Acórdão nº 3719/16.0T8OER.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução18 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em Conferência, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.

–Nos autos de recurso de contra-ordenação que, com o nº 3719/16.0T8OER, correm seus termos na Comarca de Lisboa Oeste – Oeiras – Instância Local – Secção Criminal – J2, foi proferida sentença, aos 19/12/2016, que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido P.

da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que lhe aplicou coima no montante de 180,00 euros e sanção de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 30 dias, pela prática da uma contra-ordenação prevista no artigo 27º, nº 1, do Código da Estrada.

  1. –O arguido não se conformou com essa decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª -« Em 6 de Novembro de 2013, pelas 07h:46m, na A5 sentido Lisboa/Cascais, 11.7, Porto Salvo o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula CM praticou a infracção de conduzir em excesso de velocidade, atendendo que circulava a 154 Km/h, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120Km/h.

    1. -O Recorrente foi condenado pela prática de um ilícito contra-ordenacional p. e p. pelo art. 27.º, n.º 1 do CE, no pagamento da coima de 180,00 dias e a sanção de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 30 dias.

    2. -O Recorrente discorda do teor da Sentença proferida pelo Tribunal o quo atendendo que ficou provado não ser ele o condutor do veículo automóvel.

    3. -Notificado da decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, o Arguido em sede de impugnação judicial comunicou aos autos que não era o condutor do veículo no momento da prática da infracção, procedendo à identificação do condutor e juntando uma declaração do próprio.

    4. -Resulta do ponto.2. da matéria de facto provada que: "Na data da infracção descrita em 1. O Arguido encontrava-se em Angola.".

    5. -Consta da matéria de facto não provada que: "a) no dia 6 de Novembro de 2013, pelas 7h:46m, o Arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula CM, na A5, sentido Lisboa/Cascais ao Km 11, 7, em Porto Salvo".

    6. -Em sede de audiência de julgamento, aquando da sua inquirição, o Arguido confirmou que havia sido o filho quem conduzia o veículo no momento da prática dos factos, conforme consta da Sentença na qual se pode ler: "No que respeita a quem é que conduzia a viatura, pese embora tenha sido junta aos autos uma declaração pretensamente assinada por JV, filho do arguido, de que era o condutor do veículo na data em questão (fls. 30) e que o arguido o tenha confirmado (...)" 8.ª-Pelo que ainda que o proprietário do veículo não tenha identificado o infractor no prazo do pagamento da coima, ainda assim, ficou reconhecido judicialmente que não era ele o condutor do veículo no momento da infracção.

    7. -Sendo que até à fase de impugnação judicial, o Arguido deve ter ao seu dispor todos os meios de defesa de que goza no âmbito do processo contra-ordenacional.

    8. -Porquanto, a entender-se o contrário, estaria a restringir-se o direito ao recurso, direito que se encontra constitucionalmente consagrado no art. 18.º n.º 3 e artigo 32.º da CRP.

    9. -Aliás, tendo sido identificado o condutor, inclusivamente mediante a indicação de carta de condução, poderia ter sido, desde logo, extraída certidão para instauração de processo de contra-ordenação contra o autor da infracção.

    10. -Por outro lado, tendo o Tribunal a quo decidido manter a decisão Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, mesmo após ter considerado como provado que não foi o Arguido a praticar os factos que lhe eram imputáveis, fê-lo, interpretando o art. 171.º, n.º 2 do CE em termos que não são compatíveis com o sistema sancionatório vigente e os diversos princípios constitucionais.

    11. -Neste sentido, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães pode ler-se "I- O n.º 2 do art.º 171.º do Código da Estrada, quando estabelece que o processo correrá contra o titular do documento de identificação do veículo se o agente da autoridade não puder identificar o autor da infracção, ressalvada a situação de esse titular vir, no prazo que a lei assinala para tal fim, indicar outra pessoa como a que, realmente, tenha cometido a infracção, não pretende mais do que consagrar um pressuposto processual de legitimidade passiva, baseada na presunção natural de que se o mesmo titular não indica quem conduzia o veículo aquando da prática da contra-ordenação, é porque era ele mesmo a conduzi-lo, que é a situação mais comum." (Ac. datado de 27.04.2009, Proc. N.º 897/08-1, disponível em disponível em www.dgsi.pt).

