Acórdão nº 506/13.1PLLRS.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Novembro de 2015
Magistrado Responsável | ABRUNHOSA DE CARVALHO |
Data da Resolução | 05 de Novembro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Na Secção de Instrução Criminal da Instância Central de Loures, por despacho de 17/02/2015, constante de fls. 31/34, nestes autos em que é Arg.
[1] e Assistente XXX, com os restantes sinais dos autos, foi decidido o seguinte: “…I - Nos presentes autos, o arguido/assistente XXX, requereu a abertura de instrução na sequência da prolação do despacho final de arquivamento parcial (cfr. fls. 83 a 86), proferido com fundamento na falta de indiciação suficiente, no que respeita à autoria dos factos por parte de agentes da P.S.P., que tiveram como consequência lesões físicas na pessoa do assistente, subsumíveis, em abstracto ao crime de ofensa à integridade física qualificada (cfr. arts. 143.°, n.°1, 145.°, n.°s 1, alínea a) e 2, por referência ao art. 132.°, n.°2, alínea m) todos do Código Penal).
No requerimento de abertura de instrução concluiu-se pela existência de indícios suficientes relativamente aos crimes de ofensa à integridade física qualificada, perpetrados por dois agentes de autoridade, a saber, AAA e BBB, tendo existido, no mínimo, uma clara desproporcionalidade na aplicação da força para manietar o arguido/assistente, pecando os actos de inquérito praticados pela sua manifesta insuficiência no sentido de descortinar a verdade dos factos.
Mais alegou que, após a detenção, já no interior da esquadra, perante a passividade do agente AAA, o agente BBBs desferiu-lhe socos na cara, nos braços, na zona abdominal e pontapés nas restantes parte do corpo, ainda lhe tendo dito que quando o torna-se (sic [tornasse]) a apanhar dava-lhe cabo do canastro.
Concluiu pugnando pela prolação de despacho de pronúncia pela prática, por ambos agentes de autoridade, dos crimes de ameaça com prática de crime, p. e p. pelo art. 305.° do Código Penal e de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 143.°, n.°l, 145.°, n.°s 1, alínea a) e 2, por referência ao art. 132.°, n.°2, alínea m) todos do Código Penal.
II – Cumpre apreciar e decidir: De harmonia com as disposições conjugadas dos arts. 287°, n.°2, in fine, e 283.°, n.° 3, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura de instrução deve conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido, ou arguidos, de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
Esta exigência legal implica que o assistente proceda em termos idênticos àqueles que caberiam ao Ministério Público, na prolação de uma acusação, e em que a descrição factual dos elementos objectivos e subjectivos do tipo ou tipos, pelos quais o arguido deverá ser pronunciado, funcionam como a fixação do objecto do processo, i. e., do seu thema probandum. Com efeito, " (...) Integrando o requerimento de instrução razões de perseguilidade penal, aquele requerimento contém uma verdadeira acusação; não há lugar a uma nova acusação; o requerimento funciona como acusação em alternativa, respeitando-se, assim, «formal e materialmente a acusatoriedade do processo», delimitando e condicionado a actividade de investigação do juiz e a decisão de pronúncia ou não pronúncia. (...)" - in Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II1, p. 125, apud Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. n.° 7/2005, de 12 de Maio de 2005, publicado na 1.'1 Série do D.R. n.° 212 de $ de Novembro de 2005.
Por outro lado, a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de o objecto da instrução ser rigorosamente fixado pelo requerimento de abertura de instrução, não podendo ser considerados quaisquer outros factos para efeitos de juízo de indiciação, "1 – O requerimento para abertura da instrução equivalerá em tudo a uma acusação, condicionando e limitando, nos mesmos termos que a acusação formal, seja pública, seja particular, a actividade de investigação do juiz e a própria decisão final, instrutória. É que, tal como acontece na acusação, também, no caso, o requerimento de abertura de instrução tem em vista delimitar o thema probandum da actividade desta fase processual. (...) II– O objecto da instrução tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis, dito de uma forma simplista, os factos narrados como integrantes da conduta ilícita do agente têm de "caber" nos elementos objectivos e nos elementos subjectivos do tipo legal em causa (do respectivo preceito)." – in Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Maio de 2010 (processo n.° 1948/07.7PBAMD- A.L 1-9).
