da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 449.º, n.º 1 al. d) e e) e n.ºs 2 a 4, 450.º n.º 1 al. c), 451, 452, 453, 454, 455, 457, 459, 461, 462 e 466, todos do CPP.

Parte I Introdução 1.

O recorrente AA foi acusado da prática em co-autoria, de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.º 1-3 do Código Penal (doravante CP), um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo arts. 103.º, n.º 1 al. a) e b) e 104.º, n.º 2, al. a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias (doravante RGIT) e de branqueamento, p. e p. pelo art, 386.º-A, n.ºs 1, 2, 3 e 6 do CP.

  1. Como é sabido, um dos valores fundamentais do direito é o da segurança das decisões judiciais, consubstanciada no instituto do trânsito em julgado.

  2. Contudo, tal valor não é absoluto, e nem sequer é o mais importante, pois sobreleva o da justiça, particularmente quando estão em causa direitos fundamentais da pessoa humana. Esse é o caso das condenações penais, onde são, ou podem ser afrontados os direitos à liberdade, à honra e bom nome do condenado, e onde, portanto, a imutabilidade da sentença que decorre do caso julgado tem de ceder, sempre que se torna flagrante que foi contrariado o sentido da justiça.

  3. No confronto desses dois valores, a justiça e a segurança, o legislador em matéria penal optou por uma solução de compromisso, possibilitando, embora de forma limitada, o direito de serem revistas as sentenças e os despachos que tenham posto fim ao processo, ainda que transitados em julgado.

  4. O recurso de revisão inscreve-se nas garantias de defesa dos cidadãos.

  5. Por isso, o art.º 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa prevê, no domínio dos direitos, liberdades e garantias, sobre a aplicação da lei criminal, que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.

  6. E, na prossecução desse desiderato, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, prevê de facto o de revisão, no art.º 449.º e seguintes.

  7. Os fundamentos deste recurso extraordinário vêm taxativamente enunciados no art.º 449.º do Código de Processo Penal, e visam o aludido compromisso entre o respeito pelo caso julgado, e com ele a segurança e estabilidade das decisões, por um lado, e a justiça material do caso, por outro.

    Enquadramento do Processo: 9.

    O recorrente AA juntamente com a sua ex-mulher BB são gerentes de direito e de facto da sociedade “CC, Lda, com o NIPC ....

  8. O que estava em causa no processo era o pagamento do valor do IVA ao Estado devido a aquisições de pneus intracomunitárias.

  9. O recorrente efectuou uma parceria com DD em Agosto de 2011.

  10. Esta parceria consistia no seguinte: o recorrente AA, auxiliado pela arguida BB, em vez de adquirir pneus directamente aos fornecedores intracomunitários através da sociedade por ambos gerida, a “CC”, fazia-o, por acordo com o arguido DD, utilizando para o efeito a sociedade “EE”, no que respeita aos fornecedores intracomunitários “FF”, “GG”, “HH”, “II”. “JJ”, “LL”, e “MM.

  11. Como contrapartida do uso da Sociedade “EE” pelo recorrente AA, era paga ao arguido DD uma comissão sobre o valor das compras efectuadas.

  12. O recorrente AA, por acordo com o arguido DD, contactava os fornecedores intracomunitários fazendo-se passar por representante da “EE” e os pneus eram facturados pelos fornecedores intracomunitários à “EE”.

  13. O recorrente AA efectuava o pagamento dos pneus fornecidos à “EE” através de transferências bancárias ou depósitos em numerário, para posterior pagamento aos fornecedores intracomunitários.

  14. Os pneus adquiridos eram destinados à actividade comercial da sociedade “CC”.

  15. No âmbito das relações comerciais entre as sociedades “CC” e “EE”, o recorrente AA emitia facturas onde constavam transacções comerciais entre ambas, incluindo nas facturas o IVA à taxa legal aplicável.

  16. Esta parceria consistia em efectuar aquisições de pneus a fornecedores comunitários, receber tais pneus em Portugal e, posteriormente, transmitir tais pneus a clientes nacionais, sem declarar ou ocultando tais actividades de aquisição e posterior transmissão ao Estado, fugindo assim à tributação em sede de IVA.