    12. -Acrescentando ainda o mesmo Acórdão que: "II. Partir-se daí para se derrogar o princípio da pessoalidade das penas é que já parece ilegítimo. III. Ao dar-se como provado que quem conduzia o automóvel não era o arguido mas outra pessoa, que a sentença não identifica, esta inviabiliza a possibilidade de ao arguido ser aplicada uma sanção acessória de inibição de conduzir, uma vez que isso corresponderia a responsabilizar objectivamente o arguido pela conduta de outrem, nexo de imputação esse que a lei não contempla nem permite.".

    13. -Pelo que, salvo melhor opinião, à semelhança dos presentes autos, ao entender-se que o Arguido não praticou o ilícito, não poderá ser condenado, porquanto não poderemos afastar o princípio da pessoalidade das penas vigente no regime jurídico português.

    14. -Também para o Tribunal Constitucional é pacificamente assumido que no âmbito do direito contra-ordenacional a prática de um facto ilícito terá que depender de critérios de responsabilização pessoal.

    15. -Assim, no Acórdão n.º 336/2008, pode ler-se: "(...) à semelhança do que sucede em direito penal, o direito de mera ordenação social português também repudia a responsabilidade objectiva, pois, segundo o disposto no n.º 1, do artigo 1.º, do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), na redacção do Decreto-lei n.º 244/95, "constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima" (sublinhado acrescentado)." (Neste sentido, vide o Ac. do Tribunal Constitucional, Processo n.º 84/2008, disponível em www.dgsi.pt).

    16. -A única excepção a este princípio verifica-se nas situações de responsabilização das pessoas colectivas, sendo que mesmo neste caso, as pessoas colectivas só poderão ser responsabilizadas por acções de terceiros quando integrem os seus órgãos ou agentes e ajam no exercício das respectivas funções. (Neste sentido vide o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27.04.2009, Proc. N.º 897/08-1, disponível em disponível em www.dgsi.pt).

      19.º-A doutrina entende ainda que: "2 - A legislação penal portuguesa consagra o princípio da individualidade da responsabilidade criminal (art. 11º do Código Penal), o qual, aliado ao princípio da intransmissibilidade (art. 30.º, n.º 3 da Constituição e 127º do Código Penal), conforma o princípio da pessoalidade das penas. Constitui tal princípio uma pura opção normativa, uma vez que se ressalva a hipótese de "salvo disposição em contrario". Assim, apenas o homem singularmente considerado pode, em regra, ser sujeito activo de uma infracção criminal, sendo excepcional a responsabilidade criminal das pessoas colectivas." (Neste sentido vide Manuel Simas Santos/Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2.ª Edição, Vislis Editores, [Lisboa] 2003, p.107., em nota ao art. 7.º do DL 433/82).

    17. -Com efeito, ao dar como provado que quem conduzia o automóvel não era o Arguido mas outra pessoa, que inclusivamente o Arguido identifica e que subscreve uma declaração que deve ser tida em conta para efeitos de prova nos termos do art. 164.º do CPP, fica inviabilizada a possibilidade de ao Arguido ser aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir.

    18. -cresce ainda que, o Tribunal a quo tendo tido conhecimento de que um terceiro seria o responsável pela condução do veículo na data, hora e local descritos no auto de contra-ordenação, deveria ter diligenciado no sentido de apurar a realidade dos factos, atendendo ao princípio da busca pela verdade material, tendo violado o princípio da investigação consagrado no art. 340.º, n.º 1 do CPP.

    19. -Nestes termos e por tudo o quanto se expôs, deve o recurso interposto ser considerado totalmente procedente, sendo a Sentença recorrida substituída por outra que absolva o Arguido da sanção acessória de que vem condenado.

    20. -Sob pena de violação dos arts. 11.º e 127.º do CP, arts. 18.º, n.º 3, 32.º e 30.º, n.º 3 da CRP, art. 135.º, n.º 3, 171.º, n.º 2 do CE e arts. 164.º, 340.º do CPP, arts. 32.º e 41.º do DL n.º 433/82 de 27 de Outubro.

      Neste Termos, e nos mais de direito, cujo douto suprimento se requer, deve o recurso interposto ser considerado totalmente procedente, sendo a Sentença recorrida substituída por outra que absolva o Arguido da sanção acessória de que vem condenado.

  2. –O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu à motivação de recurso, pugnando pela sua improcedência.

  3. –Nesta Relação, a Exmº Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão revidenda.

  4. –Cumprido o estabelecido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

  5. –Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

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