Acórdão nº 695/16.3T8VFX-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelLEOPOLDO SOARES
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: Em processo administrativo de contra-ordenação instaurado pela Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), a arguida/recorrente AAA, S.A, com sede em (…) foi condenada numa coima de 9 180,00€ por violação ao disposto no artigo 279º nº 1 e 5 do Código do Trabalho/2009[1] [2][3].

A arguida/recorrente não se conformou com a decisão.

[4] Assim, impugnou-a judicialmente, nos termos do disposto no artigo 32.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro .

Alegou e concluiu que todos os débitos que lhe são imputados foram realizados com o conhecimento e autorização do trabalhador, não decorrendo de qualquer decisão unilateral da recorrente, pelo que não são abrangidos pela proibição constante do art. 279º nº 1 do Código do Trabalho.

Acresce que a autoridade administrativa já havia elaborado um auto de advertência, fundamentado a violação na Lei 102/2000 pelo que não pode agora voltar a sancionar a recorrente pelos mesmos factos.

Concluiu pela sua absolvição.

Recebida a impugnação foi designada data para realização de julgamento.

[5] No decurso deste [6]foi proferida decisão , que na parte relevante , logrou os seguintes moldes: “A instância mantém-se valida e regular.

Fundamentação de facto.

Estão provados os seguintes factos: 1.-Em 22-2-2012, foi pela ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho efectuada uma vista inspectiva às instalações da arguida sitas em (…) 2.-Na sequência da referida vista foi a arguida notificada para, ao abrigo do artigo 11º n.º 1 alínea e) do Estatuto da Inspecção Geral do Trabalho, aprovado pelo DL 102/2000, proceder à entrega na Unidade Local de Vila Franca de Xira da Autoridade para as Condições do Trabalho, até dia 5-3-2012, de diversos documentos.

  1. -(…) foi admitido ao serviço da arguida em 1-6-1991, com a categoria de Motorista de Pesados, auferindo em 2012 a retribuição mensal de 607,00€.

  2. -A notificação efectuada para apresentação de documentos a arguida foi notificada para apresentar os recibos de retribuição do trabalhador (…), referentes ao período entre outubro de 2011 e Janeiro de 2012.

  3. -Analisados estes recibos verifica-se que a arguida procedeu aos seguintes descontos na retribuição do trabalhador (…): 200,00€ no mês de Novembro de 2011; 250,00€ no mês de Dezembro de 2011 e 250,00€ no mês de Janeiro de 2012.

  4. -Constando todos eles nos recibos sob o item “descontos/diversos”.

  5. -Tendo esses montantes sido efectivamente descontados no valor global do recibo e na transferência efectuada para o trabalhador para pagamento da sua retribuição.

  6. -Os recibos de retribuição em causa apresentam a remuneração decomposta em diversas parcelas aí creditadas, com distintos valores cada uma, a saber “Vencimento Base, Diuturnidades Ajud. Custo (TIR), Subsídio de refeição, Ajud. Custo (Estrang), Cláusula 74 (50%) Clausula 74 (75%)”.

  7. -Com vista à regularização da situação, foi a arguida notificada no dia 20-4-2012, nos termos do nº 4 do artigo 70 e da alínea e) e I) do nº 1 do artigo 11º do Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho, aprovado pelo DL 102/2000, para proceder ao apuramento da quantia em dívida ao trabalhador (…) e ao respectivo pagamento ao mesmo.

  8. -A arguida nada pagou ao trabalhador com referência aos descontos efectuados nos meses de Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012.

  9. -Os quais foram imputados pela arguida a utilização indevida de cartão de combustível que havia sido entregue ao trabalhador (…).

  10. -Quando o cartão foi entregue ao trabalhador o mesmo subscreveu uma declaração na qual consta “tomei conhecimento aquando a entrega do(s) Cartão (cartões) de Abastecimento e ou portagens abaixo identificados, que serei responsável pelos prejuízos decorrentes da sua utilização indevida ou do seu extravio, designadamente os abastecimentos abusivos e ou passagens em portagens de modo também abusivo. Assim sendo, autorizo que me sejam descontados no meu vencimento os valores desses prejuízos acrescidos de: 15 €, que corresponde ao custo de cada cartão, quer de pagamento de portagens quer de pagamento de combustível, fico também informado e obrigado a não deixar os códigos secretos dos cartões abaixo declarados junto dos mesmos ou ao alcance de terceiros, tornando-me responsável pelas transacções efectuadas por terceiros com utilização de código secreto, mesmo após ter declarado a perda ou o roubo dos referidos cartões”.