  17. Inquérito 490/10.3IDPRT – SRICEF/2.ª Brigada 19.1. Interrogatório a NN – Relatório da Polícia Judiciária – p. 236 O arguido refere que a sua relação com AA apenas existe por este estar associado a um seu primo, e que somente depois de uma zanga com este é que começaram a negociar.

    19.2. Cartas Rogatórias com Autoridades Judiciárias da Holanda, França e Espanha – Relatório da Polícia Judiciária – p. 345, 346, 352, respectivamente Todas as autoridades judiciárias aqui envolvidas, apenas indicaram o recorrente AA como pessoa de contacto na compra de pneus enquanto representante da sociedade CC e como vendedor à comissão noutras empresas, entre elas a EE.

  18. Interrogatório de arguido NN perante Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto 20.1.

    O recorrente referiu que “…AA depois de se ter zangado com o primo, sendo que ele e a mulher quiseram fazer negócio consigo, tendo-lhe oferecido um euro por cada pneu, ficando estabelecido que utilizava as suas sociedades para adquirir os pneus aos fornecedores estrangeiros.

    Esclareceu que esta parceria durou 3 meses devido ao facto de ter sido preso.

    Referiu que era o dinheiro de AA que entrava para pagar aos fornecedores comunitários, pelo que o dinheiro que advinha depois para as contas de OO e PP era depois levantado e transferido para AA o excesso.” Declarações de DD prestadas em Julgamento perante a 2.ª Vara Criminal do Porto 21.

    As declarações do arguido DD implicam com a responsabilidade penal de outros arguidos, assim importa analisar em pormenor as declarações prestadas pelo arguido DD; 22.

    DD afirmou que mantinha uma parceria com o arguido AA, que passava pela utilização da sociedade “EE”, confirmando que quem efectuava as compras era o arguido AA, e que nem sequer conhecia os fornecedores; 23.

    Mais, o arguido DD explicou minuciosamente a sua relação com o arguido AA, merecendo credibilidade as suas palavras; 24.

    Não obstante, em nenhum momento foi evidenciada ou explicada a concreta divisão das vantagens obtidas no âmbito da parceria.

    Julgamento da Extinta 2.ª Vara Criminal do Porto Factos Provados (relevantes para o este Recurso) 25.

    O arguido DD foi o mentor de uma organização que se dedicava, pelo menos desde 2006 até ao ano de 2012, a efectuar aquisições de pneus a fornecedores comunitários de Espanha, França Bélgica, Holanda e Alemanha, receber tais pneus em Portugal e, posteriormente, transmitir tais pneus a clientes nacionais, sem declarar (ocultando) tais actividades ao Estado, fugindo assim à tributação, na parte que aqui releva em sede de IVA.

  19. Este esquema estava centrado no aproveitamento do regime especial do IVA aplicável às aquisições intracomunitárias de bens, previsto no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias (RITI).

  20. Nestes casos os bens transitam livremente do Estado membro do vendedor para o Estado membro do adquirente, sem quaisquer formalidades aduaneiras, e portanto livres de imposto (IVA), cabendo ao adquirente, na qualidade de sujeito passivo do imposto, proceder à autoliquidação do tributo.

  21. Este esquema era levado a cabo através da ocultação dos verdadeiros adquirentes dos bens aos fornecedores intracomunitários.

  22. Nestas aquisições intracomunitárias eram utilizadas empresas nacionais, em nome das quais eram adquiridos os bens, assumindo estas a qualidade de sujeitos passivos de IVA.

  23. O arguido DD era coadjuvado por vários membros da organização, como é o caso de AA.

  24. Para o funcionamento da organização que se dedicava a colocar em prática o esquema supra descrito, o arguido DD necessitava da colaboração de várias pessoas, que desempenhavam funções específicas, essenciais e/ou acessórias, em cada uma das operações que conduziam à realização do mencionado esquema.

  25. A presidir à colaboração (essencial ou acessória) das várias pessoas na organização, bem como à adesão e colaboração ulteriores do recorrente AA, entre outros, com vista à realização do esquema anteriormente...

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