Acórdão nº 01165/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução30 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O CONSELHO DE ACOMPANHAMENTO DOS JULGADOS DE PAZ [CAJP] interpõe «recurso de revista» do acórdão proferido em 07.03.2013 pelo Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], que negou total provimento ao recurso de apelação por ele interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF], em 03.06.2009, e o condenou a «renomear» a autora desta acção administrativa especial [AAE], A…………, para o «Julgado de Paz do ……, a título definitivo, e com efeitos reportados a 16.04.2007».

    Conclui assim as suas alegações: 1- Este recurso é de revista nos termos do artigo 150º, nº1 do CPTA, tem efeito suspensivo nos termos do artigo 143º, nº1 do CPTA, e sobe nos próprios autos, de acordo com o artigo 691º-A, nº1, alínea a), do CPC, aplicável ex vi artigo 135º, nº1 do CPTA; 2- O recorrente tem legitimidade para apresentar o presente recurso, por ter ficado vencido no acórdão proferido pelo TCAN, que julgou os recursos propostos pelo recorrente e pela recorrida do acórdão proferido pelo TAF no âmbito do processo nº1019/07.6BEPRT, ao ser condenado a renomear a recorrida a título definitivo, enquanto juíza de paz do Julgado de Paz do ……, isto, nos termos e para os efeitos do artigo 141º, nº1, do CPTA; 3- O acórdão recorrido incorreu em violação de lei substantiva [artigo 150º, nº2, do CPTA], ao violar os artigos 25º e 29º da Lei nº78/2001, de 13.07, e o regime legal para o qual este último preceito remete - artigos 5º e 7º, nº1, alínea b), do DL nº427/89 [entretanto revogado pela Lei 12-A/2008, que não obstante consagra solução idêntica nos artigos 9º, nº4, alínea a), 20º e 23º, nº1], e ainda os artigos 21º nº8, 24º nº1, e 25º nº1 alínea a), da Lei 2/2004, de 15.01, na redacção dada pela Lei 55/2005, de 30.08, ao desaplicá-los com fundamento na sua pretensa inconstitucionalidade, passando a aplicar por suposta analogia ou interpretação extensiva, a Lei nº2/2008, de 14.01 [que regula o ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados judiciais e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários] e o Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº21/85 de 30.07; 4- A relevância jurídica fundamental que fundamenta a interposição do presente recurso de revista, resulta do facto de se estar perante questões de direito substantivo de elevada relevância e complexidade, envolvendo a solução a dar a tais questões a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, a CRP, a Lei nº78/2001, a aplicação subsidiária da legislação da função pública, a pretensa aplicabilidade do estatuto dos magistrados judiciais e da legislação de acesso à magistratura judicial, e todas as operações de aplicação das normas, contidas no acórdão recorrido; 5- Designadamente, a desaplicação da norma relativa à duração da nomeação dos juízes de paz e do regime da função pública aplicável aos juízes de paz com fundamento na sua inconstitucionalidade, e a interpretação extensiva/integração analógica do estatuto dos magistrados judiciais e da legislação de acesso à magistratura judicial; 6- Além de ser matéria que já suscitou pronúncias várias e dúvidas sérias, quer ao nível da jurisprudência [AC uniformizador de jurisprudência do STJ de 24.05.2007, processo nº881/2007; AC do Tribunal Constitucional nº250/2009 e respectivos votos de vencido, publicado no DR, 2ª série, de 10.11.2009, páginas 45762- 45765], quer ao nível da doutrina [ver LÚCIA DIAS VARGAS, Julgados de Paz e Mediação. Uma Nova Face da Justiça, páginas 182 e 184 e demais doutrina aí citada; JORGE MIRANDA, RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, página 113; CARDONA FERREIRA, Julgados de Paz, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2011, páginas 114 a 120]; 7- Ainda que não deixe de ser uma questão nova, sobre a qual não há estabilização do entendimento jurisprudencial, visto que apenas lateralmente e no âmbito de litígios respeitantes a outras questões laterais ao presente litígio, esta questão foi abordada pelos tribunais superiores, designadamente pelo Tribunal Constitucional no acórdão supra referido [que se pronunciou sobre a elegibilidade de um juiz de paz como candidato às eleições para o Parlamento Europeu]; 8- Também tem esta questão uma relevância social fundamental por poder ter profundas implicações e servir de paradigma de decisão judicial no que se refere ao estatuto jurídico dos juízes de paz e à provisoriedade do seu vínculo profissional, além de pôr em causa o arranjo institucional encontrado a nível da organização judiciária, o que indesmentivelmente poderá ter repercussões de grande impacto na comunidade, visto poder causar perturbações na organização e funcionamento dos Julgados de Paz e da própria Justiça em Portugal; 9- A sua relevância no plano prático prende-se com o facto de, se não tivesse ocorrido a desaplicação dos artigos 25º e 29º da Lei nº78/2001, de 13.07, e o regime legal para o qual este último preceito remete - artigos 5º e 7º, nº1, alínea b) do DL nº427/89 e ainda 21º, nº8, 24º, nº1, e 25º, nº1, alínea a), da Lei nº2/2004, de 15.01, na redacção dada pela Lei nº55/2005, de 30.08, jamais poderia o tribunal a quo condenar o recorrente a nomear a recorrida enquanto juíza de paz no Julgado de Paz do …… a título definitivo; Do regime legal aplicável aos juízes de paz e da sua desaplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade 10- Em suma, existem quatro erros no julgamento da matéria de direito pelo tribunal a quo: a) Ao considerar-se ser inconstitucional a natureza provisória do vínculo dos juízes de paz - por um prazo de 3 anos, nos termos do artigo 25º da Lei nº78/2001, de 13.07; b) Ao considerar-se ser inconstitucional a aplicação subsidiária do regime da função pública aos juízes de paz; c) Ao considerar-se dever ser aplicável aos juízes de paz, por interpretação extensiva ou integração analógica o estatuto dos magistrados judiciais e o regime do acesso à magistratura judicial; d) E, em consequência, ao considerar ser a autora apta para efeitos de nomeação a título definitivo enquanto juíza de paz, de acordo com o regime de acesso à magistratura judicial, considerado aplicável ao presente caso pelo acórdão recorrido; 11- Não está em causa no acórdão recorrido uma interpretação conforme à constituição mas sim verdadeira desaplicação de normas com fundamento na sua pretensa inconstitucionalidade: falta um elemento essencial para que se pudesse considerar uma interpretação conforme à constituição, e que é a mínima correspondência do sentido extraído da interpretação pretendida com a letra da lei, sobretudo do artigo 25º, que diz expressamente que os juízes de paz são providos no cargo por um prazo de 3 anos, mas também do artigo 29º, que expressamente consagra o regime dos trabalhadores em função pública como regime subsidiário aplicável aos juízes de paz; 12- Quanto ao vínculo funcional temporariamente limitado e ao alegado perigar da garantia de independência dos juízes de paz e violação do princípio da separação de poderes, desde logo se deve realçar que em Portugal existem pelo menos dois outros casos em que não existe vínculo permanente de quem exerça o poder jurisdicional - os juízes do Tribunal Constitucional e os árbitros - sendo certo que tal como sucede ainda em tribunais internacionais cuja jurisdição o Estado Português reconhece, designadamente o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal Geral da União Europeia ou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; 13- Ora, daqui se pode depreender que a isenção e a independência de quem exerça o poder jurisdicional não está condicionada pelo simples facto da duração limitada do vínculo funcional para o efeito. Se assim fosse, seria a própria constituição inconstitucional, não só em relação ao modo de nomeação e mandato dos juízes do tribunal constitucional, como pelo reconhecimento dos tribunais arbitrais, cujos membros, por natureza, exercem funções jurisdicionais a título provisório; 14- Em todo o caso, a solução que acabou por ficar consagrada na lei em relação aos juízes de paz respeita o princípio da independência e afigura-se equilibrada tendo, por isso mesmo, sido aprovada unanimemente no Parlamento, sendo os juízes de paz nomeados por um órgão que, como já se demonstrou na presente acção, é independente; e estando os juízes de paz, nos termos do artigo 21º da Lei 78/2001, de 13.07, sujeitos às mesmas garantias de imparcialidade estabelecidas na lei de processo civil para os juízes togados; 15- Aliás, quando o Tribunal a quo opta no ponto 2.6. do acórdão recorrido, por recusar o conhecimento da questão suscitada pela recorrida no seu recurso da decisão proferida em 1ª instância, sobre a alegada inconstitucionalidade do arranjo institucional que atribui ao réu e ora recorrente os poderes de nomear e sancionar os juízes de paz, fá-lo com base numa pretensa inutilidade que daí decorreria para o julgamento da lide, por se tratar supostamente de uma questão de inconstitucionalidade «em abstracto», para posteriormente, por portas travessas sustentar a alegada violação do princípio da independência decorrente da «evidente e quase exclusiva natureza política» do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, quando se pronuncia sobre a violação do princípio da independência que estaria ínsita na nomeação sem ser a título definitivo dos juízes de paz; 16- O acórdão recorrido acaba, assim, de forma manifestamente contraditória por abster-se de seguir o preceituado no artigo 204º da CRP, e a consequente recusa de aplicação de normas que considera inconstitucionais, ao concluir pela inconstitucionalidade do arranjo institucional que atribui os poderes de nomear/renomear juízes de paz ao recorrente, mas aplicando, por mais absurdo que pareça, tais normas inconstitucionais para renomear a recorrida, integrando a justificação de tal renomeação o carácter inconstitucional [não declarado, mas evidentemente subentendido] do referido arranjo institucional que capacita o recorrente a...

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