  11. -A arguida consignou no relatório social único a que alude a Portaria 55/2010 um número médio de trabalhadores ao longo do ano de 2011 de 374 e um volume de negócios de 31 009 013,00€.

    Não se provou: 1.-Que a ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho tenha levantado um auto/processo de advertência à arguida pelos factos referentes aos descontos na retribuição de (…) em Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012.

  12. -Que o trabalhador tenha solicitado a realização dos descontos.

  13. -Que a arguida tenha sido condenada pela prática de contra-ordenações graves com dolo ou muito graves por decisões definitiva ou por sentença transitada em julgado.

  14. -Qualquer outro facto em oposição com os dados como provados. *** Os factos acima enunciados foram como tal considerados atenta a prova testemunhal que teve lugar em audiência de julgamento e a prova documental constante dos autos.

    Assim e quanto às interpelações efectuadas pela ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho à arguida o tribunal relevou os documentos de fls 5 (notificação para apresentação de documentos) datada de 22-2-2012 e de fls 13 e 14 (notificação para apresentação de documentos e apuramento de quantias em dívida ao trabalhador (…) conjugadas com o depoimento prestado pela testemunha (…) que, enquanto inspector da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho e no exercício dessas funções, efectuou a visita inspectiva e as referidas notificações.

    Foram considerados os documentos de fls 7 a 10 (recibos de retribuição) e fls 6 (ficha de funcionário) seja quanto aos descontos efectuados, forma de apresentação dos mesmos e quanto à qualidade, categoria profissional e antiguidade do funcionário.

    A realidade de facto vertida em tais documentos foi confirmada pela testemunha ...Barrosinha o qual esclareceu que a sua retribuição foi efectivamente diminuída no montante correspondente aos descontos constantes dos recibos e da qual se encontra, na actualidade, privado.

    O documento de fls 12 (termo de entrega de cartões) foi considerado quanto à declaração subscrita pelo trabalhador quando da entrega dos cartões de combustível, tendo a testemunha (…) reconhecido a sua assinatura nele aposta e situado a subscrição quando os cartões lhe foram entregues.

    A testemunha (…), funcionária de empresa que assegura a gestão de recursos humanos da arguida e de outras empresas do grupo empresarial que a mesma integra, esclareceu que só a arguida pode proceder ao cancelamento dos cartões e que os descontos se reportam a consumos efectuados até ao cancelamento e decorrentes do facto do trabalhador ter perdido os cartões com os códigos.

    Esta situação é confirmada pelo trabalhador no seu depoimento sendo que o mesmo referiu que foi assaltado e lhe levaram quer os cartões, quer o telemóvel no qual tinha guardado os códigos de cada um deles.

    O relatório social de fls 4 foi considerado quanto a número de trabalhadores da arguida em 2011 e quanto ao volume de negócios aí consignado.

    Nenhuma prova foi feita do levantamento de qualquer auto ou processo de advertência. Dos autos nenhum consta e a ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho esclareceu a fls 70 e ss de forma clara e inequívoca que a tal não procedeu.

    O que resulta dos documentos de fls 5 e 13/14 é que a arguida foi notificada para apresentar documentos e perante os factos verificados lhe foi possibilitada a regularização da situação considerada irregular pelo inspector da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho antes de ser levantada o auto de notícia.

    Afigura-se que qualquer uma das referidas notificações, designadamente a segunda, não configura um auto tal como o art. 10º nº 1 al d) da Lei 107/2009 o consagra, sendo face à qualificação da infracção como muito grave (cfr. art. 279º nº 5 do Código do Trabalho) se afigura que o mesmo sempre seria inadmissível.

    Entende o tribunal que não foi feita qualquer prova da solicitação dos descontos pelo trabalhador porquanto o mesmo, ouvido como testemunha, referiu a surpresa que estes constituíram relatando mesmo que após a intervenção da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho, que requereu, continuaram a efectuar descontos, mas deixaram de expressar os mesmos nos recibos.

    Nenhuma prova foi feita da reincidência da arguida.

    Com efeito a autoridade administrativa refere na sua decisão que “ Consultada a aplicação informática desta Autoridade para as Condições do Trabalho (SINAI), a informação recolhida indica inexistência de reincidência”.

    A suposta informação não foi junta previamente à decisão administrativa, designadamente para fundamentar a conclusão de reincidência sendo o mesmo junto apenas na fase judicial e por determinação do tribunal – documento de fls 73.

    Ainda que a autoridade administrativa não tenha retirado a consequência prevista no art. 561º do Código do Trabalho na determinação da coima abstracta sempre se dirá que o registo em causa é um mero print informático do qual constam menções telegráficas de imputação de factos, de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT