Acórdão nº 1053/16.5YRLSB.S1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA UK Limited e AA Unipessoal, Lda., intentaram, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, nº 8. da Lei 62/2011, de 12 De Dezembro, e 18.º, n.º 9, 46.º, n.º 3 al.a, subalínea iii), e 59.º, n.º1al. f) da lei 63/2011, de 14 de Dezembro, a presente acção especial contra BB Farmacêutica, Lda., pedindo a anulação parcial de decisão arbitral interlocutória.

Alegaram, em resumo, as requerentes que: - em acção arbitral intentada contra a ré que tinha por objecto a defesa dos direitos das requerentes emergentes de patente europeia (EP ‘637) e de certificado complementar de protecção (CCP 197) relativos a medicamentos genéricos, aquela defendeu-se por excepção, arguindo a invalidade dos direitos de propriedade industrial invocados; - na sequência o Tribunal Arbitral emitiu decisão interlocutória em que se considerou competente para apreciar e conhecer da invalidade invocada pela requerida; - todavia, a invalidade de uma patente só pode ser declarada pelo Tribunal da Propriedade Intelectual em acção intentada nos termos do artigo 35º do Código da Propriedade Industrial, sendo a acção de nulidade ou anulação, junto de um tribunal judicial, o único meio facultado para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial.

Citada a ré para, no prazo de 30 dias, se opor ao pedido e oferecer prova, nada disse.

Saneado o processo, o Tribunal da Relação de … proferiu acórdão, decidindo «julgar procedente a acção de anulação e, em consequência, anular a decisão do Tribunal Arbitral proferida em 30-05-2016, no sentido de aquele Tribunal ser competente para apreciar as questões suscitadas relativamente à validade da patente EP 817637 e do CPP 197, a título incidental».

Inconformada, interpôs a ré BB Farmacêutica, Lda., recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo a Formação a que alude o nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil determinado a distribuição dos autos como revista normal. Na alegação oportunamente apresentada formulou, no que ao mérito do recurso respeita, as seguintes conclusões: «M. O regime do artigo 35º do CPI apenas atribui competência exclusiva aos tribunais judiciais quando o que se pretende é obter a declaração de nulidade ou a anulação da patente, com eficácia erga omnes, mas não impede a apreciação da nulidade incider tantum, ou a título de excepção.

  1. A Recorrente limitou-se a contestar que a substância activa contida nos seus medicamentos violasse a patente mediante a alegação dos factos que demonstram que a patente em causa não preenche os requisitos de novidade e de passo inventivo, sendo por isso nula e, nessa medida inoponível à Recorrente.

  2. A Lei n.5 62/2011 impôs a submissão destes litígios a arbitragem necessária, sem estabelecer qualquer limitação dos meios de defesa do Demandado, os quais, nessa medida, são os mesmos que poderiam ser invocados perante o tribunal judicial.

  3. De acordo com a Proposta de Lei nº 13/XII, a intenção do legislador foi consagrar um mero sistema alternativo de arbitragem em relação aos tribunais de primeira instância, com recurso para o Tribunal da Relação.

  4. O sistema de arbitragem necessária só pode ser considerado um verdadeiro sistema alternativo em relação aos tribunais de primeira instância caso sejam assegurados ao Demandado os mesmos meios de defesa de que o Réu dispõe junto do Tribunal do Estado.

  5. Se o Tribunal da Relação sustenta a tese de que o artigo 359 do CPI não permite ao Tribunal Arbitral conhecer dessa defesa, o mesmo é dizer que a Recorrente fica sem defesa.

  6. A interpretação do artigo 35º do CPI como constituindo um impedimento à dedução de defesa por excepção com fundamento na invalidade da patente no âmbito da arbitragem necessária ao abrigo da Lei n.º 62/2011 constitui uma violação grave e deliberada do princípio constitucional do processo justo e equitativo, em violação dos n.ºs 1 e 4 do art.º 202 da CRP.

  7. A presunção prevista no artigo 4º, nº 2 do CPI (a que alude o despacho recorrido), relativa aos requisitos da concessão da patente, é uma mera presunção júris tantum, o que permite ao demandado fazer a prova do contrário, só assim se garantindo uma justa composição do litígio.

  8. O acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva corresponde, a uma garantia basilar de protecção dos restantes direitos fundamentais, pela via judiciária, constituindo, por isso, um alicerce estruturante do Estado de Direito democrático.

    V. Seria uma flagrante injustiça (e um desrespeito pelo principio da igualdade) o tribunal arbitral necessário condenar alguém por infracção de uma patente inválida, sendo certo que tal nunca aconteceria se o litígio fosse julgado pelo Tribunal do Estado.

  9. A interpretação da Lei n.9 62/2011 de 12 de Dezembro no sentido de que "não se afigura, pois, ficar abrangida a discussão sobre a existência ou a validade da própria validade da patente (...) mesmo que a título incidental" é inconstitucional face aos princípios do processo justo e equitativo previsto no artigo 209, n.9 4 da Constituição da República Portuguesa.

    X. O Tribunal da Relação faz igualmente uma incorrecta interpretação do artigo 1115 da LOSJ, porquanto não foi requerido ao Tribunal Arbitral que revogasse a patente ou que declarasse a nulidade dessa patente com eficácia erga omnes.

  10. O Tribunal da Relação omite qualquer menção ao disposto no n.º 1 do artigo 91º, do CPC, o qual determina que o tribunal competente para a acção é igualmente competente para as questões suscitadas como meio de defesa.

  11. No sistema bifurcado alemão, não há o risco do réu na acção de infracção da patente ser condenado quando existam e sejam considerados procedentes os fundamentos da invalidade da patente, pelo que os direitos de defesa do réu estão e a garantia de um processo justo e equitativo estão plenamente salvaguardados.

    AA. A arbitrabilidade da questão relativa ao preenchimento dos requisitos de patenteabilidade de uma invenção (novidade e/ou actividade inventiva) já se encontra prevista no ordenamento jurídico português, mais concretamente no artigo 48º, n.º 1 do Código da Propriedade Industrial.

    BB. E relativamente ao recurso judicial, o artigo 39º, al. a) do CPI estabelece que cabe recurso, de plena jurisdição, para o tribunal competente, das decisões do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedam ou recusem direitos de propriedade industrial (sublinhado nosso).

    CC. A eficácia relativa de uma decisão no âmbito de processo judicial em que a invalidade do direito de propriedade industrial seja arguida pela Ré é entre nós pacificamente aceite, sem que resultem "patentes relativamente oponíveis".

    DD. A realização da justiça material na acção tendente a exercer um direito seria colocada de forma intransponível em causa, caso se admitisse uma condenação de um Réu por uma alegada infracção de um direito, quando este direito não preenche os requisitos legais para a sua validade.

    EE. O artigo 104º do CPI determina de forma expressa que os direitos decorrentes de uma patente podem ser inoponíveis.

    FF. Os tribunais arbitrais têm admitido de forma unânime a apresentação de defesa com base na excepção peremptória de não infracção das patentes de processo ou utilização, com decisões manifestamente contraditórias, cabendo ao Tribunal da Relação de Lisboa a devida uniformização de jurisprudência sempre que tal se revele necessário.

    GG. A posição assumida pelo Tribunal da Relação de … permitirá o monopólio de um titular de um direito mesmo que esse direito seja inválido e ilegal.

    HH. A possibilidade de o alegado infractor da patente arguir por via de excepção ou pedir incidentalmente a declaração de nulidade de patente, como matéria de defesa, em processos arbitrais, é um dado adquirido na esmagadora maioria dos ordenamentos jurídicos de direito de patente, designadamente nos Estados Unidos da América, em França e em Itália.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa».

    Contra-alegaram as autoras, defendendo a confirmação do acórdão recorrido.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II. Fundamentos: Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação das demandantes, ora recorrentes, a questão que se coloca é a de saber se assiste competência ao tribunal arbitral necessário, previsto no artigo 2º da Lei nº 62/11, de 12 de Dezembro, para conhecer, a título meramente incidental - por via de excepção –, da questão da nulidade da patente de medicamento, anteriormente registada, com efeitos limitados às relações inter partes.

    Antes de entrarmos na apreciação desta concreta questão, importa relembrar que, de harmonia com o disposto no artigo 101.º n.º 1 do Código da Propriedade Industrial (CPI), a patente de invenção confere ao respectivo titular um direito exclusivo de exploração de um invento durante 20 anos, a contar do respectivo pedido (art.º 99.º do CPI), atribuindo-lhe o direito de, no território nacional (art.º 101.º n.º 1 do CPI), “impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados” (n.º 2 do art.º 101.º do CPI).

    Já o certificado complementar de protecção (CCP) consubstancia um mecanismo de prorrogação do prazo de duração da patente, admitido para os medicamentos e para os produtos fitofarmacêuticos, de harmonia com o que dispõem os artigos 115.º e 116.º do CPI e o Regulamento n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de maio de 2009, o qual codificou esta matéria, inicialmente regulada pelo Regulamento (CEE) n.º 1786/2, do Conselho, de 19 de Julho de 1992).

    A patente provém de uma autoridade administrativa, no exercício de um poder público regulado pela lei, e faz presumir a validade do direito da propriedade industrial até decisão em contrário, a...

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