Acórdão nº 210/11.5GDLRS.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução16 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Na Secção Criminal da Instância Local de Loures, por sentença de 02/06/2016, constante de fls. 641/664, foi o Arg.

[1] XXX, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 237[3]) condenado nos seguintes termos: “… Pelo exposto, julgando procedente por provada a acusação, condeno o arguido XXX: a) como autor de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado, previsto e punido nos termos do artigo 291º, nº 1 al. b) e nº 3, 285º ex vi do disposto no artº 294º, nº 3, e 144º nº 1 al. b), artº 69º, nº 1 al. a), artº 25º, nº 1, al. f) e 27º do Código da Estrada, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sob condição do arguido entregar, no prazo de 6 meses, a quantia de €1000 aos Bombeiros Voluntários de Loures.

b) proibição de conduzir qualquer veículo motorizado pelo período de 7 meses, devendo entregar a carta de condução neste juízo no prazo de 10 dias.

  1. a pagar as custas do processo, fixando a taxa de justiça em 2 Ucs ( artº 513º e 514º do Cód. de Processo Penal ).

…”.

* Não se conformando, o Arg.

interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 778/828, com as seguintes conclusões: “… VÍCIOS RESULTANTES DO PRÓPRIO TEXTO DA DECISÃO RECORRIDA (ponto II da motivação supra) 1) Nulidade por omissão de pronúncia – artigos 358, n.º 1 e 3, 374, n.º 2, 379 n.º 1, als. a), b) e c) e 410, n.º 3, al. a) do CPP 1) Aquando da sessão de 17 de maio de 2016 - e conforme resulta da respetiva ata - o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho : “Tendo por base os pontos nºs 26 e 27 da acusação são susceptíveis de serem considerados provados os seguintes factos: (26) 1. O arguido agiu de forma livre e voluntária com o propósito concretizado de conduzir o veículo automóvel nas descritas condições, isto é, animado de velocidade superior ao limite legal para o local (40 Km/hora) e desadequada às características da via (curva), criando desse modo, perigo para a vida ou para a integridade física dos demais ocupantes do dito veículo.

(27) 2. O arguido não previu como podia e devia, que ao conduzir nas referidas circunstâncias e com a consequente diminuição da sua capacidade e tempo de reação, poderia colocar em risco a integridade física e/ou a vida dos demais ocupantes do veículo, como efectivamente colocou, dando causa a graves lesões na integridade física de AAA.

Ainda é susceptível de se considerar provado o facto: 1. O arguido conduzia à velocidade concretamente não apurada, mas seguramente superior a 50 Km/hora.

Acresce que a factualidade susceptível de ser considerada provada, integra a autoria de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. art.º 291º, nº 1, al. b) e nº 3, art. 285º, ex vi art.º 294º, nº 3 e artº 144º, al. b) do Código Penal e art.º 25º, nº 1, al. f) e artº. 27º do Código da Estrada.

Assim, ocorrendo uma alteração não substancial dos factos e uma alteração da qualificação jurídica constante da acusação, para os efeitos do art.º 358º, nºs 1 e 3 do Código do Processo Penal, concedo a palavra à defesa.” 2) Deferindo o que, então, foi requerido pela defesa, o tribunal a quo ordenou, a interrupção da audiência, para continuar no dia 2 de Junho de 2016, a fim de o recorrente ser ouvido quanto à aludida alteração não substancial.

3) Sucedendo que, no dia e hora aprazados, o arguido prestou declarações, tendo a final, o tribunal referido que iria ler a sentença, no imediato, ou seja, (i) sem dar a palavra ao MP e à defesa para alegações e (ii) sem, depois disso, se retirar para deliberar (ex vi do n.º 2 do artigo 361), para, então, vertendo na sentença o produto dessa ponderação.

4) O acabado de expor resulta evidente da gravação da prova produzida no dia 2 de junho de 2016, cuja parte final se transcreve: A2.16.19: 06m55 Defesa, Advogado - Muito bem. Senhora Doutora. Não tenho mais questões.

A2.16.19: 07m00 Juiz - Algum esclarecimento Senhor Procurador? A2.16.19: 07m02 Ministério Público, Procurador - Não.

A2.16.19: 07m06 Juiz - Senhora Doutora, então, eu passo à leitura da sentença.

A2.16.19: 32m25 5) Conforme resulta do teor da ata dessa derradeira sessão do julgamento, que por facilidade, transcrevemos, «no seguimento, pela Ilustre Mandatária do arguido, foi requerido: "O arguido XXX vem arguir irregularidade do presente acto, visto que nos termos do art.º 358 do C.P.P., comunicada que foi a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, foi concedida ao arguido a possibilidade de prestar declarações, designando-se para o efeito a presente sessão.

Finda essa diligência de prova, o Tribunal anunciou que iria no imediato proceder à leitura da sentença (ou seja sem necessidade de se retirar para, com base nos elementos ora carreados para os autos, deliberar).