A própria jurisprudência do Tribunal Constitucional igualmente já se havia pronunciado no sentido de "A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia um a concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução." — in Acórdão do TC n.° 358/2004, de 19 de Maio, publicado na 2.ª série do D.R. n.° 150, de 28 de Junho de 2004.
III - Da análise do requerimento de abertura de instrução apresentado nos autos, constata-se que não foi dado cumprimento ao imperativo legal supra enunciado, porquanto neste não consta a descrição da factualidade conjunta de todos os elementos que, provados, pudessem integrar-se nos elementos objectivo e subjectivos dos tipos de ilícito pelos quais se pretende a prolação do despacho de pronúncia (crime de ameaça com prática de crime e ofensa à integridade física qualificada).
Com efeito, para além de fazer referência às insuficiências havidas na fase processual de inquérito e relatar alguns dos factos no que respeitam aos elementos objectivos dos dois tipos criminais que invoca (o crime de ameaça com prática de crime e a ofensa corporal qualificada) é totalmente omisso na descrição de factos que se subsumem aos elementos subjectivos dos tipos criminais em causa.
Com efeito, não faz alusão/descrição factual do dolo, não se descortinando portanto a quem, em concreto, e a que título, imputa os factos que descreve, sendo certo que, no caso particular dos autos, tal assume importância crítica, uma vez que se indicam dois autores dos factos e não apenas um (cfr. art. 26.° do Código Penal).
As falhas supra descritas subsumíveis à falta de descrição factual com a virtualidade de fundamentar a aplicação de uma pena ou medida de segurança, não poderão ser supridas, sendo este o entendimento do Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. n.° 7/2005, de 12 de maio de 2005, segundo o qual, "Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287. °, n.°2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido." IV – Em face do exposto, rejeito o requerimento de abertura de instrução, com fundamento na sua inadmissibilidade legal, de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 286.°, n.°1, 287.°, n.°s 2, a contrario sensu, e 3 do Código de Processo Penal, no segmento do despacho final de arquivamento parcial.
Custas a cargo do assistente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
…”.
* Não se conformando, o Arg./Assistente XXX, interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 8/17, com as seguintes conclusões: “…I. O presente recurso tem como objecto a rejeição do requerimento de abertura de instrução proferida pelo Meritíssimo Juiz da Comarca Lisboa Norte - Loures Inst. Central - Secção de Inst. Criminal J3.
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Findo o Inquérito n.°506/13.1OLLRS, o Magistrado do Ministério Público, ordenou o arquivamento parcial, quanto ao crime de ameaça e ofensa à integridade física qualificada na pessoa do arguido ora requerente.
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O requerente, face ao despacho de arquivamento, requereu a sua constituição como assistente e, do mesmo passo, a abertura de instrução.
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Apreciado o requerimento para abertura de instrução, por despacho proferido pelo Exmo. Juiz da Comarca de Lisboa Norte - Loures Inst. Central - Secção de Ins. Criminal J3, veio o mesmo a ser rejeitado quanto ao arquivamento parcial, considerando, em síntese, ser inadmissível a instrução requerida.
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O Meritíssimo Juiz de Instrução do Tribunal a quo, ao rejeitar liminarmente o requerimento do assistente para abertura de Instrução, com o fundamento na inadmissibilidade legal, violou o disposto nos artigos 287.°, n.° 2 e 3 e 283.° n.° 3, ambos do CPP.
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Na sequência do despacho de arquivamento parcial proferido pelo Ministério Público, quanto ao crime de ameaça e ofensa à integridade física qualificada na pessoa do arguido, o Assistente, ora requerente, narrou os factos criminalmente censuráveis, deu indicações completas tendentes à identificação de quem os cometeu e, para tal, representou e requereu as correspondentes produção de prova, uma vez que, os atos do Inquérito, nomeadamente quanto à inquirição das testemunhas, peca por ser manifestamente insuficiente para descortinar a verdade.
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O requerente cumpriu o disposto no n.° 2 do artigo 287.°, in fine, e o disposto nas alíneas b) e c) do n.° 3 do artigo 283.°, ambos do CPP.
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O assistente no seu requerimento de abertura de Instrução, nos artigos 1 a n.° 37, narra os factos, a conduta que levou à prática dos crimes de ameaça e de ofensa à integridade física...
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