Ora, nos termos do art.º 360º, nº 1 do C.P.P., finda a produção de prova o presidente concede a palavra, sucessivamente, ao Ministério Público, aos advogados do assistente e das partes civis e ao defensor, para alegações orais nas quais exponham as conclusões, de facto e de direito, que hajam extraído da prova produzida.

Nos termos do art.º 361º, n.º 1, findas as alegações, o presidente pergunta ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dela e nos termos do n.º 2, em seguida declara encerrada a produção e retira-se para deliberar.

Ora, entende a defesa que ao consignar que a decisão já está tomada, que a prova ora produzida já foi ponderada (quando isso é manifestamente impossível, já que só agora este elemento de prova foi produzido) incorreu o Tribunal em irregularidade, que ora se argui para todos os legais efeitos.

Com efeito, nos termos do art.º 97º, n.º 5, os actos decisórios são sempre fundamentados, sendo que no caso de sentença e nos termos do art.º 374º, n.º 2, dessa fundamentação consta a enumeração dos factos provados e não provados bem como, de uma exposição tanto quanto possível completa ainda que concisa dos motivos de facto e de direito, que a fundamentam, procedendo-se à indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal." 6) Seguidamente, o tribunal proferiu o seguinte despacho : “A irregularidade arguida pela Ilustre Mandatária do arguido quanto à primeira parte e nos termos da norma citada, efectivamente, findas as declarações do arguido, será concedida a palavra para alegações, o que ostensivamente, não foi por nós observado e que supriremos de imediato. Quanto à segunda parte do requerido, verificando-se que as declarações adicionais prestadas pelo arguido estão na linha da versão trazida em sede de audiência de julgamento, entende-se não se impor qualquer ponderação adicional.” 7) No entender do recorrente, para além de suprir a irregularidade consistente no facto de não ter sido dada a palavra ao MP e à defesa, para alegações, a Excelentíssima Senhora Juíza do tribunal a quo devia, igualmente, ter suprido a irregularidade consistente no facto de não se ter retirado para deliberar, optando, ao invés, por ler decisão que já estava escrita.

8) Tanto mais que, ao contrário do referido no supra citado despacho, as declarações prestadas pelo recorrente versam sobre matéria diferente daquela sobre a qual este havia deposto.

Assim, 9) Do novo enquadramento jurídico dos factos resulta, não só, que o Tribunal considerou a conduta do arguido negligente, como também, que ao caso em apreço deixa de ser aplicável o disposto na alínea h) do artigo 25 do Código da Estrada (tal como expendido na acusação pública), passando reger a alínea b) desse mesmo normativo.

10) Note-se a relevância da alteração consistente na consideração de que “o arguido conduzia à velocidade concretamente não apurada, mas seguramente superior a 50 Km/hora”, quando, antes, da acusação, não constava qualquer quantificação – nem sequer aproximada – da velocidade a que seguia o recorrente, apenas se lendo, a este respeito, que este “após passar a descrita zona de sinalização e desfazer a curva para a esquerda, atenta a velocidade excessiva e inadequada para o local que imprimiu ao veículo, ao iniciar a contracurva para a direita, o arguido perdeu o controlo do veículo” (cfr. ponto 10 da acusação).

11) E note-se na relevância entre considerar, tal como descrito na acusação, que o recorrente circulava num troço de via em mau estado de conservação, molhado, enlameado ou que ofereça precárias condições de aderência (cfr. al h) do artigo 25 do CE).

12) Ou considerar que a via em causa não padecia de nenhuma destas características, mas o arguido não terá moderado a velocidade numa curva, cruzamento, entroncamento, rotunda ou outro local de visibilidade reduzida (cfr. al f) do artigo 25 do CE).

13) Do que se trata é, pois, de facultar ao arguido a possibilidade de – sobre este e os demais aspetos que integram a previsão legal ínsita no n.º 1 e no n.º 3 do artigo 358 do CPP - influir na decisão que impenderá sobre ele.

14) Na prática, aquilo que o arguido disse em sua defesa, quanto a este aspeto, caiu no mais absoluto vazio, dado que a sentença – repete-se - já estava escrita.

15) A forma como o tribunal a quo procedeu não deixa qualquer dúvida quando à impossibilidade congénita de ponderação dos novos elementos carreados para o processo, sendo notório que não procedeu ao exame das declarações prestadas pelo recorrente depois de ter sido redigida a sentença.

16) Apesar de ter ordenado a reabertura da audiência para a tomada de declarações do arguido quanto a essa matéria específica, acabou o tribunal por incumprir o por si despachado, em frontal violação das formalidades impostas pelo disposto nos artigos 361, n.º 2 e 358, n.º 1 e 3, por sua vez, emanadas do princípio do contraditório – com assento constitucional no artigo 32, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP).

17) Tendo sido redigida a...

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